Na Procissão do Fogaréu, em Goiás Velho (foto de Wagner Cosse) |
Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse
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Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.
(Cora Coralina)
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Cora Coralina, a mais ilustre filha de Goiás Velho |
Em 2005, meu irmão Juninho (o
engenheiro civil Francisco Júnio de Miranda Lins) estava realizando uma obra de
restauração na Igreja do Rosário, templo neogótico plantado na área central de
Goiás, antiga capital do Estado de mesmo nome, que popularmente é conhecida
como Goiás Velho ou até mesmo Vila Boa de Goiás. Ela fica a 150 quilômetros de
Goiânia. Naquela época, a convite dele, fui conhecer esta bela cidade
histórica, tombada como Patrimônio Cultural da Unesco em 2001. Lá também é a
terra de uma das mais aclamadas e queridas poetas brasileiras, Cora Coralina.
Éramos um pequeno grupo que
aproveitava um dos mais belos momentos da cena cultural e religiosa de Goiás, a
Semana Santa, quando acontece a mítica Procissão do Fogaréu, que existe desde
1745. Sob forte impacto emocional, a cidade desliga os postes elétricos para
que a população e os visitantes, munidos de tochas, acompanhem os últimos
passos de Cristo antes de sua crucificação. A cena é de arrepiar!
Um dos símbolos da cerimônia são os
homens encapuzados, chamados de farricocos, que lembram aquelas figuras da Klu
Klux Klan, numa versão do bem. Ao contrário dos norte-americanos, eles trajam
roupas coloridas.
Toda a comunidade se envolve nos
festejos, com celebrações durante os dias da festa. Entoam cânticos em latim
nas pequenas capelas, desfilam em procissões no domingo de Páscoa e aproveitam
a ocasião para exibir toda sua vasta gastronomia, especialmente os doces
caseiros. A prata da casa é o pastelzinho ou pastelim, que parece uma empadinha
aberta com recheio de doce de leite e canela. Há também uma grande variedade de
doces de frutas.
Por falar em doces, a mais famosa
personagem da cidade foi a poeta Cora Coralina (1899-1985), ela também uma doceira de mão cheia. Foi com a
feitura e a comercialização de doces que ela, separada de seu marido no início
do século 20, criou seus filhos. A casa onde ela vivia hoje abriga um museu,
onde os visitantes entram pela cozinha e, já de cara, apreciam os utensílios
que ela usava para confeccionar suas delícias de açúcar.
No cômodo ao lado, é possível
observar o comovente quartinho de dormir da poeta, ainda com sua roupa e o
chinelinho pronto para serem usados, antes de partir para a luta do dia a dia.
No centro dessa humilde residência,
há uma sala toda especial, que me levou às lágrimas na ocasião. Trata-se de todos
os títulos acadêmicos que a senhorinha, quase sem instrução formal, recebeu já
na sua maturidade. Dentre eles títulos de Honoris Causa da Universidade de
Goiás. Ali também estão reportagens, roupas e mensagens de grandes autores
elogiando sua obra, dentre eles as de seu padrinho artístico, Carlos Drummond
de Andrade. É possível também visitar o quintal de Cora.
A Velha Casa de Ponte, como é denominada
a sua residência, fica ao lado da ponte de madeira que atravessa o Rio
Vermelho, que foi determinante para a fundação da cidade, no século 18, quando
ali foram descobertas grandes quantidades de ouro. Foi também este rio que
devastou a cidade, logo após ela ter sido completamente restaurada, por ocasião
da titulação pela Unesco. Os fortes e bravos moradores tomaram fôlego e a
reconstruíram para que ela voltasse ao seu esplendor original. Quando estive
lá, pouco depois da enchente, já a encontrei bela e reorganizada.
Pelos famosos Poemas dos Becos de
Goiás, de Cora Coralina, fazemos um tour nostálgico pela cidade, que tem um
expressivo casario do período colonial que, à noite, ganha um tom dramático por
meio da iluminação amarelada dos postes e lampiões. As calçadas são de pedra,
difíceis de caminhar, mas de grande valor sentimental e histórico.
Há belas e interessantes igrejas em
Goiás, com o já citada Igreja do Rosário. A original do século 18 foi demolida
e substituída pelo templo atual, de 1930, que guarda interessante pinturas de
Nazareno Confaloni. Vale visitar ainda as igrejas de São Francisco, do Carmo,
de Nossa Senhora da Abadia e de Santa Bárbara, que fica no alto de um morro, de
onde se tem uma ótima vista da cidade. Todas as igrejas são do século 18,
construídas entre 1761 e 1790.
Outras construções do centro
histórico, como o Palácio do Conde de Arcos, também são paradas obrigatórias.
Ele foi a residência do governador de Goiás durante o período em que o
município era a capital do estado. Quando visitei a cidade, havia no local uma
visita guiada com atores que interpretavam cenas da história, com trajes
característicos. Até nós, os visitantes, éramos convidados a participar da
encenação, como personagens de época.
Outra visita agradabilíssima foi à
casa de Goiandira (1915-2011), uma das mais famosas artistas plásticas do
Estado, que nos recebeu pessoalmente. A sua especialidade é compor quadros com
areias coloridas ao invés de tintas. E todas as tonalidades são originais, sem
corantes, recolhidas nas redondezas da cidade. Havia uma vitrine com a
impressionante cartela de cores que eram utilizadas pela pintora.
Como esta viagem aconteceu há quase
13 anos (estou postando este texto em janeiro de 2018), não darei dicas de
hospedagem nem de restaurante, embora tenho ainda as fotos da pousada que
ficamos na ocasião e, sinceramente, senti saudades daquele café da manhã. Outra
boa lembrança é do empadão goiano, delicioso, feito com um tipo diferente de
palmito.
Ainda dá tempo de reservar o hotel
para curtir a Semana Santa em Goiás Velho e sentir todas as emoções que eu
senti naquela cidade tão bela e poética.
Até semana que vem!
Goiás Velho à noite
Eu e o lampião (foto de Wagner) |
A cidade durante o dia
Mara Fantini (restauradora) e eu, em rua da cidade história |
Casa Velha da Ponte, antigo lar de Cora Coralina |
Janelas de Cora |
Quintal de Cora |
Palácio do Conde de Arcos, antigo Palácio dos Governadores |
Entrada do centro histórico, com a ponte de madeira sobre o Rio Vermelho e a casa de Cora Coralina. Ao fundo, a igreja do Rosário |
Igreja de Santa Bárbara, no morro mirante |
No alto do morro de Santa Bárbara (foto de Wagner Cosse) |
Procissão do Fogaréu
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Farricocos, personagens da procissão |
Personagens bíblicos carregam as tochas na procissão |
Luzes da cidade se apagam as tochas iluminam o caminho |
A restauradora Mara Fantini, na procissão |
Cerimônia com cânticos em latim em capela da cidade |
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Na procissão com os farricocos, Luciana (esposa de Juninho), Juninho, eu e Wagner |
Visita ao atelier de Goiandira
Wagner, Goiandira e eu |
Areias coloridas |
Goiandira e Wagner |
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Pintura de Goiandira |
Visita ao Palácio do Conde de Arcos
Participando da apresentação teatral |
Com o elenco |
Os atores improvisados |
Vendedor de doces
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Pastelinho |
Igreja do Rosário
Juninho discursa na Igreja do Rosário |
Interior da igreja em obras de restauração |