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Com Wagner, na fábrica de vinho da cidade subterrânea |
Já estou de volta ao Brasil,
enquanto escrevo as últimas postagens sobre a viagem que eu e Wagner, meu
companheiro de viagem, fizemos pela Espanha e Turquia, em abril de 2012. Insiro
este contexto, pois é diferente contar uma história vivida no local e outra,
baseada nas memórias, já instalado na mesa de meu apartamento, ouvindo palavras
em português e as sonoridades típicas de nosso país.
Antes de escrever esta postagem
sobre o segundo dia de nossa viagem à Capadócia – e o penúltimo da nossa viagem
– já conversei com amigos brasileiros, troquei as experiências da viagem,
postei fotos no Facebook e desfiz minhas malas. E até mesmo encarei o trabalho,
com menos ansiedade do que de costume, mas de um modo a sentir que há muita
coisa para se fazer daqui para frente.
Voltemos à Capadócia. Gostaria
de ressaltar que o tempo colaborou com a nossa visita a essa parte da Turquia. O
céu azul, os dias ensolarados, a temperatura de aproximadamente 25º durante o
dia tornaram os contornos geológicos mais belos, o voo de balão mais atrativo e
o caminhar mais leve, pois estava desprovido de capotes e outros agasalhos para
combater o frio. E já pensou se estivesse chovendo?
Por isso, acordar cedo e sentir
aquele raiozinho de sol entrando na fresta da janela é meio caminho andado para
felicidade. Ainda mais quando se está hospedado em um hotel tão agradável
quanto o Kale Konak, de Uçhisar, de onde se avista o belíssimo vulcão coberto
de neve. Um dos três que provocaram toda essa formação, quando há milhões de
anos atrás derramaram suas lavas por esses vales.
Na Turquia, mesmo nos hotéis
mais ocidentalizados, o café da manhã traz muita comida salgada e legumes, como
beterraba, cenoura e pepino, além de azeitonas e queijos de várias espécies. O
tomate, que é um fruto, mas parece legume, também é figurinha fácil. O pão é
uma instituição nacional. São muitos e de vários tipos e sabores. Os turcos
preferem o chá, mas há também turkish
coffee, um café fortíssimo, mas delicioso, que vem servido em xícaras muito
charmosas.
Logo cedo, nosso querido guia
Hayru nos pegou no hotel, juntamente com o motorista Soliman, nome inspirado
num famoso sultão turco. Por isso, nós sempre nos referíamos a ele como o “sultão”.
Primeiramente, fomos para o Vale dos Pombos, uma espécie de rasgo formado entre
as montanhas, aonde as populações antigas escavaram inúmeros pombais. As aves
eram utilizadas para a alimentação, no inverno, quando escasseavam-se as caças;
e suas fezes ainda são utilizadas no adubo para as plantações (principalmente a
da batata,muito cultivada na Capadócia). O Vale dos Pombos também é um mirante
maravilhoso, de onde se tem uma bela vista de Uçhisar, incluindo o majestoso
castelo. Em duas pequenas árvores ressecadas, foram pendurados inúmeros “olhos
gregos” (que na Turquia são chamados de “olhos turcos”), que atraem os turistas
e visitantes para as fotos. Inclusive nós.
O próximo passo foi a visita a
um dos locais mais impressionantes que eu já vi em toda a minha vida (pois é, a
Turquia é uma novidade atrás da outra). Trata-se de uma cidade subterrânea. Na
Capadócia, haviam de 150 a 200 cidades subterrâneas. Atualmente, três podem ser
visitadas. Kaymakli, patrimônio da humanidade, é a mais famosa. Tem cerca de
onze andares para o fundo da terra. Desse total, três estão abertos para
visitas. Segundo alguns estudos – não há muita precisão, pois faltam dados
científicos – as cidades devem ter sido construídas entre os séculos 5 e 10,
como locais para esconderijo de populações, que fugiam do massacre dos
exércitos. Com extrema maestria, elas
são obras ousadas de engenharia, com tubos de ventilação, poços artesianos,
locais próprios para criação do rebanho, cozinhas, dormitórios, salas de
repouso e refeições - e até uma fábrica de vinho. De acordo com Hayru, algumas dessas cidades abrigaram 5
mil refugiados, que ali passagem de até cinco dias, escondendo-se. Passado o
perigo, voltavam à superfície.
Embrenhando por aquele
labirinto de corredores, portas, janelas, vãos, sentimo-nos às vezes sufocados.
Imagine uma multidão vivendo ali dentro, com toda a tensão provocada pelos
conflitos que a ameaçava constantemente. Não há como não pensar na capacidade
do ser humano de se adaptar às intempéries, quando o assunto é a sua
sobrevivência. E, ainda, na força que aquele local impregna, com a energia que
as pessoas utilizaram para escavar aquelas rochas com tanta precisão e
praticidade.
Saindo do subterrâneo,
visitamos uma cooperativa de joias. Como acontece com a olaria que visitamos no
primeiro dia da Capadócia, e a de tapetes, que não conhecemos, essa cooperativa
faz parte de uma política do governo turco para preservar as tradições de
tapeçaria, joalheria e cerâmica do país, que remonta a milhares de anos. O
governo cede o espaço e o material e os artesãos entram com a mão de obra. Além
disso, os artesãos têm acesso a peças famosas da joalheria turca, desde os
tempos de Troia, passando pelos períodos bizantino e otomano, até os dias
atuais, que são cedidas pelos principais museus, em consignação. Eles podem
replicá-las e comercializá-las, difundindo a arte do país e mantendo a sua sobrevivência
e continuidade desse tipo de manufatura. Nesse dia, além de me deslumbrar com a
qualidade das joias, eu entendi na prática o que é política cultural. Sem leis
de incentivo, sem passar o chapéu para empresas que nem sempre entendem a
proposta cultural dos artistas e sem a frustração de ver tantas ideias se
esfacelando por falta de patrocínio. É bom ressaltar que o carro-chefe da
joalheria turca é a turquesa, pedra belíssima que leva o nome do país.
Depois de uma pausa para um
almoço agradabilíssimo na cidade de Mustafapaça, antiga colônia grega,
prosseguimos para o Vale de Sogãnli. Esse passeio não consta em muitos guias,
pois há poucos turistas que vão até aquele local. Hayru que o inseriu no nosso
roteiro, por sua importância histórica. Por isso, é também um local menos visitado.
Como Göreme, que estivemos no dia anterior, Sogãnli também era uma cidade
escavada na rocha, com muitos templos e igrejas. Foi um local concorrido no
passado e, até os anos 1990, abrigava uma população razoável, até que houve
vários acidentes geológicos, que provocaram a derrubada de imensos paredões de
rochas, matando muitas pessoas. De acordo com Hayru, foi uma comoção nacional,
promovendo uma retirada das pessoas daquelas áreas mais perigosas. Ficou um
local isolado, mas com suas belezas.
No interior das igrejas – que pudemos
fotografar – há pinturas soberbas. No entanto, várias delas foram danificadas
pela ação do tempo e do homem, que também quis imprimir naquelas rochas seus
nomes e datas. Algumas remontam ao século 19. Outras, mais recentes. De acordo com
Hayru, as depredações aconteceram por questões ideológicas ou religiosas. Em outros
casos, porque até poucas décadas atrás o povo turco não tinha a noção do valor
histórico das pinturas. Hoje, mesmo com os rabiscos, elas estão mais bem
preservadas.
Bem, finalizado o passeio, é
hora de despedir e ir para o aeroporto, de onde pegaremos o voo para Istambul.
Na estrada, vemos as montanhas da cadeia de Taurus, com seus cumes gelados,
inclusive o belíssimo vulcão Erciyes. Uma pequena parada na Argeus, na
Capadócia, para conhecer pessoalmente Cíntia e tirar uma foto com a equipe da
agência. Agora, é hora de ir embora.
Como não poderia deixar de ser,
ficamos duas horas e meia de molho no aeroporto da Capadócia, antes de
prosseguirmos para Istambul, de onde partiríamos para uma outra saga, antes de
chegarmos a Belo Horizonte. Mas isso é história para uma nova postagem.
P.S. Peço perdão caso não tenha
grafado os nomes turcos da forma correta. Tentei pesquisar para não cometer
erros, mas a língua é muito difícil e às vezes incompreensível para mim. Espero não ter cometido erros tão crassos.
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No Vale dos Pombos |
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Vista de Uçhisar |
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Reprodução fiel a joia pertencente à Helena de Troia |
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Joia produzida na cooperativa, respeitando a tradição turca |
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Joias com turquesas |
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Salões da cidade subterrânea |
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Na cidade subterrânea |
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Tapeçaria turca: estilos diversos |
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Vendedor de tapetes |
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Trama de tapete ao estilo hitita |
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Restaurante grego |
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Senhores turcos conversam |
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Em Sogãnli |
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Hayru explica a Wagner a história de Sogãnli |
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Pintura em igreja escavada na pedra |
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Igreja escavada |
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Afrescos do século 10 |
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Bonequeiras de Sogãnli |
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Um dos vulcões belíssimos que provocou a formação de Capadócia |
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Wagner despede-se da Capadócia |
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Soliman, eu, Cíntia, Wagner e Hayru |