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Wagner e eu brincando na paisagem gelada de Ifrane |
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Consulte o pequeno dicionário na postagem de Marrocos - Parte 1 para entender alguns termos
Paisagens, costumes, gastronomia, vestuário... tudo em Marrocos
difere da realidade brasileira. Diariamente, cinco vezes por dia, os
alto-falantes dos minaretes das mesquitas reverberam as vozes de homens entoando
orações. Como são muitas as mesquitas, parece o que se escuta é um grande coral, cheio de sentimento e religiosidade. Ao ouvir este som, o
marroquino interrompe tudo que por acaso esteja fazendo e faz sua meditação. Para
nós, ocidentais, criados na fé cristã, este é com certeza um dos mais tocantes costumes islâmicos.
Em uma extensão de pouco mais de 446.000 km2, ou seja,
uma região menor do que a do estado de Minas Gerais, onde vivo, é possível ver
belíssimas praias, montanhas de mais de 4.000 metros de altitude, desertos de
areia e até áreas que demonstram vestígios de ter havido ali um grande mar ou
oceano há milênios atrás.
Ainda na região de Mergouza, visitamos oásis, antigas
crateras e vimos as chapadas que fazem a divisa do país com a Argélia. Como os
marroquinos estão em conflito com os argelinos há muitos anos, a região é
constantemente monitorada pelo exército. Conhecemos um grupo musical berbere,
os Pigeons du Sable, que fizeram uma pequena apresentação para nós (confira o
vídeo no site: https://www.youtube.com/watch?v=y0IvwPUG7Sc ). No final, nos
convidaram para dançar e cantarolar com eles, num movimento de congraçamento de
culturas.
Por
fim, visitamos uma cooperativa de artesãos. A vontade que temos, inicialmente,
é de levar tudo. Ou, pelo menos, um exemplar de cada arte: lanternas decorativas,
louças pintadas, roupas finissimamente bordadas e tapetes. Infelizmente nem o
bolso nem o peso na bagagem nos permitiam tal estripulia. Mas acabamos nos
rendendo a um belo tapete marroquino, típico dos povos do deserto. Graças à
dica de pechinchar sempre, ele acabou saindo menos da metade do preço original.
Depois
de nos despedirmos de Merzouga e Erg Chebbi, partimos para o norte do país. O
objetivo era chegar a Fez, uma das quatro cidades imperiais de Marrocos (as
outras são Marrakech, Meknés e a capital, Rabat). O caminho se descortinou em
novas e surpreendentes paisagens. Belíssimos lagos, montanhas e vales
incríveis. Alguns com vistas panorâmicas de tirar o fôlego.
Como
estávamos prevenidos, começamos a notar que a temperatura continuava a abaixar.
Entrávamos na região do Alto Altas, cuja principal referência era a cidade de
Ifrane, um recanto alpino criada pelos colonizadores franceses nos anos 1930.
Diferentemente das casas marroquinas, sem telhado e com cores de terra, que iam
do ocre ao vermelho, as residências em Ifrane tinham telhados que lembravam as
construções enxaimel, comuns no sul do Brasil, além de lindas avenidas cobertas
de árvores.
Mas
o mais espantoso se deu pouco antes de chegarmos a Ifrane. A sequidão do país
começou a ser substituída por grandes grupos de montanhas brancas pela neve que
havia caído dois dias atrás. Viam-se pequenos grupos de esquiadores, brincando
nos dorsos das montanhas. Eu nunca tinha visto neve ao vivo. Wagner, que faz
esta viagem comigo, já tinha vivido a experiência na região do Peru e da
Bolívia. Mas confessou que nada se comparava àquela manifestação. Toda a
paisagem salpicada de branco. Em determinado momento da estrada, já beirando o
horário do por do sol, atravessamos uma inacreditável floresta de cedros,
conhecida como Parque Nacional de Ifrane. Todas aquelas árvores enormes com
suas copas tingidas de branco, com o sol atravessando seus caules e folhas.
Confesso que foi o dia mais incrível da viagem. Tornamo-nos crianças perante
toda aquela beleza. Até mesmo o nosso motorista, Ahmed, confesso que nunca
tinha atravessado aquela região com tamanha incidência de neve. Em compensação,
o frio estava de rachar e chegou a quatro graus negativos.
Fez
– a cidade dos artesãos
Chegamos
a Fez já de noitinha. Ali nos hospedaríamos no Dar Dalila, o hotel do francês Geoffroy
Haury que foi um dos nossos mais queridos anfitriões. Ele mudou-se para
Marrocos há 14 anos. Ali, comprou a residência que transformaria em seu
aconchegante hotel. Na primeira noite, ele já nos preparou um delicioso jantar,
regado a um vinho local muito saboroso.
De
manhã já nos aguardava, na porta do hotel (ou Dar), Ahmed e o nosso guia
Mohammed. Este é um nome muito comum no país, pois significa Maomé, o grande
fundador da religião islâmica. O rei, inclusive, chama-se Mohammed VI é
descendente de Maomé. Mohammed, o guia, nos levou para conhecer a cidade, em
especial a medina (centro velho) de Fez, que é a sua principal atração
turística e onde atuam os mais sofisticados artesãos do país.
Embora
em alguns momentos a visita se tornasse um roteiro de visitação a lojas e
cooperativas de artesãos, o que me em deixou por vezes um pouco nervoso, pois
não tinha intenção de comprar nada que fosse imposto (o guia ganha uma comissão
a cada compra realizada), Mohammed também nos mostrou alguns pontos
interessantes. Ressalto a impressionante vista que se obtém da cidade de uma de
suas colinas. Um mar de construções em cor de ocre, com alguns telhadinhos
verdes (das mesquitas), ladeado por grandes muralhas. Em cima das casas
antiquíssimas (Fez foi fundada em há mais de 1.200 anos), uma enorme quantidade
de antenas parabólicas. Atualmente, Fez tem mais de um milhão de habitantes.
Outro
local muito interessante foi o Mellah, nome que se dá ao bairro judaico, e a
Madrassa el-Attarine, local que abrigava os estudantes islâmicos no passado.
Construída entre 1352, ela tem um rico pátio central, adornado por fantásticos
azulejos e estuques de gesso, com elegantes portas de cedro. Visitamos, ainda,
as portas do palácio real, em Fez, com um laborioso trabalho de artesanato em
cerâmica e madeira.
Notamos
que muitos pontos da medina estavam em restauração. Trata-se de uma ação da
Unesco, com fundos internacionais (segundo Mohammed, a maior parte dos EUA).
Ela está remodelando várias ruelas e lojas e até mesmo os tradicionais tanques
de tingimento de couro, famosos por seu mau cheiro e pelas condições precárias
a qual estavam submetidos os trabalhadores. Eles foram afastados durante o
período, com um subsídio do governo marroquino. A reforma também inclui o
saneamento básico e o esgotamento sanitário, pois antigamente todos os detritos
eram lançados no rio. Quando estivemos na cidade, em fevereiro de 2016, as
obras não tinham sido finalizadas.
No
mais, uma série interminável de lojas pequenas e grandes, que vendiam de tudo,
desde alimentos a tecidos, passando por roupas de couro, artesanato e até mesmo
pente de osso – conhecemos o último artesão na cidade a trabalhar com isso,
encerrando um ciclo, uma vez que não tem descendentes. Em Marrocos, o ofício é
passado de pai para filho, sendo que o filho mais velho é o que costuma assumir
a função. Visitamos, também, uma loja de bandejas e bules de chá banhados de
prata e ouro, com minuciosos arabescos feitos a mão.
É
claro que não resistimos em algumas ocasiões. No final do dia, depois de encher
algumas sacolinhas, ainda fiz uma brincadeira com Mohammed, acusando-o de ser
culpado de nossa “falência”.
Ao
chegar na Dar Dalila, com o dia anoitecendo, ficamos horas a conversar com o
nosso anfitrião, enquanto degustávamos mais algumas iguarias da gastronomia
marroquina, preparados por ele, regadas a vinho marroquino.
Fomos
dormir logo em seguida, pois o dia seguinte nos esperavam novas emoções. E
emoções em muitos tons de azul.