|
Canudos: testemunha de um genocídio (foto de Wagner Cosse) |
Quem
viaja longas distâncias de carro, como estamos fazendo nesta jornada, a
paisagem é a eterna companheira. O automóvel, principalmente, permite que a
gente aprecie as nuances da natureza e possa parar a todo momento em que
sentimos a necessidade de um clique. Vimos belíssimas paisagens, em todos os
recantos, mesmo em lugares onde o asfalto era precário ou nem havia calçamento.
Dito isto, vamos ao tema desta
postagem: Canudos, na Bahia. A cidade é legendária. A resistência dos
seguidores do líder religioso Antônio Conselheiro (1830–1897), no final do
século 19, ao Exército Brasileiro é antológica. E foi narrada em inúmeros
livros, mais notadamente em “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, considerado um
clássico da nossa literatura.
A Canudos atual é feia, descuidada,
com poucas opções de hospedagem e alimentação. O que a salva é a sua história.
E ela mora nos corações dos conselheiristas, como se denominavam os seguidores
do Conselheiro.
E é fora da área urbana que se encontra seu
maior atrativo: o Parque Estadual de Canudos, palco da tragédia (ou genocídio,
como prefiro) cometido contra aquele povo pobre e humilde. No parque é que
Canudos se concretiza.
Para nos ciceronear, tivemos a
alegria de encontrar um guia que também é poeta: José Américo Amorim. Profundo
conhecedor da história e autor de vários livros, ele também é capaz de citar
outros autores que narraram o episódio de Canudos, que ampliaram a nossa
compreensão sobre os fatos.
A primeira Canudos foi completamente
destruída pelo fogo, em 1897. Lá viviam 25.000 pessoas (mais do que a população
atual, que gira em torno de 17 mil habitantes). No início do século 20, os
antigos moradores começaram a retornar às suas terras e reconstruíram uma nova
cidade. Nos anos 1940, em visita à cidade, o presidente Getúlio Vargas anunciou
a construção de um açude e uma barragem. A partir de 1950, toda a “nova”
Canudos foi inundada pela represa de Cocorobó. Em 1969, ela desapareceu
completamente debaixo das águas. As ruínas da antiga igreja podem ser vistas quando
há secas fortes e o nível da água baixa. A terceira Canudos é a que conhecemos
nessa viagem. Segundo seus habitantes, depois do fogo e da água, a nova Canudos
perece pela carência e pobreza.
Nas colinas ou partes mais altas do
parque estão os principais vestígios da guerra de 1896-1897. Lá encontram-se as
trincheiras tanto do exército quanto dos conselheiristas, a área onde existiu a
Fazenda Velha (ponto de apoio do exército) e o pavoroso Vale da Morte ou da Degola,
onde os moradores da velha Canudos, a maioria idosos, mulheres e crianças
morreram e tiveram suas cabeças cortadas pelos militares. Na área aonde os
soldados organizaram o hospital, podem-se ainda observar vestígios de ossadas
humanas.
O parque também expõe imagens de
vários fotógrafos, inclusive Pierre Verger, que contam um pouco da história do
povo canudense. Dentre as imagens, há as clássicas fotos registradas na época
do conflito narrado por Euclides da Cunha.
Atualmente, o parque é um símbolo de
resistência. Cada vez mais a guerra é reconhecida como uma chacina, pois foi
uma luta entre dois adversários com forças diferenciadas. O exército, com suas
armas de foto e canhões. O povo, com foices, enxadas e facões, objetos que
usavam comumente na lavoura. Por incrível que pareça os conselheiristas
conseguiram vencer três das quatro tentativas do exército de exterminar
Canudos. Mas a derrota teve um gosto amargo e abriu uma dolorosa chaga na
história do Brasil. Respingos dela podem ser notados nos dias atuais. Até mesmo
na utilização de uma planta, muito encontrada na região de Canudos, e que agora
dá nome aos conjuntos de casas construídos de forma desordenada nas grandes
cidades brasileiras: favela.
José Américo nos levou, ainda, à
sede da Universidade da Bahia, onde conhecemos o belo jardim euclidiano, com a
belíssima flora do sertão. O programa incluiu uma passagem pela Barragem de
Cocorobó e uma subida ao mirante, onde está uma enorme estátua do Conselheiro.
Breve
passagem por Jeremoabo
Gostaria de ressaltar uma passagem
pela cidade de Jeremoabo antes de chegar a Canudos. Ela também pertenceu ao
circuito do Cangaço. Lampião e seu bando estiveram por lá várias vezes e foram
acoitados por grandes fazendeiros da região. Jeremoabo conserva pequeno casario
histórico, com destaque para a igreja matriz e a Casa de Cultura, onde há um
pequeno museu histórico.
A antiga casa do barão de Jeremoabo
está em ruínas, completamente abandonada ao seu destino. Segundo um funcionário
público local, há planos para restaurá-la. Esperemos que isso se concretize,
para o bem da história do Brasil.
Próxima
parada: Ilhéus
Ficamos por aqui. Na próxima
postagem, falaremos de Ilhéus, na Bahia, terra do cacau, onde visitaremos os
lugares que marcaram a obra de Jorge Amado. Até breve!
|
Na estrada |
Parque Estadual de Canudos
|
Área da antiga Canudos que foi inundada pela represa |
|
Local das antigas trincheiras |
|
José Américo: poeta e guia |
|
Ao lado de Wagner, no local do novo cruzeiro |
|
Canudos no final do século 19, antes de ser destruída pelo Exército Brasileiro |
|
Vale onde milhares de conselheiristas foram assassinados |
|
Ossada encontrada na região |
|
Exposição de fotografias ao ar livre. Em primeiro plano, foto de Pierre Verger |
|
José Américo aprecia a imagem de Pierre Verger |
|
Fotografia da Guerra de Canudos, mostrando o hospital do Exército |
|
Wagner próximo a um dos monumentos do parque |
Universidade da Bahia e Museu de Canudos
|
Foto do século 19 |
|
Utensílios encontrados em Canudos antes da construção da represa |
|
Máscara de Antônio Conselheiro, feita para o filme estrelado por José Wilker |
|
Mapa da primeira Canudos |
|
Foto de Antonio Conselheiro morto |
Jardim Euclidiano
|
Planta favela, que deu nome aos aglomerados construídos nos morros do Rio de Janeiro |
|
José Américo e estátua estilizada de Antônio Conselheiro |
Barragem de Cocorobó
Mirante
|
Vista da Canudos atual, a terceira cidade desde o século 19 |
|
Wagner e eu, com a barragem ao fundo |
|
Estátua do Conselheiro |
|
Serra das Araras |
Jeremoabo
|
Praça da Matriz |
|
Igreja Matriz |
|
Casario da área central |
|
Casa de Cultura e museu local |
|
Detalhe da fachada |
|
Objetos expostos no museu |
|
Antigos moradores de Jeremoabo |
|
Antigo Mercado, que foi destruído |
|
A mais antiga casa da cidade |
|
Capela e Casa do Barão de Jeremoabo, coiteiro de Lampião |
|
Vista da cidade |