terça-feira, 14 de maio de 2013

Lalibela, a cidade de pedra

Na igreja de São Jorge, em Lalibela



Se o sábado é o dia dedicado ao comércio e às festas na Etiópia, o domingo é reservado às orações. Uma vez por mês, os cristãos ortodoxos, maioria religiosa do país, celebram a Ressurreição de Cristo, com rituais e cerimônias. O dia 12 de maio de 2013 foi um desses domingos. Durante toda noite, ouviam-se sons e cantos dos monastérios e, no caso dos muçulmanos, nas mesquitas.
Nesse dia, o programa inclui a visita a Lalibela, uma das mais famosas atrações turísticas da Etiópia, por causa de suas igrejas esculpidas na pedra. Por ser uma cidade religiosa, observamos (Wagner, meu companheiro de viagem, e eu) o povo com seus véus impecavelmente brancos em todos os lugares. Em várias situações, vimos pequenos andores e procissões, que demonstram o fervor da população.
No caminho entre o aeroporto e a cidade de Lalibela, notamos que a região é montanhosa e árida. Ainda é outono e a estação das chuvas acontece entre julho e setembro. Mas a terra já foi arada e preparada para as plantações. Etiópia é um país agrário. Por volta de 80% da população vive no campo. O principal produto de exportação é o café, mas a planta para a produção da injera, uma espécie de pão, um prato largamente consumido pelos etíopes, é outra prioridade.
O clima é maravilhoso, como, aliás, em todo o país, e lembra muito a temperatura brasileira nessa época do ano, embora seja primavera. Dias ensolarados ou levemente nublados, entre 17 e 24 graus. A secura incomoda um pouco, mas de vez em quando cai uma garoinha para aliviar a barra.
Lalibela é conhecida como a Petra etíope, em comparação ao famoso monumento jordaniano esculpido na rocha. Ou mesmo de “a nova Jerusalém”. No caso de Petra, embora eu não a conheça, percebo algumas similaridades por causa de imagens divulgadas no cinema e até mesmo em uma novela brasileira, exibida há alguns anos. O título de “a nova Jerusalém” se dá pelo sonho ambicioso de se criar uma cidade sagrada imune à ação do tempo e à destruição causada pelos conflitos e guerras.
O empreendimento, realizado a partir do século 13, é audacioso e comprova o extremo desenvolvimento da engenharia do país. Alguns textos relatam que foram necessários 40 mil escravos para dar forma aos planos dos arquitetos etíopes da Idade Média. A precisão das esculturas - são 15 igrejas no sítio histórico - é de embasbacar, principalmente se considerarmos que tudo foi escavado na rocha dura.
Em alguns templos, existem arabescos decorativos, pinturas e esculturas em pedra e tintas de uma beleza indescritível, revelando o imenso talento dos artistas da época. A grande atração, no entanto, é a igreja de São Jorge que, além de esculpida em vários andares, ainda traz o formato de uma cruz. É preciso descer um caminho de aproximadamente 200 metros para se alcançar a entrada principal.
As igrejas têm várias colorações, embora o tom rosado prevaleça na maioria. Mas os musgos, com matizes que vão do verde ao amarelo, criam uma pintura natural em todo o patrimônio. Numa das igrejas, existe o túmulo de Adão. Acredita-se que o casal do Gênesis tenha vivido na região depois de expulsos do paraíso.
Todo o complexo é tombado pela Unesco, mas administrado pelos monges da igreja ortodoxa cristã. Por isso, em cada templo, há um guardião, que fica paramentado com trajes rituais. A pedido do nosso guia, eles exibiram as cruzes que simbolizam cada igreja. São belíssimos objetos de ouro ou prata, que identificam os templos. Réplicas dessas cruzes podem ser adquiridas nas lojinhas de artesanato locais, como suvenir.
Vimos, em Lalibela, turistas de várias partes do mundo, principalmente da Europa (italianos, franceses, alemães e espanhóis) e um grupo de documentaristas norte americanos, que estava gravando um vídeo sobre o país. Isso prova que a Etiópia está em franco desenvolvimento na área. De acordo com a chefe da agência de turismo Travel Ethiopia, Samrawit Moges, que nos atendeu no país, em cinco anos a realidade do turismo será completamente diferente. Para nós, brasileiros, já é possível pegar um voo direto para o país, a partir de junho de 2013, com saídas do Rio e São Paulo.
Ao deixarmos Lalibela para voltarmos para Addis Ababa e, assim, finalizarmos o tour pela Etiópia, ainda vimos outra manifestação popular que nos chamou a atenção. Tratava-se de um aglomerado de pessoas vestidas de branco ou cores claras. Perguntamos se era um ritual religioso e nosso guia diz se tratar de um velório. Uma multidão estava apinhada na montanha rochosa, chorando por seu ente querido, que era transportado em uma maca, como deveria ser na época de Cristo.

Lenços brancos anunciam o domingo de orações




Imperador Teodoro

Crianças e a paisagem de Lalibela: montanhas e vale

Wagner na cidade de pedra

Monge mostra uma das cruzes de Lalibela

Em Lalibela

Monge guardião de uma das igrejas

O monge paramentado, com outra cruz de Lalibela

Interior da igreja toda escavada e esculpida na rocha

Pintura no interior da igreja

Pintura do rosto de São Jorge (detalhe)

Menina etíope

Menina etíope

Wagner fotografa interior da igreja

Ao lado de uma das esculturas de pedra

No túmulo de Adão e Eva

Construção típica da região

Montanhas de Lalibela

Igreja

Na entrada de uma das igrejas de Lalibela

Interior do templo

Pássaro da região

Garoto etíope

Wagner recebe a bênção do monge

Igreja de Lalibela, a "Petra" da Etiópia

Na fachada lateral de uma das igrejas esculpidas na rocha

Monge com o guarda chuva cerimonial

Tambores utilizados nos rituais

Wagner e a igreja de São Jorge (detalhe): musgos amarelos na pedra rósea

Jovem faz suas orações

Wagner e a fachada da igreja de São Jorge, em Lalibela

Garotas etíopes

Artesanato local reproduz as cruzes de Lalibela

Gondar, a cidade dos castelos

Os castelos de Gondar



É no interior de um país que o povo se revela nas formas originais de seus costumes e hábitos culturais. Pegamos a estrada para Gondar, em uma van, na companhia de nosso guia Asafa e do motorista. Era sábado, dia do mercado, a mais genuína manifestação social dos etíopes. Nas estradas, um trânsito intenso de pessoas, algumas em bandos, outras em grupos familiares, carregando toda a sorte de produtos, como animais, peles, mantimentos, frutas e outras mercadorias.
Parecia uma cena do Êxodo. Multidões às margens da rodovia, com suas vestimentas características, sendo que os homens portavam um cajado, que serve para pastorear os animais e, em outras ocasiões, para se defenderem dos perigos e dos adversários. Em alguns momentos, vêem-se homens e mulheres de vestes brancas participando de rituais que, de acordo com nosso guia, podem ser velórios. Apesar do motivo triste, a cena é de grande beleza estética.
Ao longo de toda a rodovia nos deparamos com flagrantes de rara emoção, como os das mulheres carregando seus bebês nas costas, sorrisos largos, cortes de cabelos exóticos, cânticos coletivos, manadas de carneiros e cabras, construções típicas das pequenas fazendas e muita cor e panos brancos. Caso não soubéssemos das extremas dificuldades porque passa este país julgaríamos que se trata de um dos mais altos índices de felicidade do mundo, considerando a quantidade de sorrisos por metro quadrado.
Talvez seja porque, também, a Etiópia vive uma fase de intenso desenvolvimento econômico, com índices de crescimento médios de 8% ao ano. Pode parecer pouco, considerando a situação de pobreza e de muitas barreiras para serem suplantadas, inclusive os serviços básicos de saúde, educação e saneamento básico, mas já é o suficiente para atrair os olhos vorazes dos empreiteiros chineses e brasileiros, que querem cortar este país de estradas asfaltadas e construir grandes hidrelétricas.
Chegamos a Gondar, atraídos pelos castelos tombados pela Unesco. Eles foram construídos entre 1600 e 1750, num período extremamente próspero do país. A fase áurea foi capitaneada pelo imperado Teodoro, homenageado em várias estátuas espalhadas pelas praças. A cidade foi a capital e o principal centro administrativo do país por centenas de anos.
A Etiópia é o único país da África que não passou por nenhuma colonização europeia. Por isso, talvez, tenha conservado tantas características originais, mas foi invadida em épocas diversas por vários povos, entre eles, os portugueses e os italianos. De Portugal, observamos algumas influências arquitetônicas nos prédios do sítio histórico de Gondar. A história com os italianos é mais recente, do período anterior à Segunda Guerra Mundial. Instalado nos castelos de Gondar, o exército italiano foi bombardeado e vencido pelos ingleses. O triste legado para os etíopes, que não tinham nada a ver com o conflito, foi a destruição de alguns desses elegantes edifícios. Felizmente restaram vários deles para atestar o passado glorioso do país.
Há tantos nomes na árvore genealógica dos soberanos de Gondar, que precisaríamos criar um índice onomástico para melhor identificação daqueles não tão ambientados com essa fase da história do mundo. Para se ter uma ideia, eles remontam à rainha de Sabá e vão até o líder Ras Tafari, no século 20.
A beleza do sítio histórico ganhou uma contribuição excepcional, pelo menos para nós, os visitantes. Por volta das quatro da tarde, o espaço foi literalmente invadido por quatro casamentos. Como disse anteriormente, era sábado. Os noivos, seus familiares, padrinhos e convidados rumam a este local para fazerem as fotos do álbum. E nada mais grandioso do que este cenário de contos de fada.
Junto aos grupos, vários músicos que tocavam a masenqa, um instrumento típico, que visualmente parece uma mistura de rabeca com percussão. O som da única corda, pressionada pelos dedos do músico e pelo arco, produz um som que mexe com os corpos dos etíopes, com ênfase nos ombros, que ganham movimentos arrebatados e extremamente sensuais. Eu até me arrisquei na masenqa, enquanto o Wagner tomava lições de dança com uma das convidadas dos casamentos. Mais tarde, o nosso hotel foi o palco de uma das recepções. E dá-lhe mais danças, só que comandadas por um DJ, que misturava música tradicional com sons eletrônicos. O noivo se revelou um expert no ritmo, dando um show à parte.
Claro que o Wagner também se rendeu, entrando no corpo de baile puxado por um grupo de convidados. Não se trata propriamente de uma dança e, sim, o iscesta (fala-se isquistá),  um ritmo contagiante muito popular na Etiópia.
Dos castelos de Gondar, fomos visitar uma impressionante igreja ortodoxa. Internamente, como em Bahir Dar, o templo era coberto de pinturas maravilhosas. O destaque principal é o teto, único do mundo, com centenas de faces de anjos com olhos arregalados. Segundo a iconografia, representam a proteção dos céus para os homens que frequentam aquele local e são tementes a Deus.
Por fim, Gondar nos reservou mais uma atração, um charmoso castelo do século 18, construído sobre um poço que se transforma em uma enorme piscina. Atualmente desativada, por causa dos problemas de abastecimento enfrentados pelo país, a piscina recebe água em ocasiões especiais, como rituais religiosos. Uma vez preenchida, é disponibilizada à população local, que transforma a oportunidade em uma grande diversão. Eu apelidei o monumento de Castelo da Livinha, em homenagem à minha amiguinha de quatro anos, que vive em Belo Horizonte, e adora estórias de princesa.
É bom - e ao mesmo tempo reconfortante - lembrar que Gondar, além de uma importante cidade histórica, é um dos principais centros universitários da Etiópia, possuindo a maior a faculdade de medicina do país.

Até mais!

Dia do mercado

Homens mercando

Dia do mercado

Mercado

Crianças etíopes

Véus brancos das mulheres etíopes

Wagner mostra fotografia para crianças etíopes

Criança etíope

Velório

Montanha na estrada para Gondar

Criança etíope

Mercado de Gondar

No castelo de Gondar

Sítio histórico de Gondar

Wagner e o guia Asafa, no salão de concertos do castelo de Gondar

Flor que brota das pedras do castelo

Pássaro

Outro detalhe do castelo

Wagner arrisca-se no incesta

Casamento no cenário de contos de fadas

Festa total dos convidados dos casamentos

Eu arrisco tirar um som da masenqa

O pastor da igreja ortodoxa, que celebrou os casamentos

Jovem etíope realiza fotos no castelo

Estilo da garota etíope, convidada para um dos casamentos

Foto para o álbum

Eu e o guia Asafa

O teto da igreja ortodoxa: anjos nos observando e abençoando

Na frente do templo

O castelo da Livinha

Outra do castelo da Livinha



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