sexta-feira, 26 de abril de 2019

Na Trilha do Cangaço ou da Resistência 13 – Aimorés e o Instituto Terra



Com Jaqueliny, no Instituto Terra (foto de Wagner Cosse)

Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse
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No dia 22 de janeiro de 2019, chegamos a Aimorés, cidade mineira do Vale do Rio Doce, na divisa com o Espírito Santo. O município encontra-se a 440 km de Belo Horizonte, capital do Estado. Esta é a última etapa do circuito que denominamos de Trilha da Resistência ou do Cangaço.
Como relatei na primeira postagem, publicada em 3 de fevereiro deste ano neste blog, viajamos (eu e meu companheiro de viagem, Wagner Cosse), 5.650 km de carro, entre os dias 26 de dezembro de 2018 e 24 de janeiro de 2019. Começamos a viagem em Belo Horizonte, onde vivo, e, em seguida, passamos por Minas Novas, Vitória da Conquista, Cachoeira, Penedo, Esplanada, Marechal Deodoro, Maceió e praias do Norte de Alagoas, União dos Palmares, Palmeira dos Índios, Quebrangulo, Água Branca, Canindé de São Francisco, Piranhas, Paulo Afonso, Jeremoabo, Canudos, Ilhéus, São Mateus, Linhares, Regência, Aimorés, Ipanema, dentre outras cidades.
Nessa etapa final da viagem, iniciada em Linhares (ES), estamos percorrendo o curso do Rio Doce, terrivelmente afetado pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério de Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG). A entrada entre Linhares e Aimorés é belíssima, com paisagens deslumbrantes. Quase toda ela margeia o rio.
A visão do leito do rio, em Aimorés, não é das mais entusiasmantes. O assoreamento somado à construção de uma represa e aos rejeitos provocaram uma sensível mudança em seu curso e, onde havia um píer, hoje é um triste mirante. Vemos pedras, arbustos e um fino curso d´água a uma certa distância. Confesso que foi chocante para mim ver esta cena.
Aimorés, na minha ilusão, por ser uma cidade montanhosa, teria um clima agradável. Nada disso, a temperatura chegou a 40º nos dias em que estivemos lá. Calor, calor, calor. Ficamos hospedados no hotel que leva o nome da cidade, bem na pracinha onde fica a estação ferroviária e o Banco do Brasil. Embora tivesse seu auge nos anos passados, o hotel conserva um certo charme de um tempo nostálgico. O proprietário cuida dele com muito carinho, o que se revela nos detalhes.
A principal razão para visitarmos Aimorés, além do Rio Doce, é o Instituto Terra, uma magnífica iniciativa do casal Lélia e Sebastião Salgado, este um dos maiores fotógrafos do mundo. Ele situa-se na antiga fazenda de gado que pertencia à família de Sebastião Salgado, denominada Fazenda Bulcão, que era constituída por uma área total de 709,84 hectares. Durante décadas de mau uso do solo, o terreno foi degradado. Boa parte da arborização foi destruída e as nascentes sumiram.
O Instituto Terra surgiu do sonho de reflorestar toda a área da fazenda, com o plantio de árvores da Mata Atlântica. O resultado dos últimos 20 anos de trabalho é impressionante. A mata prosperou, as nascentes voltaram a brotar, os animais retornaram ao seu habitat original. E, além disso, o instituto desenvolveu um criatório de mais de 6 milhões de mudas, que abastece toda a região. A atuação envolve também outras frentes, como a recuperação das nascentes do Rio Doce, muitas delas degradadas pela poluição ou outros problemas.
Vários profissionais atuam no instituto, que conta com apoio de empresas parceiras. Graças à fama de Sebastião Salgado, o projeto chamou a atenção do mundo inteiro, recebendo vários prêmios internacionais e estimulando outras ações parecidas. Estimulou, inclusive, a filmagem do documentário “O sal da terra”, dirigido por Win Wenders. Além disso, eles contam com um contingente de estudantes e estagiários, que consolidam sua formação no local. Exemplo disso é a jovem Jaqueliny, formada no curso técnico de Agropecuária. No instituto ela cursou o pós-técnico  do Núcleo de Estudos em Restauração Ecossistêmica (NERE). Regularmente, a fazenda recebe milhares de estudantes e visitantes de diversas localidades.
Até o clima na Fazenda Bulcão é mais agradável. De três a cinco graus mais ameno do que no centro de Aimorés. O lugar é um paraíso ecológico, que deveria servir de exemplo para muitos proprietários de terra.
Sobre Aimorés, tenho pouco a dizer. O museu histórico estava fechado no dia que visitei a cidade. Dei algumas voltas na área central, para conhecer um pouco, mas confesso que o calor inibiu as iniciativas mais ousadas de caminhada.
Hora de arrumar as malas e seguir para casa. Atravessamos mais uma estrada encantadora, no circuito Aimorés-Ipanema-Manhuaçu (MG). Depois disso, pegamos um trecho da BR-262 até Rio Casca. Como a rodovia está em obras, com muitas retenções, resolvemos desviar pelo circuito Ponte Nova-Mariana-Ouro Preto-Itabirito-Belo Horizonte, na BR-356, denominada Rodovia dos Inconfidentes.
Após 30 dias e 12 hotéis diferentes, chegamos ao ponto de partida. Viajar de carro é, sem dúvida, uma das melhores experiências que podemos ter na vida em termos de turismo. Como o país é muito grande e diverso – e lindo – vivenciamos inúmeras emoções, relatadas com o sentimento de tê-las vivido da melhor maneira possível. Viva este Brasil tão poderoso e belo, tão rico em suas manifestações, com uma natureza exuberante que merece nosso carinho e cuidado. Que venham novas viagens para podermos compartilhar com você, nosso leitor e nosso cúmplice!


Estrada entre Linhares e Aimorés

  


Rio Doce

 Aimorés

Salão de refeições do Hotel

Imagem antiga do hotel



 Instituto Terra

Lélia e Sebastião Salgado (foto O Globo)


Entrada principal do instituto





Uma das nascentes recuperadas com o reflorestamento


Viveiro de mudas

Mudas de árvores da Mata Atlântica

Wagner e Jaqueliny no início da trilha

Trilha




Wagner no meio da mata reflorestada

O píer do Rio Doce, em Aimorés: tristeza e espanto

A ponte férrea sobre o Rio Manhuaçu e a Pedra da Lorena

Levando uma lembrança do Instituto Terra

É hora de despedir! Até a próxima viagem!


segunda-feira, 22 de abril de 2019

Na Trilha do Cangaço ou da Resistência 12 – Linhares e Regência

Wagner e eu na foz do Rio Doce, em Regência (ES): desastre ambiental

Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse
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No 26º dia de viagem chegamos ao Espírito Santo. Começamos a rota no dia 26 de dezembro de 2018, a partir de Belo Horizonte (MG). Já andamos quase 5.000 quilômetros (de um total de 5.650), por Minas Gerais, Bahia, Alagoas e Sergipe. Estamos voltando para casa.
O ponto de repouso seria em Linhares, mas antes passamos (eu e meu companheiro de viagem, Wagner Cosse), na interessantíssima São Mateus, famosa pela praia de Guriri. A intenção não era conhecer a praia, mas o centro histórico, que fica às margens do rio que deu nome à cidade.
Chegamos ao local já à noite, por isso, a visão foi ainda mais espetacular, graças à iluminação. Há uma curiosidade em relação a esta parte de São Mateus. Sua preservação deu-se, segundo um monumento erigido na principal praça da área histórica, às prostitutas que trabalhavam e viviam no local. Elas garantiram, por meio de reinvindicações, que o casario não fosse destruído.
São Mateus fica a 215 km de Vitória, capital do Estado. E é um dos municípios mais antigos do Brasil, fundado em 1544. Por lá passaram, dentre outros, o padre Anchieta. Com cerca de 150 mil habitantes, é considerada a Capital Cultural do Espírito Santo.
Depois da breve parada em São Mateus, rumamos a Linhares, 108 quilômetros dali pela BR-101. O hotel, da rede Best Western, foi o mais confortável de nossa viagem.
Linhares fica às margens do Rio Doce, a principal razão para ficarmos na cidade. Depois do desastre de Mariana, quando a barragem da Vale/Samarco despejou milhões de toneladas de barro e metais no rio, seu curso de 600 quilômetros foi dado como morto. É a maior tragédia ambiental já ocorrida no mundo. Embora sua aparência esteja preservada, a lama ainda está acumulada no fundo de seu leito e, desde então, a maioria dos peixes morreu e milhares de pessoas ficaram sem trabalho e perspectivas.
Na cidade, vivem mais de 170 mil pessoas. Seus principais atrativos turísticos são as belas lagoas e a praça central, muito bem cuidada. A área praieira foi totalmente contaminada pelos detritos lançados no Rio Doce.
O distrito de Regência é onde está a foz do rio. Talvez seja uma das comunidades mais afetadas pelo desastre ambiental. Ponto de pescadores, o local também era visitado por muitos turistas. Atualmente, boa parte das pousadas fechou e os pescadores foram impedidos de pescar, por causa da alta toxidade da água. Moradores locais (a população não chega a mil habitantes) nos disseram que eles estão tentando mudar a economia, por meio da agricultura. No entanto, todas as vezes que o rio alaga as plantações, os detritos apodrecem a terra e não nasce nem mato.
Na localidade, conhecemos o museu, o píer e a unidade do projeto Tamar. Fomos ainda ao farol e à praia principal, onde talvez esteja a parte mais triste de todo o episódio. Toda a área está vazia, sem nenhum turista. Os três salva-vidas passam o dia inteiro sem trabalho, pois não o local não recebe visitantes desde o rompimento da barragem. E a água do mar tem a cor alaranjada. Os banhistas preferem ir a outras praias menos contaminadas ou às lagoas. O comércio praticamente fechou. Há poucos restaurantes funcionando. Ou seja, o mundo ruiu para aquela comunidade. O clima é de desolação.
Enquanto almoçávamos, vimos uma reportagem na TV local sobre um grupo de pescadores que fazia vigília na porta da empresa mineradora, querendo ser recebidos. As indenizações são falhas e muita gente perdeu tudo, sem reposição. Na matéria, embora as pessoas fizessem um piquete na porta da empresa, nenhum representante veio recepcioná-los, o que gerou muita revolta.
Visitamos Regência numa segunda-feira. Na sexta-feira, quando já estávamos de volta a Belo Horizonte, houve o rompimento da Barragem de Brumadinho (MG), que matou centenas de pessoas e arruinou a economia da região, além de poluir gravemente o Rio Paraopeba. Ou seja, nem mesmo a catástrofe do Rio Doce foi suficiente para que o Brasil reveja suas leis ambientais e puna com mais rigor as mineradoras que só visam o lucro e tratam o ser humano como os detritos que elas jogam nos rios.
Apesar da tristeza, conhecemos alguns fatos marcantes da história de Regência. A mais famosa é a do Caboclo Bernardo. Seu nome de batismo era Bernardo Brumatti José dos Santos. Negro, ele nasceu na Vila de Regência, em 1859, e morreu em Barra do Rio Doce, em 1914. Trabalhou toda sua vida como pescador. Em 1887, graças à sua destreza como nadador, salvou 128 marinheiros do Cruzador Imperial Marinheiro, da Marinha Imperial do Brasil, que naufragou na região. Por isso, foi condecorado pela princesa Isabel e tratado como herói nacional. Sua biografia pode ser encontrada com mais detalhes no Google.
Resolvemos voltar para BH margeando o Rio Doce. Passamos por Colatina e Baixo Gandu até atravessarmos a fronteira de Minas Gerais, quando chegamos ao próximo destino dessa viagem, Aimorés, cidade natal do fotógrafo Sebastião Salgado. Mas isso é assunto para a próxima postagem.

BR-101 e São Mateus




Praça de São Mateus

Casario do centro histórico

Região portuária do Rio São Mateus

Placa em homenagem às prostitutas

Chafariz

Casario

Iluminação noturna valoriza os prédios

O carro que nos leva nesta aventura pelo Brasil

 Linhares


Praça central






Rio Doce




Uma das lagoas preferidas dos moradores e visitantes de Linhares

 Regência

Praça central

Caboclo Bernardo, herói nacional nascido em Regência

Ruas abandonadas

Alerta de uma pousada

Comerciantes locais não foram indenizados pelas mineradoras

Projeto Tamar


Entrada principal

Jardim interno

Exposição de animais encontrados na região

Wagner e a jubarte

Aquário de peixes do Rio Doce


Pier do Rio Doce

Pier do Rio Doce

Desolação

Bancos abandonados no porto

Capela de Regência

Farol de Regência


Praia deserta
Mar tem tons barrentos

Turnê Atacama/Uyuni Parte IV: Salar de Uyuni

  No bosque das bandeiras, atração do Salar de Uyuni Veja as fotos no final do texto Clique nas fotos para ampliá-las      Chegamos à última...