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Em Trinidad, bela cidade histórica cubana |
Viajar para Cuba, para a maioria dos turistas, é conhecer Havana e o balneário de
Varadero, de que falaremos mais para frente. Mas eu conhecia um livro sobre
Cuba, dos anos 1990, que mostrava algumas lindas cidades do interior do país e
queria aproveitar a oportunidade para conhecê-las. Então, além da já citada
Santiago de Cuba, percorremos (eu, meu companheiro de viagem, Wagner Cosse, o
guia Ricardo e o motorista Fidel) a rodovia para, de carro, adentrarmos mais
profundamente na alma do país.
Do
roteiro, fizeram parte Bayamo, Camagüey, Sancti Spiritus, Trinidad e
Cienfuegos, no sentido do oriente para o ocidente, até desembocar em Varadero,
a 120 quilômetros de Havana. Fizemos o trajeto em quatro dias. O leitor achará
pouco, mas foi o melhor que conseguimos. Aliás, foi apenas um aperitivo, para
regressarmos futuramente em outras condições: talvez viajando de ônibus,
alugando carro, hospedando em casas particulares e comendo nos restaurantes
paladares, longe dos hotéis internacionais, muitas vezes sem o tempero local. E
prolongando a estadia em cada localidade. Friso que não podemos nos queixar das
condições de hospedagem, muito acima do que eu (pelo menos) imaginava encontrar
em um país com uma economia tão combalida.
Todas
as cidades fazem parte o circuito colonial cubano, ou seja, cidades que têm 500
anos ou quase, construídas logo que os espanhóis chegaram à ilha e que se
desenvolveram posteriormente graças, principalmente, à cana de açúcar. Em todas
elas, histórias de grandes batalhas, feitos heróicos de seus moradores, sejam
eles do passado remoto ou do mais recente.
Bayamo,
por exemplo, é a terra natal de Carlos Manoel Céspedes, advogado e fazendeiro,
que aboliu seus escravos em 1868, quando isso ainda era um tabu na América
Latina, e liderou as guerras contra a Espanha pela independência de Cuba, nos
idos do século 19. Sua antiga residência é um museu muito bem equipado nessa
cidade marcada por uma bela praça e bem restaurados imóveis históricos. Na
praça principal também se encontra um monumento em homenagem ao hino de Cuba, a
Bayamesa, criado na cidade. Bayamo é considerada uma cidade rebelde. Foi a
principal trincheira de resistência na luta pela independência, na época de
Céspedes. Seus moradores, notando que seriam derrotados pelo exército espanhol,
atearam foto na cidade, destruindo todos os prédios. Era preferível perder tudo
a que entregar seus bens à Espanha. Um ato que jamais foi esquecido e até hoje
é reverenciado no país. Porém, nesse episódio, foi-se boa parte da documentação
da época, provocando um hiato na história do município.
Depois
de almoçarmos em Bayamo, partimos para Camagüey, onde passaríamos a noite.
Chegamos à cidade no fim de tarde e logo nos encantamos pela arquitetura local.
O casario é belíssimo e com detalhes de grande requinte. Boa parte foi
restaurada e a outra conserva a elegância de um nobre passado. Do mirante de
nosso hotel, tínhamos uma vista bela do centro histórico, chamado de casco
histórico, que é tombada pelo Patrimônio Artístico e Cultural da Humanidade. Ruas
bastante irregulares, cheias de labirintos, têm um sentido histórico: era uma
forma de despistar os inúmeros invasores que tentaram pilhar a cidade ao longo
de sua história. Ali também é a terra dos tinajones, grandes potes de barro
usados no passado para coletar água e conservar alimentos. Hoje são atrações
turísticas. Conhecemos vários artistas locais, como a pintora e escultora
Martha Jiménez (http://www.martha-jimenez.es/), cuja obra tem um forte cunho feminista. Na Plaza del Carmen,
próximo ao seu ateliê, foram instaladas várias esculturas de bronze, de sua
autoria, com personagens populares de Camagüey, como as quatro divertidas
costureiras, que fincavam suas cadeirinhas no local, cosendo e conversando
alegremente.
Na
cidade, fizemos um passeio de bici-taxi, com um condutor local. Como Camagüey é
uma cidade plana, esse tipo de transporte é bem popular por lá. Infelizmente,
nosso bicitaxista não estava muito em forma, ou não esperava carregar a mim e
ao Wagner, e quase punha os bofes para fora quando havia uma leve elevação na
pista. Por vezes, nos oferecíamos para descer, mas ele não arredava o pé de
cumprir sua missão, mesmo que para isso quase perdesse a respiração. No final,
é claro, queria cobrar o dobro do que havia combinado, gerando um certo
constrangimento de nossa parte, que não aceitamos e tivemos que resolver o
impasse com o auxílio do nosso guia, que o havia indicado. É bom lembrar que Camagüey
tem a segunda mais importante escola de balé de Cuba e aproveitamos para dar
uma passada no teatro onde os bailarinos se apresentam, apenas para sentir o
clima do local.
No
dia seguinte a viagem seguiu para Trinidad, uma das pérolas cubanas. No
trajeto, passamos por duas localidades. A primeira, Ciego de Ávila, fizemos uma
pequena parada para tomar uma Piña Colada, um refresco de abacaxi misturado com
rum e gelo. Como é possível dispensar o rum, sem fazer feito, preferimos apenas
o suco de abacaxi. As vendedoras da bebida, ao saber de nossa nacionalidade,
logo perguntaram sobre a vida cotidiana no Brasil, país que gera muita
curiosidade entre os cubanos. Em boa parte, devido ao sucesso das novelas
brasileiras no país. Aquelas imagens idílicas do Rio de Janeiro e de outras de nossas
mais importantes cidades, pelo crivo da Rede Globo, deixam os cubanos
apaixonados. Perguntaram-nos, também, do final de algumas novelas, mas eu não
soube responder. E, ainda, perguntaram o que estávamos fazendo em Cuba, na
mesma época que o Brasil promovia o Mundial de Futebol – ato absurdo para eles.
Tivemos que explicar várias vezes, mas acho que em nenhuma das ocasiões os
cubanos entenderam muito bem a resposta. Uma pequena lagarta colorida, que muda
de cor como um camaleão, também despertou a minha curiosidade. O mais mimoso,
digamos assim, foi à visita ao banheiro. As meninas o decoraram com flores,
dando um aspecto bem peculiar e demonstrando um capricho que chamou nossa
atenção, gerando um registro fotográfico. Povo impressionante!
Sancti
Spiritus é outra cidade histórica, ricamente decorada por casarões belíssimos.
A rua principal, fechada para pedestres, é de um charme impressionante. A praça
principal é uma das mais belas que vimos na viagem. Fundada em 1514, conserva
edifícios de seus 500 anos de história. Lá, conhecemos uma farmácia local, onde
compramos alguns medicamentos feitos em Cuba e que, devido ao embargo, não
conseguem chegar aos outros países. Dentre as opções, que são muitas, há
remédios para colesterol, reumatismo, problemas renais e até para disfunção
erétil. O guia nos sugeriu um remédio eficiente para dores musculares, dentre
as inúmeras opções. Os preços são bem razoáveis.
Atravessamos
uma linda ponte, na saída de Sancti Spiritus para locomovermos para Trinidad a
menos de 100 quilômetros dali. Como chegarmos ao fim de tarde, fomos
diretamente para o nosso hotel. E, para surpresa, ele tinha uma estrutura impecável
e ficava numa praia paradisíaca. Mesmo com alguns leves pingos de chuva, que
caiam no crepúsculo, mergulhamos naquele marzão verde de água morna. Em
segundos, todo o cansaço da viagem e do calor abrasador do verão se foram,
amolecendo os músculos. Lembramos que poucas vezes (ou talvez nenhuma)
estivemos mergulhados no mar com a chuva caindo levemente sobre os nossos
corpos. Coisa de mineiro, pensei, que entra na água mesmo com temporal.
O
dia seguinte amanheceu com um sol de rachar e partimos para o centro histórico
de Trinidad, a poucos quilômetros do hotel. Trinidad, como comentei anteriormente,
foi, das cidades coloniais cubanas, a que teve maior brilho na época da
produção canavieira. Como no período do café, no Brasil, lá havia os barões do
açúcar, famílias extremamente ricas e sofisticadas, que construíram grandes
impérios. O Vale dos Engenhos se transformou num ponto de visitação turística,
pois a produção açucareira decaiu de maneira vertiginosa, sendo atualmente uma
pálida lembrança do faustoso passado. Restaram os prédios, as igrejas, as ruas
e mansões, várias delas museus dedicados à arquitetura e ao cotidiano daqueles
milionários. Louças francesas, bibelôs italianos, salões requintadíssimos
recompõem um pouco do que um dia foi um império. Lembrei-me muito da mineira
Tiradentes quando estive caminhando por aquelas ruazinhas cobertas de pedras.
Mas, diferentemente da cidade de Minas Gerais, Trinidad tem uma arquitetura
própria de Cuba, com janelas cobertas de grades, arcos acima das portas para
facilitar a ventilação, cores fortes nas casas (inclusive o amarelo “trinidad”,
presente na maioria dos edifícios mais importantes) e motivos ornamentais em
ferro torcido. Esmiucei algumas casas que tinham portas e janelas abertas e
flagrei que o requinte sobreviveu mesmo após os anos de esquecimento pelos
quais aquele pedaço de terra viveu, facilitando inclusive seu perfeito estado
de preservação atual. Trinidad é uma das cidades mais visitadas de Cuba e,
mesmo fora da alta temporada (que acontece em janeiro e fevereiro) está cheia
de turistas estrangeiros.
Uma
caminhada por alguns quarteirões são suficientes para adentrar num mundo de
restaurantes, cafés, lojinhas e casas de música. Houve-se um batuque aqui, um
canto acolá. Uma parada especial – e inevitável – acontece perto da torre da
igreja de São Francisco, símbolo da cidade, onde é oferecida a canchánchara, um
coquetel que mistura rum, lima, água e mel, ou seja, quase uma caipirinha. Ela
vem servida em um pote de barro, muito característico do local, e cai bem,
mesmo para quem não está acostumado a bebidas alcoólicas, como eu. Seu sabor é
aguçado pela música produzida por um grupo local, que convoca os visitantes
para a rumba, a salsa e outros ritmos cubanos.
Voltamos
ao nosso paradisíaco hotel, com direito a piscinas monumentais e até uma
hidromassagem com temperatura de 37 graus, além daquele mar ali atrás, com a
praia adornada de belíssimas palmeiras. Serviço tipo tudo incluído, que basta
fazer um gesto para ter uma pessoa do lado oferecendo água, mojitos, cervejas,
petiscos, café etc e tal. Vida de magnata. Em Cuba.
Saímos
do paraíso rumo a Cienfuegos, uma cidade mágica. De cara, passamos pelo Paseo
del Prado, um grande calçadão arborizado que fica no centro de uma grande
avenida. Nesta, dezenas de casarões com grandes varandas sustentadas por
colunas de inspiração greco-romana. As varandas foram uma saída para fugir do
sol. As colunas deram um ar de nobreza ao local, que passou a ser conhecida
como Cidade das Colunas ou a Pérola do Sul. Terra natal do grande cantor e
compositor Benny Moré, a cidade dedicou a ele uma estátua, localizada nessa
região.
Depois de
movimentadas ruas centrais, quase todas exclusivas para pedestres, chegamos a
uma praça, conhecida como Parque Marti. Em Cuba, quase todas as praças
principais levam o nome do grande herói cubano. Além dos bem cuidados jardins,
o local é cercado por prédios monumentais, como o Teatro Tomás Terry, o Palácio
Ferrer, a Catedral, a Assembleia (Capitólio) e o Colégio de San Lorenzo. Havia
uma efervescência na cidade, por causa da realização de um festival de música e
dança. Em vários locais, grupos exibiam seus trabalhos para uma plateia de
curiosos. O remate de Cienfuegos foi a visita à região praieira, onde estão o
Malecón e dezenas de antigas mansões dos tempos pré-revolucionários. A mais
sofisticada é, sem dúvida, o maravilhoso Palácio Del Valle, refúgio do ex-ditador
Batista nos anos 1950, que agora se transformou em um restaurante famoso.
Aberto à visitação, o local tem uma rebuscada decoração inspirada no Alhambra,
de Granada (Espanha), e em outros edifícios de arquitetura mourisca. Um
deslumbramento!