quarta-feira, 16 de julho de 2014

Um circuito pelas cidades coloniais cubanas, patrimônio histórico da humanidade

 
Em Trinidad, bela cidade histórica cubana

           Viajar para Cuba, para a maioria dos turistas, é conhecer Havana e o balneário de Varadero, de que falaremos mais para frente. Mas eu conhecia um livro sobre Cuba, dos anos 1990, que mostrava algumas lindas cidades do interior do país e queria aproveitar a oportunidade para conhecê-las. Então, além da já citada Santiago de Cuba, percorremos (eu, meu companheiro de viagem, Wagner Cosse, o guia Ricardo e o motorista Fidel) a rodovia para, de carro, adentrarmos mais profundamente na alma do país.
            Do roteiro, fizeram parte Bayamo, Camagüey, Sancti Spiritus, Trinidad e Cienfuegos, no sentido do oriente para o ocidente, até desembocar em Varadero, a 120 quilômetros de Havana. Fizemos o trajeto em quatro dias. O leitor achará pouco, mas foi o melhor que conseguimos. Aliás, foi apenas um aperitivo, para regressarmos futuramente em outras condições: talvez viajando de ônibus, alugando carro, hospedando em casas particulares e comendo nos restaurantes paladares, longe dos hotéis internacionais, muitas vezes sem o tempero local. E prolongando a estadia em cada localidade. Friso que não podemos nos queixar das condições de hospedagem, muito acima do que eu (pelo menos) imaginava encontrar em um país com uma economia tão combalida.
            Todas as cidades fazem parte o circuito colonial cubano, ou seja, cidades que têm 500 anos ou quase, construídas logo que os espanhóis chegaram à ilha e que se desenvolveram posteriormente graças, principalmente, à cana de açúcar. Em todas elas, histórias de grandes batalhas, feitos heróicos de seus moradores, sejam eles do passado remoto ou do mais recente.
            Bayamo, por exemplo, é a terra natal de Carlos Manoel Céspedes, advogado e fazendeiro, que aboliu seus escravos em 1868, quando isso ainda era um tabu na América Latina, e liderou as guerras contra a Espanha pela independência de Cuba, nos idos do século 19. Sua antiga residência é um museu muito bem equipado nessa cidade marcada por uma bela praça e bem restaurados imóveis históricos. Na praça principal também se encontra um monumento em homenagem ao hino de Cuba, a Bayamesa, criado na cidade. Bayamo é considerada uma cidade rebelde. Foi a principal trincheira de resistência na luta pela independência, na época de Céspedes. Seus moradores, notando que seriam derrotados pelo exército espanhol, atearam foto na cidade, destruindo todos os prédios. Era preferível perder tudo a que entregar seus bens à Espanha. Um ato que jamais foi esquecido e até hoje é reverenciado no país. Porém, nesse episódio, foi-se boa parte da documentação da época, provocando um hiato na história do município.
            Depois de almoçarmos em Bayamo, partimos para Camagüey, onde passaríamos a noite. Chegamos à cidade no fim de tarde e logo nos encantamos pela arquitetura local. O casario é belíssimo e com detalhes de grande requinte. Boa parte foi restaurada e a outra conserva a elegância de um nobre passado. Do mirante de nosso hotel, tínhamos uma vista bela do centro histórico, chamado de casco histórico, que é tombada pelo Patrimônio Artístico e Cultural da Humanidade. Ruas bastante irregulares, cheias de labirintos, têm um sentido histórico: era uma forma de despistar os inúmeros invasores que tentaram pilhar a cidade ao longo de sua história. Ali também é a terra dos tinajones, grandes potes de barro usados no passado para coletar água e conservar alimentos. Hoje são atrações turísticas. Conhecemos vários artistas locais, como a pintora e escultora Martha Jiménez (http://www.martha-jimenez.es/), cuja obra tem um forte cunho feminista. Na Plaza del Carmen, próximo ao seu ateliê, foram instaladas várias esculturas de bronze, de sua autoria, com personagens populares de Camagüey, como as quatro divertidas costureiras, que fincavam suas cadeirinhas no local, cosendo e conversando alegremente.
            Na cidade, fizemos um passeio de bici-taxi, com um condutor local. Como Camagüey é uma cidade plana, esse tipo de transporte é bem popular por lá. Infelizmente, nosso bicitaxista não estava muito em forma, ou não esperava carregar a mim e ao Wagner, e quase punha os bofes para fora quando havia uma leve elevação na pista. Por vezes, nos oferecíamos para descer, mas ele não arredava o pé de cumprir sua missão, mesmo que para isso quase perdesse a respiração. No final, é claro, queria cobrar o dobro do que havia combinado, gerando um certo constrangimento de nossa parte, que não aceitamos e tivemos que resolver o impasse com o auxílio do nosso guia, que o havia indicado. É bom lembrar que Camagüey tem a segunda mais importante escola de balé de Cuba e aproveitamos para dar uma passada no teatro onde os bailarinos se apresentam, apenas para sentir o clima do local.
            No dia seguinte a viagem seguiu para Trinidad, uma das pérolas cubanas. No trajeto, passamos por duas localidades. A primeira, Ciego de Ávila, fizemos uma pequena parada para tomar uma Piña Colada, um refresco de abacaxi misturado com rum e gelo. Como é possível dispensar o rum, sem fazer feito, preferimos apenas o suco de abacaxi. As vendedoras da bebida, ao saber de nossa nacionalidade, logo perguntaram sobre a vida cotidiana no Brasil, país que gera muita curiosidade entre os cubanos. Em boa parte, devido ao sucesso das novelas brasileiras no país. Aquelas imagens idílicas do Rio de Janeiro e de outras de nossas mais importantes cidades, pelo crivo da Rede Globo, deixam os cubanos apaixonados. Perguntaram-nos, também, do final de algumas novelas, mas eu não soube responder. E, ainda, perguntaram o que estávamos fazendo em Cuba, na mesma época que o Brasil promovia o Mundial de Futebol – ato absurdo para eles. Tivemos que explicar várias vezes, mas acho que em nenhuma das ocasiões os cubanos entenderam muito bem a resposta. Uma pequena lagarta colorida, que muda de cor como um camaleão, também despertou a minha curiosidade. O mais mimoso, digamos assim, foi à visita ao banheiro. As meninas o decoraram com flores, dando um aspecto bem peculiar e demonstrando um capricho que chamou nossa atenção, gerando um registro fotográfico. Povo impressionante!
            Sancti Spiritus é outra cidade histórica, ricamente decorada por casarões belíssimos. A rua principal, fechada para pedestres, é de um charme impressionante. A praça principal é uma das mais belas que vimos na viagem. Fundada em 1514, conserva edifícios de seus 500 anos de história. Lá, conhecemos uma farmácia local, onde compramos alguns medicamentos feitos em Cuba e que, devido ao embargo, não conseguem chegar aos outros países. Dentre as opções, que são muitas, há remédios para colesterol, reumatismo, problemas renais e até para disfunção erétil. O guia nos sugeriu um remédio eficiente para dores musculares, dentre as inúmeras opções. Os preços são bem razoáveis.
            Atravessamos uma linda ponte, na saída de Sancti Spiritus para locomovermos para Trinidad a menos de 100 quilômetros dali. Como chegarmos ao fim de tarde, fomos diretamente para o nosso hotel. E, para surpresa, ele tinha uma estrutura impecável e ficava numa praia paradisíaca. Mesmo com alguns leves pingos de chuva, que caiam no crepúsculo, mergulhamos naquele marzão verde de água morna. Em segundos, todo o cansaço da viagem e do calor abrasador do verão se foram, amolecendo os músculos. Lembramos que poucas vezes (ou talvez nenhuma) estivemos mergulhados no mar com a chuva caindo levemente sobre os nossos corpos. Coisa de mineiro, pensei, que entra na água mesmo com temporal.
            O dia seguinte amanheceu com um sol de rachar e partimos para o centro histórico de Trinidad, a poucos quilômetros do hotel. Trinidad, como comentei anteriormente, foi, das cidades coloniais cubanas, a que teve maior brilho na época da produção canavieira. Como no período do café, no Brasil, lá havia os barões do açúcar, famílias extremamente ricas e sofisticadas, que construíram grandes impérios. O Vale dos Engenhos se transformou num ponto de visitação turística, pois a produção açucareira decaiu de maneira vertiginosa, sendo atualmente uma pálida lembrança do faustoso passado. Restaram os prédios, as igrejas, as ruas e mansões, várias delas museus dedicados à arquitetura e ao cotidiano daqueles milionários. Louças francesas, bibelôs italianos, salões requintadíssimos recompõem um pouco do que um dia foi um império. Lembrei-me muito da mineira Tiradentes quando estive caminhando por aquelas ruazinhas cobertas de pedras. Mas, diferentemente da cidade de Minas Gerais, Trinidad tem uma arquitetura própria de Cuba, com janelas cobertas de grades, arcos acima das portas para facilitar a ventilação, cores fortes nas casas (inclusive o amarelo “trinidad”, presente na maioria dos edifícios mais importantes) e motivos ornamentais em ferro torcido. Esmiucei algumas casas que tinham portas e janelas abertas e flagrei que o requinte sobreviveu mesmo após os anos de esquecimento pelos quais aquele pedaço de terra viveu, facilitando inclusive seu perfeito estado de preservação atual. Trinidad é uma das cidades mais visitadas de Cuba e, mesmo fora da alta temporada (que acontece em janeiro e fevereiro) está cheia de turistas estrangeiros.
            Uma caminhada por alguns quarteirões são suficientes para adentrar num mundo de restaurantes, cafés, lojinhas e casas de música. Houve-se um batuque aqui, um canto acolá. Uma parada especial – e inevitável – acontece perto da torre da igreja de São Francisco, símbolo da cidade, onde é oferecida a canchánchara, um coquetel que mistura rum, lima, água e mel, ou seja, quase uma caipirinha. Ela vem servida em um pote de barro, muito característico do local, e cai bem, mesmo para quem não está acostumado a bebidas alcoólicas, como eu. Seu sabor é aguçado pela música produzida por um grupo local, que convoca os visitantes para a rumba, a salsa e outros ritmos cubanos.
            Voltamos ao nosso paradisíaco hotel, com direito a piscinas monumentais e até uma hidromassagem com temperatura de 37 graus, além daquele mar ali atrás, com a praia adornada de belíssimas palmeiras. Serviço tipo tudo incluído, que basta fazer um gesto para ter uma pessoa do lado oferecendo água, mojitos, cervejas, petiscos, café etc e tal. Vida de magnata. Em Cuba.
            Saímos do paraíso rumo a Cienfuegos, uma cidade mágica. De cara, passamos pelo Paseo del Prado, um grande calçadão arborizado que fica no centro de uma grande avenida. Nesta, dezenas de casarões com grandes varandas sustentadas por colunas de inspiração greco-romana. As varandas foram uma saída para fugir do sol. As colunas deram um ar de nobreza ao local, que passou a ser conhecida como Cidade das Colunas ou a Pérola do Sul. Terra natal do grande cantor e compositor Benny Moré, a cidade dedicou a ele uma estátua, localizada nessa região.
Depois de movimentadas ruas centrais, quase todas exclusivas para pedestres, chegamos a uma praça, conhecida como Parque Marti. Em Cuba, quase todas as praças principais levam o nome do grande herói cubano. Além dos bem cuidados jardins, o local é cercado por prédios monumentais, como o Teatro Tomás Terry, o Palácio Ferrer, a Catedral, a Assembleia (Capitólio) e o Colégio de San Lorenzo. Havia uma efervescência na cidade, por causa da realização de um festival de música e dança. Em vários locais, grupos exibiam seus trabalhos para uma plateia de curiosos. O remate de Cienfuegos foi a visita à região praieira, onde estão o Malecón e dezenas de antigas mansões dos tempos pré-revolucionários. A mais sofisticada é, sem dúvida, o maravilhoso Palácio Del Valle, refúgio do ex-ditador Batista nos anos 1950, que agora se transformou em um restaurante famoso. Aberto à visitação, o local tem uma rebuscada decoração inspirada no Alhambra, de Granada (Espanha), e em outros edifícios de arquitetura mourisca. Um deslumbramento!

Próxima parada: Varadero.

Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse


Bayamo


Com o grupo musical Virama

Wagner com o retrato do compositor Pablo Milanez, natural de Bayamo

Casa de Céspedes

Praça principal da cidade

Prédio colonial restaurado



Camagüey


Rua principal

Tinajones

Igreja do centro histórico

Casa de Cultura


Rua do centro histórico

Igreja e convento de San Juan de Dios

Casario

Cãozinho local

Vendedor de frutas

Moradores locais

Outro cãozinho

Casarão em ruínas transformado em obra de arte por morador local. Na foto, Wagner Cosse

Feinho, mas divertido

Wagner posa ao lado dos Beatles e de morena de Camagüey

Vista noturna do mirante do hotel

Praça

Teatro Municipal

Na Plaza del Carmen, com as costureiras de Martha Giménez

Chafariz de Martha Giménez



Ciego de Ávila


Parada para tomar a piña colada

Lagarta camaleônica

Banheiro enfeitado


Sancti Spiritus



Farmácia

Loja de artesanato

Catedral

Rua de pedestres

Rua de pedestres

Praça principal

Praça principal

Museu histórico


Rua do centro histórico 

Veículo local

Ponte Yayabo


Trinidad


Praça principal

Detalhes da decoração de um casarão

Rua de pedra

Palácio Brunet, museu do mobiliário

Palácio Brunet

Palácio Brunet

Palácio Brunet

Palácio Brunet

Palácio Brunet

Palácio Brunet: móvel de costura

Palácio Brunet: leque

Palácio Brunet: pintura de parede

Palácio Brunet: depósito de água benta

Palácio Brunet: cozinha

Casario e torre de São Francisco

Centro histórico

Rua do centro histórico

Rua do centro histórico

Casarão colonial

Morador de Trinidad

Casario histórico

Casario local

Casa de La Trova

Arquitetura local

Rua do centro histórico

Muro

Crianças brincam com gatinho

Interior de uma residência local

Restaurante que vende móveis antigos

Experimentando a canchánchara


Cienfuegos


Cemitério local

Estátua de Benny Moré

Teatro Tomás Terry


Interior do teatro

Wagner e eu no interior do teatro

Forro do teatro

Cartaz da passagem de Sarah Bernhardt por Cienfuegos

Assembleia Municipal

Arquitetura na praça principal

Praça principal

Palácio Ferrer

Arco do Triunfo

Obra de artista local

Rua das colunas greco-romanas

Paseo del Prado

Manifestação musical e de dança em rua central


Rua para pedestres

Praça principal

Colégio de San Lorenzo

Palácio del Valle

Palácio del Valle (detalhe)

Palácio del Valle (fachada)

O guia Ricardo e eu brindando o sucesso da viagem

Mansão da região praieira

Outro palacete da região praieira de Cienfuegos

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Refletindo sobre a realidade política, econômica e cultural de Cuba

No santuário da Virgem do Cobre, oferecendo flores à padroeira de Cuba


Chegamos ao 23º dia de viagem, que começou no México no dia 11 de junho. Já passamos pela capital mexicana, adentramos o interior do país até Cancún, onde (eu e meu companheiro de viagem, Wagner Cosse) nos detivemos por cinco dias. Dali, pegamos um voo para Cuba, com escala na Cidade do Panamá. Já visitamos Havana e Santiago de Cuba, a capital e a maior cidade do interior do país revolucionário.
Nesses três dias em solo cubano, em companhia de nossos guias de viagem e nas conversas de pé de ouvido com o povo (além, é claro, das observações mais aguçadas do cotidiano das cidades), o país vai se revelando em detalhes. Os monumentos contam trajetórias de nomes heroicos que construíram a história do país, desde a chegada de Cristóvão Colombo por ali, em 1492. Foram anos de colonização espanhola, exploração, escravatura que se assemelham muito à história do Brasil. Dos canaviais foram plantadas verdadeiras fortunas, que deixaram vestígios por todos os lugares.
            A rodovia principal de Cuba, que liga o ocidente ao oriente, em mais de 1.000 quilômetros, foi construída nos anos 1920, num projeto pioneiro na América Latina. Do que, um dia, dominou 30% do mercado mundial de cana de açúcar, sobrou uma produção de pouco mais de 1,5 milhão de toneladas anuais. Mais do que a imperial mão forte da Espanha, que sufocou a liberdade do país, hoje domina a mão pesada do embargo econômico, que limita o raio de desenvolvimento. Há, também, o anacronismo de uma geração de revolucionários que já cruzam a fronteira dos 80 anos e que estão perplexos perante o crescimento mundial e as poucas alternativas que restaram para o socialismo/comunismo no mundo. A própria China, nação de maior potencial nessa área política, é uma indisfarçada economia capitalista.
            Mas, nas palavras dos cubanos, há uma resistência incólume. Eles apoiam e acreditam em seus líderes revolucionários e criticam duramente o que havia no país antes da tomada do poder por Fidel Castro, Che Guevara e sua turma. Cuba era uma latrina (nas palavras de muitos deles) de drogas, jogo e prostituição, dominada pela máfia internacional, com peso considerável do “Grande Irmão do Norte”, os EUA. A ditadura de Batista, o presidente deposto, consumia as energias de um povo mirrado pela pobreza e pela fome. Era necessário alterar a ordem e isso foi realizado pela turma revolucionária, em 1959.
            Da estrada de Santiago de Cuba, observamos a Serra Maestra, onde os revolucionários arquitetaram o plano da tomada do poder e das mudanças que sofreriam o país nos anos seguintes. “Sim, eu posso”, lema de Che, é visto em várias partes do país, em pontos estratégicos, como um mantra para renovar as esperanças combalidas por tantos anos de carência.
            Em 1961, Cuba livrava-se do analfabetismo, o que se tornou um orgulho para o país. Atualmente, dos cerca de 11,5 milhões de habitantes, existem 70 mil médicos, 60 universidades (todas gratuitas) e mais de 15 mil universitários estrangeiros fazendo especializações no país, em áreas diversas como administração, saúde, entre outras. O esporte ganhou largo investimento, tornando-se obrigatório nas escolas. As crianças mais talentosas recebem benefícios e melhores chances de se desenvolverem na vida. Além das escolas públicas de qualidade, a população também conta com investimentos na área cultural. Os livros dos principais autores têm preços subsidiados e os ingressos aos espetáculos têm preços acessíveis ao público em geral. A TV exibe na programação documentários e filmes sobre música, natureza e história do país.
            No entanto, a realidade mudou ao longo dos anos. Embargo, envelhecimento do regime, crises econômicas, queda do Muro de Berlim, fuga de parceiros e desastres naturais deixaram a população empobrecida. O salário mínimo é algo em torno de 12 dólares. Um bom salário em Cuba não passa de 40 dólares (1.000 pesos cubanos) – o que torna a remuneração do projeto brasileiro Mais Médicos uma fortuna para eles. O turismo foi uma saída para o crescimento do país e a entrada de dólares e euros. E, é preciso citar, o envio de moeda forte dos cubanos que vivem nos países estrangeiros como Estados Unidos, Espanha e outros. Foi criado, inclusive, um banco especialmente para receber esse dinheiro.
            Uma gorjeta de um turista, nem que seja de um dólar, se transforma em uma pequena fortuna para eles. Em contrapartida, foi criada uma caderneta de alimentos e outros produtos subsidiados pelo governo federal, grande sustentáculo e principal empregador do país. Na caderneta, são previstos os itens que a família pode retirar dos mercados públicos e a quantidade permitida. Arroz, feijão, café, artigos de higiene e até tabaco fazem parte da cesta básica, que é bem restrita. O que for necessário, além disso, tem de ser comprado nos mercados particulares. Uma refeição em um restaurante cubano pode custar dois ou três dias de trabalho. Uma viagem internacional é quase como uma passagem para a Lua. Papel higiênico e guardanapo é artigo de luxo, pouco visto em locais fora dos hotéis.
            Por isso, me espantou a alegria e a resistência desse povo sempre sorridente e musical. A dureza não concretou sua força e nem desgastou a sua vontade de fazer de Cuba uma grande nação. Há uma película, recentemente lançada no país, e que pode ser vista no You Tube, chamada “Juan de los Muertos”, que trata desse assunto de maneira bastante metafórica. Não vou contar o final para não estragar o filme, mas vale a pena ser visto para conhecer um pouco dos fantasmas que assombram a população.
            Nosso guia expôs todo esse assunto de maneira muito tranquila. Muitas vezes ouvi suas histórias pelo filtro da minha formação como Jornalista e do jeito mineiro de desconfiar de tudo até que se prove o contrário. Ele é funcionário público, como o motorista do nosso táxi. E trabalham na agência pública de turismo, Cubanacan, que assumem o discurso do governo. Até o táxi é do governo. Eles são tão vítimas quanto à maioria do povo cubano dessa situação crítica econômica, mas têm uma fé quase inacreditável no país. Em nenhum momento senti que eles queriam sair dali e viver uma vida diferente na Miami dos sonhos. Ou até no Brasil, que se tornou outro oásis para a maioria. Senti que querem viver ali com melhores condições, mas preservando os ideais revolucionários e não entregando o país de mão beijada para os mafiosos de antigamente.
            Encerro esse texto, mais filosófico do que turístico, para falar um pouco da religião. Notei que os guias não faziam questão e nos levar aos templos religiosos, a não ser que demonstrássemos interesse ou que o lugar tivesse uma atração especial. Assim foi em Havana e em Santiago. É preciso frisar que esta cidade é uma meca das religiões afro cubanas. Depois, descobri que o guia Ricardo não professa nenhuma religião e observa os templos como simples edifícios. Durante muitos anos a revolução baniu as religiões e coibiu os cultos. Recentemente, a situação afrouxou e, com a ida do Papa João Paulo II, em 1998, a população tem tido mais liberdade para se manifestar.
            Nesse contexto, por sua importância, fomos visitar o mais famoso santuário católico de Cuba, situado na parte oriental do país, a 20 quilômetros de Santiago. Trata-se da Igreja da Virgem do Cobre, localizada numa região que já foi um importante centro minerador. Ela é a padroeira do país. Mesmo com toda a carência vivida no país, a pequena imagem, encontrada por três escravos no mar, é ricamente coberta de ouro e pedras preciosas. Suas joias dariam para aliviar a situação de muitas famílias por um bom tempo. Nas dependências da igreja, ex-votos de esportistas, políticos, artistas e pessoas desconhecidas que receberam uma graça da Virgem. No acervo está até a medalha que o escritor Ernest Hemingway recebeu quando ganhou o Nobel de Literatura (que, infelizmente, não pudemos ver).
            O que eu achei mais bonito e significativo foi que, para homenagear a Nossa Senhora, as pessoas levam flores ao seu altar, que fica totalmente florido em dias de grande fluxo de fieis. Vendedores oferecem, nas estradas, braçadas de girassóis e outras flores com esse objetivo. Compramos e depositamos no altar, num gesto puro e simples, pedindo em oração que o mundo valorize um pouco mais esse povo tão lutador e tão persistente, que tem um ideal tão importante e tão sublime de fazer daquela nação um lugar melhor para se viver. E que nos dê, sempre, paz e alegria para usufruir e aprender tanta coisa com a diversidade que os mundo nos oferece.

            Amém!

Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse


Caderneta de alimentos e produtos da cesta básica

Itens da caderneta


Mercadinho público: excassez de produtos

Produtos subsidiados pelo governo cubano (preços em pesos cubanos)




Moeda de peso cubano com a imagem de Che Guevara


Santuário da Virgem do Cobre

Imagem coberta de ouro e joias

Ex-votos dos revolucionários de 1959


Ex-votos de esportistas
A Virgem do Cobre, na versão da artista cubana Martha Guiménez


domingo, 13 de julho de 2014

Santiago de Cuba, a cidade del fuego

Praça da Revolução, em Santiago de Cuba


O trecho entre Havana e Santiago de Cuba, segunda cidade do país, a 969 km de distância da capital, foi feito de avião. Resumo da ópera: um aeroporto chinfrim, voo atrasado (como, aliás, estamos acostumados no Brasil) e restrições quanto ao peso da bagagem – 40 quilos por pessoa, sendo, no máximo, 20 quilos em cada mala. Nossa bagagem – minha e do meu companheiro de viagem, Wagner Cosse – ultrapassou o limite e era preciso pagar, pelo excesso, o equivalente a 100 reais. Não é muito, pensando bem, mas para quem já estava com restrições financeiras foi uma facada. Para piorar a situação, o funcionário da companhia aérea nos propôs o pagamento de uma gorjeta (ou propina) para liberar o valor. Isso nos deixou muito indignados. E acabamos pagando o valor total, mesmo contrariados.
            Santiago de Cuba tem cerca de 520 mil habitantes. Além de ser a segunda cidade do país, é conhecida como um local de grande efervescência musical e artística. E pelo calor. É o município mais quente de Cuba. E dá-lhe quente nisso. A temperatura vai a quase 40 graus com tranquilidade. Além de ser quente, é abafada e úmida, diferentemente de cidades onde há uma brisa ou um vento amenizador.
            Sentimos o bafo logo que saímos do avião. No táxi ou no quarto de hotel, com o ar condicionado, a situação é diferente, mas na vida real a coisa é enlouquecedora. A cidade fervia (no sentido exato da palavra) por causa da Fiesta del Fuego, que acontece anualmente no princípio de julho. E emenda com o Carnaval, a partir da segunda quinzena. O festival é um encontro de culturas, com o foco na América Latina. Cada ano, um país é homenageado. Este ano, foi a vez do Suriname. Vimos apenas a movimentação dos turistas e dos visitantes, mas saímos da cidade antes de começar a festa. Sobre o Carnaval, soubemos que é animadíssimo (o melhor do país), com desfiles de carros alegóricos e fantasias, como acontece no Brasil.
            A cidade foi se revelando aos poucos e, com todo esse fogo, mostra toda sua fama musical e cultural. Em cada esquina e praça, um grupo musical. Lá, conhecemos a Casa de Trova, uma instituição no país, um lugar onde os músicos se apresentam e mostram toda potência de seus ritmos musicais. No caso de Santiago, o son, a salsa, o bolero e outros ritmos. Uma energia parecida com a do samba e dos ritmos afro-brasileiros. Vale lembrar que foi ali que o grande Compay Segundo, do Buena Vista Social Clube, fez sua carreira e foi enterrado.
            Conhecemos, ainda, o museu Casa de Diego Velásquez, tombado pelo patrimônio universal. Não se trata do famoso pintor espanhol. Esse Velásquez, também da Espanha, foi o colonizador de Cuba nos idos de 1500, quando construiu na cidade uma belíssima residência, que serviu de suporte para a conquista do território cubano. Janelas de treliça, forros de inspiração mourisca, madeiras nobres em toda a estrutura compõem a arquitetura do prédio, mobilizado magníficos móveis de diversas épocas da colonização.
            O museu fica principal praça da Santiago de Cuba, o Parque Céspedes. Ali estão a catedral, a prefeitura municipal e inúmeros prédios históricos, alguns deles hotéis de fama internacional, que receberam famosos de várias épocas. Ao lado da praça, fica uma rua comercial, que achei encantadora. Aberta somente para os pedestres, a via Enramada, é enfeitada por várias placas comerciais – que não havia visto em Havana – colocadas ali ainda nos tempos pré-revolucionários. Os edifícios neoclássicos que ladeiam toda a rua dão um ar aristocrático ao local, muito frequentado pela população. Há uma belíssima farmácia com mobiliário muito antigo, museus e outros monumentos. Chamou-nos a atenção um grupo musical composto de senhores mais idosos, que faziam um som diferenciado, tendo como instrumento principal um órgão mecânico fabricado no próprio país.
            Em Santiago se encontra um monumento de grande importância para a história recente de Cuba, o Quartel Moncada, onde houve a primeira tentativa, embora frustrada, de tomada de poder dos revolucionários liderados por Fidel Castro, em 1953. Ainda podem ser vistas, no local, as marcas de bala do confronto. O quartel abriga um bem equipado museu sobre o episódio, que deflagrou, posteriormente, na revolução de 1959.
            Outro monumento importante é o Castelo do Morro, um imponente forte construído em 1637, pelos espanhóis, para defender a cidade dos ataques de piratas. Declarado patrimônio da humanidade, o castelo proporciona uma vista maravilhosa da baía de Santiago, além de permitir uma viagem ao tempo dos corsários e das diversas lutas sangrentas travadas naquelas águas.
            De grande impacto é a escultura do General Maceo, na Praça da Revolução. Criada por um artista local, Alberto Lezcay, mistura rocha com grandes placas de ferro. Visitamos, também, o monumento dedicado a Che Guevara, com palavras de ordem dessa personalidade icônica.
            Conhecemos, na cidade, o nosso guia Ricardo e o motorista Fidel, com quem viajaríamos para o interior de Cuba, numa convivência de sete dias. Uma viagem exclusivíssima, feita somente para mim e para o Wagner. Faríamos o percurso de carro, num automóvel moderno, que faz parte da frota de táxis do governo federal. No país, estamos sendo atendidos pela Cubanacan, agência pública, que representa outras agências internacionais.

            Continuamos a trilha. E viva Cuba!

Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse

Mansão Bacardi, em bairro elegante da cidade

Quartel Moncada

Marcas de bala em Moncada

Catedral de Santiago: a torre sofreu abalos com o furacão Sandy

Parque Céspedes. Na varanda azul, foi realizado o primeiro discurso de Fidel, após vencer a revolução

Estudante cubana

Edifícios elegantes do centro da cidade

Casa de Diego Velásquez

Casa de Diego Velásquez

Forro da Casa de Diego Velásquez

Wagner (dir) recebe informações do bem preparado guia da Casa de Diego Velásquez

Belo exemplar do mobiliário da Casa de Diego Velásquez

Casa de Diego Velásquez

Com o Wagner, na Casa de Diego Velásquez

Casa de Diego Velásquez

Casa de Diego Velásquez

Via Enramada

Grupo musical no centro da cidade: órgão mecânico

Museu Bacardi, o mais antigo do país

Prefeitura de Santiago de Cuba

Loja de artesanato

Artesã

Ave local

Castelo do Morro

Baía de Santiago de Cuba

No hall de entrada do hotel em Santiago de Cuba

Monumento a Che Guevara

Residência do bairro Vista Alegre

Praça

Parque Céspedes à noite

Casa de Diego Velásquez à noite

Cartaz da Fiesta del Fuego

Grupo musical da Casa de Trova

Vista panorâmica da cidade à noite

Vista panorâmica da cidade à noite

Viagem ao Peru - Parte VIII - Machu Picchu

  Conhecendo o esplêndido sítio arqueológico de Machu Picchu (Foto de Wagner Cosse editada por Thelmo Lins) Clique nas fotos para ampliá-las...