quarta-feira, 16 de julho de 2014

Um circuito pelas cidades coloniais cubanas, patrimônio histórico da humanidade

 
Em Trinidad, bela cidade histórica cubana

           Viajar para Cuba, para a maioria dos turistas, é conhecer Havana e o balneário de Varadero, de que falaremos mais para frente. Mas eu conhecia um livro sobre Cuba, dos anos 1990, que mostrava algumas lindas cidades do interior do país e queria aproveitar a oportunidade para conhecê-las. Então, além da já citada Santiago de Cuba, percorremos (eu, meu companheiro de viagem, Wagner Cosse, o guia Ricardo e o motorista Fidel) a rodovia para, de carro, adentrarmos mais profundamente na alma do país.
            Do roteiro, fizeram parte Bayamo, Camagüey, Sancti Spiritus, Trinidad e Cienfuegos, no sentido do oriente para o ocidente, até desembocar em Varadero, a 120 quilômetros de Havana. Fizemos o trajeto em quatro dias. O leitor achará pouco, mas foi o melhor que conseguimos. Aliás, foi apenas um aperitivo, para regressarmos futuramente em outras condições: talvez viajando de ônibus, alugando carro, hospedando em casas particulares e comendo nos restaurantes paladares, longe dos hotéis internacionais, muitas vezes sem o tempero local. E prolongando a estadia em cada localidade. Friso que não podemos nos queixar das condições de hospedagem, muito acima do que eu (pelo menos) imaginava encontrar em um país com uma economia tão combalida.
            Todas as cidades fazem parte o circuito colonial cubano, ou seja, cidades que têm 500 anos ou quase, construídas logo que os espanhóis chegaram à ilha e que se desenvolveram posteriormente graças, principalmente, à cana de açúcar. Em todas elas, histórias de grandes batalhas, feitos heróicos de seus moradores, sejam eles do passado remoto ou do mais recente.
            Bayamo, por exemplo, é a terra natal de Carlos Manoel Céspedes, advogado e fazendeiro, que aboliu seus escravos em 1868, quando isso ainda era um tabu na América Latina, e liderou as guerras contra a Espanha pela independência de Cuba, nos idos do século 19. Sua antiga residência é um museu muito bem equipado nessa cidade marcada por uma bela praça e bem restaurados imóveis históricos. Na praça principal também se encontra um monumento em homenagem ao hino de Cuba, a Bayamesa, criado na cidade. Bayamo é considerada uma cidade rebelde. Foi a principal trincheira de resistência na luta pela independência, na época de Céspedes. Seus moradores, notando que seriam derrotados pelo exército espanhol, atearam foto na cidade, destruindo todos os prédios. Era preferível perder tudo a que entregar seus bens à Espanha. Um ato que jamais foi esquecido e até hoje é reverenciado no país. Porém, nesse episódio, foi-se boa parte da documentação da época, provocando um hiato na história do município.
            Depois de almoçarmos em Bayamo, partimos para Camagüey, onde passaríamos a noite. Chegamos à cidade no fim de tarde e logo nos encantamos pela arquitetura local. O casario é belíssimo e com detalhes de grande requinte. Boa parte foi restaurada e a outra conserva a elegância de um nobre passado. Do mirante de nosso hotel, tínhamos uma vista bela do centro histórico, chamado de casco histórico, que é tombada pelo Patrimônio Artístico e Cultural da Humanidade. Ruas bastante irregulares, cheias de labirintos, têm um sentido histórico: era uma forma de despistar os inúmeros invasores que tentaram pilhar a cidade ao longo de sua história. Ali também é a terra dos tinajones, grandes potes de barro usados no passado para coletar água e conservar alimentos. Hoje são atrações turísticas. Conhecemos vários artistas locais, como a pintora e escultora Martha Jiménez (http://www.martha-jimenez.es/), cuja obra tem um forte cunho feminista. Na Plaza del Carmen, próximo ao seu ateliê, foram instaladas várias esculturas de bronze, de sua autoria, com personagens populares de Camagüey, como as quatro divertidas costureiras, que fincavam suas cadeirinhas no local, cosendo e conversando alegremente.
            Na cidade, fizemos um passeio de bici-taxi, com um condutor local. Como Camagüey é uma cidade plana, esse tipo de transporte é bem popular por lá. Infelizmente, nosso bicitaxista não estava muito em forma, ou não esperava carregar a mim e ao Wagner, e quase punha os bofes para fora quando havia uma leve elevação na pista. Por vezes, nos oferecíamos para descer, mas ele não arredava o pé de cumprir sua missão, mesmo que para isso quase perdesse a respiração. No final, é claro, queria cobrar o dobro do que havia combinado, gerando um certo constrangimento de nossa parte, que não aceitamos e tivemos que resolver o impasse com o auxílio do nosso guia, que o havia indicado. É bom lembrar que Camagüey tem a segunda mais importante escola de balé de Cuba e aproveitamos para dar uma passada no teatro onde os bailarinos se apresentam, apenas para sentir o clima do local.
            No dia seguinte a viagem seguiu para Trinidad, uma das pérolas cubanas. No trajeto, passamos por duas localidades. A primeira, Ciego de Ávila, fizemos uma pequena parada para tomar uma Piña Colada, um refresco de abacaxi misturado com rum e gelo. Como é possível dispensar o rum, sem fazer feito, preferimos apenas o suco de abacaxi. As vendedoras da bebida, ao saber de nossa nacionalidade, logo perguntaram sobre a vida cotidiana no Brasil, país que gera muita curiosidade entre os cubanos. Em boa parte, devido ao sucesso das novelas brasileiras no país. Aquelas imagens idílicas do Rio de Janeiro e de outras de nossas mais importantes cidades, pelo crivo da Rede Globo, deixam os cubanos apaixonados. Perguntaram-nos, também, do final de algumas novelas, mas eu não soube responder. E, ainda, perguntaram o que estávamos fazendo em Cuba, na mesma época que o Brasil promovia o Mundial de Futebol – ato absurdo para eles. Tivemos que explicar várias vezes, mas acho que em nenhuma das ocasiões os cubanos entenderam muito bem a resposta. Uma pequena lagarta colorida, que muda de cor como um camaleão, também despertou a minha curiosidade. O mais mimoso, digamos assim, foi à visita ao banheiro. As meninas o decoraram com flores, dando um aspecto bem peculiar e demonstrando um capricho que chamou nossa atenção, gerando um registro fotográfico. Povo impressionante!
            Sancti Spiritus é outra cidade histórica, ricamente decorada por casarões belíssimos. A rua principal, fechada para pedestres, é de um charme impressionante. A praça principal é uma das mais belas que vimos na viagem. Fundada em 1514, conserva edifícios de seus 500 anos de história. Lá, conhecemos uma farmácia local, onde compramos alguns medicamentos feitos em Cuba e que, devido ao embargo, não conseguem chegar aos outros países. Dentre as opções, que são muitas, há remédios para colesterol, reumatismo, problemas renais e até para disfunção erétil. O guia nos sugeriu um remédio eficiente para dores musculares, dentre as inúmeras opções. Os preços são bem razoáveis.
            Atravessamos uma linda ponte, na saída de Sancti Spiritus para locomovermos para Trinidad a menos de 100 quilômetros dali. Como chegarmos ao fim de tarde, fomos diretamente para o nosso hotel. E, para surpresa, ele tinha uma estrutura impecável e ficava numa praia paradisíaca. Mesmo com alguns leves pingos de chuva, que caiam no crepúsculo, mergulhamos naquele marzão verde de água morna. Em segundos, todo o cansaço da viagem e do calor abrasador do verão se foram, amolecendo os músculos. Lembramos que poucas vezes (ou talvez nenhuma) estivemos mergulhados no mar com a chuva caindo levemente sobre os nossos corpos. Coisa de mineiro, pensei, que entra na água mesmo com temporal.
            O dia seguinte amanheceu com um sol de rachar e partimos para o centro histórico de Trinidad, a poucos quilômetros do hotel. Trinidad, como comentei anteriormente, foi, das cidades coloniais cubanas, a que teve maior brilho na época da produção canavieira. Como no período do café, no Brasil, lá havia os barões do açúcar, famílias extremamente ricas e sofisticadas, que construíram grandes impérios. O Vale dos Engenhos se transformou num ponto de visitação turística, pois a produção açucareira decaiu de maneira vertiginosa, sendo atualmente uma pálida lembrança do faustoso passado. Restaram os prédios, as igrejas, as ruas e mansões, várias delas museus dedicados à arquitetura e ao cotidiano daqueles milionários. Louças francesas, bibelôs italianos, salões requintadíssimos recompõem um pouco do que um dia foi um império. Lembrei-me muito da mineira Tiradentes quando estive caminhando por aquelas ruazinhas cobertas de pedras. Mas, diferentemente da cidade de Minas Gerais, Trinidad tem uma arquitetura própria de Cuba, com janelas cobertas de grades, arcos acima das portas para facilitar a ventilação, cores fortes nas casas (inclusive o amarelo “trinidad”, presente na maioria dos edifícios mais importantes) e motivos ornamentais em ferro torcido. Esmiucei algumas casas que tinham portas e janelas abertas e flagrei que o requinte sobreviveu mesmo após os anos de esquecimento pelos quais aquele pedaço de terra viveu, facilitando inclusive seu perfeito estado de preservação atual. Trinidad é uma das cidades mais visitadas de Cuba e, mesmo fora da alta temporada (que acontece em janeiro e fevereiro) está cheia de turistas estrangeiros.
            Uma caminhada por alguns quarteirões são suficientes para adentrar num mundo de restaurantes, cafés, lojinhas e casas de música. Houve-se um batuque aqui, um canto acolá. Uma parada especial – e inevitável – acontece perto da torre da igreja de São Francisco, símbolo da cidade, onde é oferecida a canchánchara, um coquetel que mistura rum, lima, água e mel, ou seja, quase uma caipirinha. Ela vem servida em um pote de barro, muito característico do local, e cai bem, mesmo para quem não está acostumado a bebidas alcoólicas, como eu. Seu sabor é aguçado pela música produzida por um grupo local, que convoca os visitantes para a rumba, a salsa e outros ritmos cubanos.
            Voltamos ao nosso paradisíaco hotel, com direito a piscinas monumentais e até uma hidromassagem com temperatura de 37 graus, além daquele mar ali atrás, com a praia adornada de belíssimas palmeiras. Serviço tipo tudo incluído, que basta fazer um gesto para ter uma pessoa do lado oferecendo água, mojitos, cervejas, petiscos, café etc e tal. Vida de magnata. Em Cuba.
            Saímos do paraíso rumo a Cienfuegos, uma cidade mágica. De cara, passamos pelo Paseo del Prado, um grande calçadão arborizado que fica no centro de uma grande avenida. Nesta, dezenas de casarões com grandes varandas sustentadas por colunas de inspiração greco-romana. As varandas foram uma saída para fugir do sol. As colunas deram um ar de nobreza ao local, que passou a ser conhecida como Cidade das Colunas ou a Pérola do Sul. Terra natal do grande cantor e compositor Benny Moré, a cidade dedicou a ele uma estátua, localizada nessa região.
Depois de movimentadas ruas centrais, quase todas exclusivas para pedestres, chegamos a uma praça, conhecida como Parque Marti. Em Cuba, quase todas as praças principais levam o nome do grande herói cubano. Além dos bem cuidados jardins, o local é cercado por prédios monumentais, como o Teatro Tomás Terry, o Palácio Ferrer, a Catedral, a Assembleia (Capitólio) e o Colégio de San Lorenzo. Havia uma efervescência na cidade, por causa da realização de um festival de música e dança. Em vários locais, grupos exibiam seus trabalhos para uma plateia de curiosos. O remate de Cienfuegos foi a visita à região praieira, onde estão o Malecón e dezenas de antigas mansões dos tempos pré-revolucionários. A mais sofisticada é, sem dúvida, o maravilhoso Palácio Del Valle, refúgio do ex-ditador Batista nos anos 1950, que agora se transformou em um restaurante famoso. Aberto à visitação, o local tem uma rebuscada decoração inspirada no Alhambra, de Granada (Espanha), e em outros edifícios de arquitetura mourisca. Um deslumbramento!

Próxima parada: Varadero.

Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse


Bayamo


Com o grupo musical Virama

Wagner com o retrato do compositor Pablo Milanez, natural de Bayamo

Casa de Céspedes

Praça principal da cidade

Prédio colonial restaurado



Camagüey


Rua principal

Tinajones

Igreja do centro histórico

Casa de Cultura


Rua do centro histórico

Igreja e convento de San Juan de Dios

Casario

Cãozinho local

Vendedor de frutas

Moradores locais

Outro cãozinho

Casarão em ruínas transformado em obra de arte por morador local. Na foto, Wagner Cosse

Feinho, mas divertido

Wagner posa ao lado dos Beatles e de morena de Camagüey

Vista noturna do mirante do hotel

Praça

Teatro Municipal

Na Plaza del Carmen, com as costureiras de Martha Giménez

Chafariz de Martha Giménez



Ciego de Ávila


Parada para tomar a piña colada

Lagarta camaleônica

Banheiro enfeitado


Sancti Spiritus



Farmácia

Loja de artesanato

Catedral

Rua de pedestres

Rua de pedestres

Praça principal

Praça principal

Museu histórico


Rua do centro histórico 

Veículo local

Ponte Yayabo


Trinidad


Praça principal

Detalhes da decoração de um casarão

Rua de pedra

Palácio Brunet, museu do mobiliário

Palácio Brunet

Palácio Brunet

Palácio Brunet

Palácio Brunet

Palácio Brunet

Palácio Brunet: móvel de costura

Palácio Brunet: leque

Palácio Brunet: pintura de parede

Palácio Brunet: depósito de água benta

Palácio Brunet: cozinha

Casario e torre de São Francisco

Centro histórico

Rua do centro histórico

Rua do centro histórico

Casarão colonial

Morador de Trinidad

Casario histórico

Casario local

Casa de La Trova

Arquitetura local

Rua do centro histórico

Muro

Crianças brincam com gatinho

Interior de uma residência local

Restaurante que vende móveis antigos

Experimentando a canchánchara


Cienfuegos


Cemitério local

Estátua de Benny Moré

Teatro Tomás Terry


Interior do teatro

Wagner e eu no interior do teatro

Forro do teatro

Cartaz da passagem de Sarah Bernhardt por Cienfuegos

Assembleia Municipal

Arquitetura na praça principal

Praça principal

Palácio Ferrer

Arco do Triunfo

Obra de artista local

Rua das colunas greco-romanas

Paseo del Prado

Manifestação musical e de dança em rua central


Rua para pedestres

Praça principal

Colégio de San Lorenzo

Palácio del Valle

Palácio del Valle (detalhe)

Palácio del Valle (fachada)

O guia Ricardo e eu brindando o sucesso da viagem

Mansão da região praieira

Outro palacete da região praieira de Cienfuegos

2 comentários:

  1. Gostaria do contato do guia e do motorista. pode ser?

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  2. Olá, meu caro, os dois trabalham na Cubanacán, empresa de turismo cubana, contratada aqui no Brasil.
    O nome do guia é Ricardo e o contato que tenho dele é fepmi@dirprov.scu.sld.cu (e-mail do trabalho de sua esposa).
    Abraços

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