segunda-feira, 14 de julho de 2014

Refletindo sobre a realidade política, econômica e cultural de Cuba

No santuário da Virgem do Cobre, oferecendo flores à padroeira de Cuba


Chegamos ao 23º dia de viagem, que começou no México no dia 11 de junho. Já passamos pela capital mexicana, adentramos o interior do país até Cancún, onde (eu e meu companheiro de viagem, Wagner Cosse) nos detivemos por cinco dias. Dali, pegamos um voo para Cuba, com escala na Cidade do Panamá. Já visitamos Havana e Santiago de Cuba, a capital e a maior cidade do interior do país revolucionário.
Nesses três dias em solo cubano, em companhia de nossos guias de viagem e nas conversas de pé de ouvido com o povo (além, é claro, das observações mais aguçadas do cotidiano das cidades), o país vai se revelando em detalhes. Os monumentos contam trajetórias de nomes heroicos que construíram a história do país, desde a chegada de Cristóvão Colombo por ali, em 1492. Foram anos de colonização espanhola, exploração, escravatura que se assemelham muito à história do Brasil. Dos canaviais foram plantadas verdadeiras fortunas, que deixaram vestígios por todos os lugares.
            A rodovia principal de Cuba, que liga o ocidente ao oriente, em mais de 1.000 quilômetros, foi construída nos anos 1920, num projeto pioneiro na América Latina. Do que, um dia, dominou 30% do mercado mundial de cana de açúcar, sobrou uma produção de pouco mais de 1,5 milhão de toneladas anuais. Mais do que a imperial mão forte da Espanha, que sufocou a liberdade do país, hoje domina a mão pesada do embargo econômico, que limita o raio de desenvolvimento. Há, também, o anacronismo de uma geração de revolucionários que já cruzam a fronteira dos 80 anos e que estão perplexos perante o crescimento mundial e as poucas alternativas que restaram para o socialismo/comunismo no mundo. A própria China, nação de maior potencial nessa área política, é uma indisfarçada economia capitalista.
            Mas, nas palavras dos cubanos, há uma resistência incólume. Eles apoiam e acreditam em seus líderes revolucionários e criticam duramente o que havia no país antes da tomada do poder por Fidel Castro, Che Guevara e sua turma. Cuba era uma latrina (nas palavras de muitos deles) de drogas, jogo e prostituição, dominada pela máfia internacional, com peso considerável do “Grande Irmão do Norte”, os EUA. A ditadura de Batista, o presidente deposto, consumia as energias de um povo mirrado pela pobreza e pela fome. Era necessário alterar a ordem e isso foi realizado pela turma revolucionária, em 1959.
            Da estrada de Santiago de Cuba, observamos a Serra Maestra, onde os revolucionários arquitetaram o plano da tomada do poder e das mudanças que sofreriam o país nos anos seguintes. “Sim, eu posso”, lema de Che, é visto em várias partes do país, em pontos estratégicos, como um mantra para renovar as esperanças combalidas por tantos anos de carência.
            Em 1961, Cuba livrava-se do analfabetismo, o que se tornou um orgulho para o país. Atualmente, dos cerca de 11,5 milhões de habitantes, existem 70 mil médicos, 60 universidades (todas gratuitas) e mais de 15 mil universitários estrangeiros fazendo especializações no país, em áreas diversas como administração, saúde, entre outras. O esporte ganhou largo investimento, tornando-se obrigatório nas escolas. As crianças mais talentosas recebem benefícios e melhores chances de se desenvolverem na vida. Além das escolas públicas de qualidade, a população também conta com investimentos na área cultural. Os livros dos principais autores têm preços subsidiados e os ingressos aos espetáculos têm preços acessíveis ao público em geral. A TV exibe na programação documentários e filmes sobre música, natureza e história do país.
            No entanto, a realidade mudou ao longo dos anos. Embargo, envelhecimento do regime, crises econômicas, queda do Muro de Berlim, fuga de parceiros e desastres naturais deixaram a população empobrecida. O salário mínimo é algo em torno de 12 dólares. Um bom salário em Cuba não passa de 40 dólares (1.000 pesos cubanos) – o que torna a remuneração do projeto brasileiro Mais Médicos uma fortuna para eles. O turismo foi uma saída para o crescimento do país e a entrada de dólares e euros. E, é preciso citar, o envio de moeda forte dos cubanos que vivem nos países estrangeiros como Estados Unidos, Espanha e outros. Foi criado, inclusive, um banco especialmente para receber esse dinheiro.
            Uma gorjeta de um turista, nem que seja de um dólar, se transforma em uma pequena fortuna para eles. Em contrapartida, foi criada uma caderneta de alimentos e outros produtos subsidiados pelo governo federal, grande sustentáculo e principal empregador do país. Na caderneta, são previstos os itens que a família pode retirar dos mercados públicos e a quantidade permitida. Arroz, feijão, café, artigos de higiene e até tabaco fazem parte da cesta básica, que é bem restrita. O que for necessário, além disso, tem de ser comprado nos mercados particulares. Uma refeição em um restaurante cubano pode custar dois ou três dias de trabalho. Uma viagem internacional é quase como uma passagem para a Lua. Papel higiênico e guardanapo é artigo de luxo, pouco visto em locais fora dos hotéis.
            Por isso, me espantou a alegria e a resistência desse povo sempre sorridente e musical. A dureza não concretou sua força e nem desgastou a sua vontade de fazer de Cuba uma grande nação. Há uma película, recentemente lançada no país, e que pode ser vista no You Tube, chamada “Juan de los Muertos”, que trata desse assunto de maneira bastante metafórica. Não vou contar o final para não estragar o filme, mas vale a pena ser visto para conhecer um pouco dos fantasmas que assombram a população.
            Nosso guia expôs todo esse assunto de maneira muito tranquila. Muitas vezes ouvi suas histórias pelo filtro da minha formação como Jornalista e do jeito mineiro de desconfiar de tudo até que se prove o contrário. Ele é funcionário público, como o motorista do nosso táxi. E trabalham na agência pública de turismo, Cubanacan, que assumem o discurso do governo. Até o táxi é do governo. Eles são tão vítimas quanto à maioria do povo cubano dessa situação crítica econômica, mas têm uma fé quase inacreditável no país. Em nenhum momento senti que eles queriam sair dali e viver uma vida diferente na Miami dos sonhos. Ou até no Brasil, que se tornou outro oásis para a maioria. Senti que querem viver ali com melhores condições, mas preservando os ideais revolucionários e não entregando o país de mão beijada para os mafiosos de antigamente.
            Encerro esse texto, mais filosófico do que turístico, para falar um pouco da religião. Notei que os guias não faziam questão e nos levar aos templos religiosos, a não ser que demonstrássemos interesse ou que o lugar tivesse uma atração especial. Assim foi em Havana e em Santiago. É preciso frisar que esta cidade é uma meca das religiões afro cubanas. Depois, descobri que o guia Ricardo não professa nenhuma religião e observa os templos como simples edifícios. Durante muitos anos a revolução baniu as religiões e coibiu os cultos. Recentemente, a situação afrouxou e, com a ida do Papa João Paulo II, em 1998, a população tem tido mais liberdade para se manifestar.
            Nesse contexto, por sua importância, fomos visitar o mais famoso santuário católico de Cuba, situado na parte oriental do país, a 20 quilômetros de Santiago. Trata-se da Igreja da Virgem do Cobre, localizada numa região que já foi um importante centro minerador. Ela é a padroeira do país. Mesmo com toda a carência vivida no país, a pequena imagem, encontrada por três escravos no mar, é ricamente coberta de ouro e pedras preciosas. Suas joias dariam para aliviar a situação de muitas famílias por um bom tempo. Nas dependências da igreja, ex-votos de esportistas, políticos, artistas e pessoas desconhecidas que receberam uma graça da Virgem. No acervo está até a medalha que o escritor Ernest Hemingway recebeu quando ganhou o Nobel de Literatura (que, infelizmente, não pudemos ver).
            O que eu achei mais bonito e significativo foi que, para homenagear a Nossa Senhora, as pessoas levam flores ao seu altar, que fica totalmente florido em dias de grande fluxo de fieis. Vendedores oferecem, nas estradas, braçadas de girassóis e outras flores com esse objetivo. Compramos e depositamos no altar, num gesto puro e simples, pedindo em oração que o mundo valorize um pouco mais esse povo tão lutador e tão persistente, que tem um ideal tão importante e tão sublime de fazer daquela nação um lugar melhor para se viver. E que nos dê, sempre, paz e alegria para usufruir e aprender tanta coisa com a diversidade que os mundo nos oferece.

            Amém!

Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse


Caderneta de alimentos e produtos da cesta básica

Itens da caderneta


Mercadinho público: excassez de produtos

Produtos subsidiados pelo governo cubano (preços em pesos cubanos)




Moeda de peso cubano com a imagem de Che Guevara


Santuário da Virgem do Cobre

Imagem coberta de ouro e joias

Ex-votos dos revolucionários de 1959


Ex-votos de esportistas
A Virgem do Cobre, na versão da artista cubana Martha Guiménez


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