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No santuário da Virgem do Cobre, oferecendo flores à padroeira de Cuba |
Chegamos
ao 23º dia de viagem, que começou no México no dia 11 de junho. Já passamos
pela capital mexicana, adentramos o interior do país até Cancún, onde (eu e meu
companheiro de viagem, Wagner Cosse) nos detivemos por cinco dias. Dali,
pegamos um voo para Cuba, com escala na Cidade do Panamá. Já visitamos Havana e
Santiago de Cuba, a capital e a maior cidade do interior do país
revolucionário.
Nesses
três dias em solo cubano, em companhia de nossos guias de viagem e nas
conversas de pé de ouvido com o povo (além, é claro, das observações mais
aguçadas do cotidiano das cidades), o país vai se revelando em detalhes. Os monumentos
contam trajetórias de nomes heroicos que construíram a história do país, desde
a chegada de Cristóvão Colombo por ali, em 1492. Foram anos de colonização
espanhola, exploração, escravatura que se assemelham muito à história do
Brasil. Dos canaviais foram plantadas verdadeiras fortunas, que deixaram
vestígios por todos os lugares.
A rodovia principal de Cuba, que
liga o ocidente ao oriente, em mais de 1.000 quilômetros, foi construída nos
anos 1920, num projeto pioneiro na América Latina. Do que, um dia, dominou 30%
do mercado mundial de cana de açúcar, sobrou uma produção de pouco mais de 1,5
milhão de toneladas anuais. Mais do que a imperial mão forte da Espanha, que
sufocou a liberdade do país, hoje domina a mão pesada do embargo econômico, que
limita o raio de desenvolvimento. Há, também, o anacronismo de uma geração de
revolucionários que já cruzam a fronteira dos 80 anos e que estão perplexos perante
o crescimento mundial e as poucas alternativas que restaram para o
socialismo/comunismo no mundo. A própria China, nação de maior potencial nessa
área política, é uma indisfarçada economia capitalista.
Mas, nas palavras dos cubanos, há
uma resistência incólume. Eles apoiam e acreditam em seus líderes
revolucionários e criticam duramente o que havia no país antes da tomada do
poder por Fidel Castro, Che Guevara e sua turma. Cuba era uma latrina (nas
palavras de muitos deles) de drogas, jogo e prostituição, dominada pela máfia
internacional, com peso considerável do “Grande Irmão do Norte”, os EUA. A ditadura
de Batista, o presidente deposto, consumia as energias de um povo mirrado pela
pobreza e pela fome. Era necessário alterar a ordem e isso foi realizado pela
turma revolucionária, em 1959.
Da estrada de Santiago de Cuba,
observamos a Serra Maestra, onde os revolucionários arquitetaram o plano da
tomada do poder e das mudanças que sofreriam o país nos anos seguintes. “Sim,
eu posso”, lema de Che, é visto em várias partes do país, em pontos
estratégicos, como um mantra para renovar as esperanças combalidas por tantos
anos de carência.
Em 1961, Cuba livrava-se do analfabetismo,
o que se tornou um orgulho para o país. Atualmente, dos cerca de 11,5 milhões
de habitantes, existem 70 mil médicos, 60 universidades (todas gratuitas) e mais
de 15 mil universitários estrangeiros fazendo especializações no país, em áreas
diversas como administração, saúde, entre outras. O esporte ganhou largo
investimento, tornando-se obrigatório nas escolas. As crianças mais talentosas
recebem benefícios e melhores chances de se desenvolverem na vida. Além das
escolas públicas de qualidade, a população também conta com investimentos na
área cultural. Os livros dos principais autores têm preços subsidiados e os
ingressos aos espetáculos têm preços acessíveis ao público em geral. A TV exibe
na programação documentários e filmes sobre música, natureza e história do
país.
No entanto, a realidade mudou ao
longo dos anos. Embargo, envelhecimento do regime, crises econômicas, queda do
Muro de Berlim, fuga de parceiros e desastres naturais deixaram a população
empobrecida. O salário mínimo é algo em torno de 12 dólares. Um bom salário em
Cuba não passa de 40 dólares (1.000 pesos cubanos) – o que torna a remuneração
do projeto brasileiro Mais Médicos uma fortuna para eles. O turismo foi uma
saída para o crescimento do país e a entrada de dólares e euros. E, é preciso
citar, o envio de moeda forte dos cubanos que vivem nos países estrangeiros
como Estados Unidos, Espanha e outros. Foi criado, inclusive, um banco
especialmente para receber esse dinheiro.
Uma gorjeta de um turista, nem que
seja de um dólar, se transforma em uma pequena fortuna para eles. Em
contrapartida, foi criada uma caderneta de alimentos e outros produtos
subsidiados pelo governo federal, grande sustentáculo e principal empregador do
país. Na caderneta, são previstos os itens que a família pode retirar dos
mercados públicos e a quantidade permitida. Arroz, feijão, café, artigos de
higiene e até tabaco fazem parte da cesta básica, que é bem restrita. O que for
necessário, além disso, tem de ser comprado nos mercados particulares. Uma refeição
em um restaurante cubano pode custar dois ou três dias de trabalho. Uma viagem
internacional é quase como uma passagem para a Lua. Papel higiênico e
guardanapo é artigo de luxo, pouco visto em locais fora dos hotéis.
Por isso, me espantou a alegria e a
resistência desse povo sempre sorridente e musical. A dureza não concretou sua
força e nem desgastou a sua vontade de fazer de Cuba uma grande nação. Há uma
película, recentemente lançada no país, e que pode ser vista no You Tube,
chamada “Juan de los Muertos”, que trata desse assunto de maneira bastante
metafórica. Não vou contar o final para não estragar o filme, mas vale a pena
ser visto para conhecer um pouco dos fantasmas que assombram a população.
Nosso guia expôs todo esse assunto
de maneira muito tranquila. Muitas vezes ouvi suas histórias pelo filtro da
minha formação como Jornalista e do jeito mineiro de desconfiar de tudo até que
se prove o contrário. Ele é funcionário público, como o motorista do nosso
táxi. E trabalham na agência pública de turismo, Cubanacan, que assumem o
discurso do governo. Até o táxi é do governo. Eles são tão vítimas quanto à
maioria do povo cubano dessa situação crítica econômica, mas têm uma fé quase
inacreditável no país. Em nenhum momento senti que eles queriam sair dali e
viver uma vida diferente na Miami dos sonhos. Ou até no Brasil, que se tornou outro
oásis para a maioria. Senti que querem viver ali com melhores condições, mas
preservando os ideais revolucionários e não entregando o país de mão beijada
para os mafiosos de antigamente.
Encerro esse texto, mais filosófico
do que turístico, para falar um pouco da religião. Notei que os guias não
faziam questão e nos levar aos templos religiosos, a não ser que demonstrássemos
interesse ou que o lugar tivesse uma atração especial. Assim foi em Havana e em
Santiago. É preciso frisar que esta cidade é uma meca das religiões afro
cubanas. Depois, descobri que o guia Ricardo não professa nenhuma religião e
observa os templos como simples edifícios. Durante muitos anos a revolução
baniu as religiões e coibiu os cultos. Recentemente, a situação afrouxou e, com
a ida do Papa João Paulo II, em 1998, a população tem tido mais liberdade para
se manifestar.
Nesse contexto, por sua importância,
fomos visitar o mais famoso santuário católico de Cuba, situado na parte
oriental do país, a 20 quilômetros de Santiago. Trata-se da Igreja da Virgem do
Cobre, localizada numa região que já foi um importante centro minerador. Ela é a padroeira do país. Mesmo
com toda a carência vivida no país, a pequena imagem, encontrada por três
escravos no mar, é ricamente coberta de ouro e pedras
preciosas. Suas joias dariam para aliviar a situação de muitas famílias por um
bom tempo. Nas dependências da igreja, ex-votos de esportistas, políticos,
artistas e pessoas desconhecidas que receberam uma graça da Virgem. No acervo
está até a medalha que o escritor Ernest Hemingway recebeu quando ganhou o
Nobel de Literatura (que, infelizmente, não pudemos ver).
O que eu achei mais bonito e
significativo foi que, para homenagear a Nossa Senhora, as pessoas levam flores
ao seu altar, que fica totalmente florido em dias de grande fluxo de fieis.
Vendedores oferecem, nas estradas, braçadas de girassóis e outras flores com
esse objetivo. Compramos e depositamos no altar, num gesto puro e simples,
pedindo em oração que o mundo valorize um pouco mais esse povo tão lutador e
tão persistente, que tem um ideal tão importante e tão sublime de fazer daquela
nação um lugar melhor para se viver. E que nos dê, sempre, paz e alegria para
usufruir e aprender tanta coisa com a diversidade que os mundo nos oferece.
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