No Dique do Tororó, em Salvador |
Tenho belas lembranças de
Salvador, que conheci em 1995. Antes, havia passado alguns dias em Morro de São
Paulo, paradisíaca ilha baiana. Depois, peguei um barco e fui para a capital.
Ao ver o perfil da cidade, lembro-me claramente de cantarolar a canção “É
D´Oxum”, de Gerônimo, gravada por Gal Costa. O impacto foi se intensificando à
medida que chegava ao Pelourinho, onde ficaria hospedado. O hotel era muito
simples, mas bem localizado. Naquela época, o Pelourinho estalava de novo.
Tinha sido restaurado há pouco tempo e o casario era iluminado por um colorido
intenso.
Vinte anos depois, voltamos ao Pelourinho para nos
hospedarmos no charmoso Bahia Café Hotel, na Praça da Sé, próximo ao Terreiro
de Jesus. Outros coloridos invadiam a região, com as bandeirinhas da festa de
São João. No entanto, apesar do forte policiamento, pairava no ar uma certa tensão.
As pessoas nos alertavam insistentemente para cuidarmos das bolsas e das
câmeras fotográficas, o que naquela época não parecia tão contundente. Havia
muitos mendigos nas ruas e, pior, uma cracolândia bem próxima ao nosso hotel,
que particularmente me assustou e me deprimiu. Ver aqueles jovens se drogando e
comercializando as drogas era de cortar o coração. Mas, enfim, o que se pode
fazer?
Pelas informações que tivemos, a situação está bem melhor
do que há dois ou três anos. Com a Copa do Mundo de 2014, houve uma “limpeza”
geral na região. O prefeito atual, ACM Neto, é muito elogiado pelos moradores e
taxistas que conversamos. Parece que ele “deu um jeito” na situação, colocando
a cidade nos eixos.
Tivemos apenas três dias para usufruir das terras
soteropolitanas. Como havia um indício de chuva, planejamos cuidadosamente para
não perdermos as boas atrações. Museus, galerias de artes, visitas ao mercado e
aos principais edifícios históricos da região seria uma boa solução, aproveitando
inclusive o fato de estarmos na área mais turística da cidade. Havia, também, a
intenção de conhecer alguns bons restaurantes, notando que a gastronomia baiana
vem se aperfeiçoando bastante. Particularmente, Wagner (meu companheiro de
viagem) e eu queríamos voltar ao restaurante do SENAC, localizado no Pelourinho,
onde é servida uma excelente comida baiana, com preços bem razoáveis.
Não sou um expert em gastronomia. No caso da culinária baiana,
sou uma negação total. Com problemas para ingerir frutos do mar, arrepio quando
sinto o cheio de um camarão. Se comer, passo mal. Ou seja, não posso cometer
nenhuma extravagância. Qualquer comida mais condimentada me obriga a tomar um
antiácido. Mas consegui apreciar, assim mesmo, várias iguarias. Principalmente
aqueles doces maravilhosos, como quindim, cocada baiana e manjar branco.
No quesito patrimônio histórico, nada impressiona mais na
Bahia do que a Igreja de São Francisco, também no Pelourinho. A quantidade de
ouro e a pujança só são comparados com algumas igrejas mineiras. O rococó é
intenso. Gastam-se horas para observar cada bordado feito naqueles altares.
Coisa engraçada, pois o templo é dedicado a São Francisco, geralmente associado
à austeridade e à pobreza. Bem, aqui
como em outras partes do mundo (especialmente na mesma Igreja de São Francisco,
na cidade do Porto, em Portugal), essa máxima não foi observada. Tudo é de uma
sofisticação de cair o queixo!
Visitamos ainda o belo museu Carlos Costa Pinto, no
bairro Vitória. Os antigos proprietários, colecionadores de obras de arte, doaram
seu acervo à municipalidade e ainda disponibilizaram a antiga mansão da família
para abrigar o acervo. Há um belíssimo mobiliário, recolhido de antigas
famílias baianas que sofreram com a falência do período áureo do cacau e da
cana-de-açúcar, peças religiosas, prataria e telas. As melhores partes do museu
são a coleção de balangandãs e de joias usadas pelas escravas no século 19.
Outra atração foi um dos seguranças do museu, que se revelou um grande conhecedor
da música popular brasileira. Ele foi um guia fantástico para nós, pois
transmitiu grande satisfação em cumprir sua missão. Em Salvador também visitamos um museu dedicado aos cartões
postais, com fotos antigas da capital e de várias cidades do interior da Bahia.
Outra passagem obrigatória, para todo bom visitante, é o
Mercado Modelo, localizado na parte baixa de Salvador. Para acessá-la,
utilizamos o icônico Elevador Lacerda, que está muito bem conservado. Seu uso
foi gratuito nesse dia. No mercado, bem mais interessante do que da primeira
visita que lá fiz duas décadas atrás, é um local interessante. Encontra-se de
tudo um pouco em relação ao artesanato baiano. Há também dois restaurantes, com
bela vista.
Um dos pontos altos da nossa estadia foi conhecer um
terreiro tradicional de candomblé. Da vez passada, estivemos Salvador no
período da quaresma, quando não acontecem as cerimônias. Com o apoio de um
guia, rumamos ao Alaketu, o mais antigo terreiro do país, fundado em 1636. É
proibido fotografar ou filmar a cerimônia. Relato, apenas, que havia muitas
danças, cânticos e batucadas. Há várias incorporações e manifestações,
inclusive dos espectadores. O ambiente era muito familiar, com pessoas de todas
as faixas etárias, entre elas, crianças bem pequenas. Em determinado momento,
algumas pessoas saem da sala e decreta-se um intervalo. Logo após o curto
período, a cerimônia é reiniciada, já com as mesmas pessoas trajadas como
orixás, com paramentos belíssimos. Durante o período em que estivemos por lá,
pensei na quantidade de coisas que existem no mundo e que não conseguimos
explicar. São eventos que transcendem nosso conhecimento e provocam nosso lado mais
racional. Senti-me tranquilo durante todo o tempo, pois acreditei que tudo
aquilo era feito pelo bem da humanidade, pela paz e pela tradição religiosa,
procedente da África. Foi impossível também não pensar na crueldade da
intolerância religiosa, que – por preconceito – não aceita o diferente, o
inusitado, o que não conseguimos compreender. Quase no final da cerimônia, o
terreiro ainda nos ofereceu saborosos pratos da culinária baiana. Que outro templo
religioso faria isso com tamanha sofisticação?
Por falar em orixás, no dia seguinte fomos à região da
Arena Fonte Nova para conhecer o Dique do Tororó, onde estão as gigantescas
esculturas criadas pelo artista plástico Tati Moreno. O local lembra um pouco a
região da Pampulha, em Belo Horizonte, e se transforma em uma grande área de
lazer nos fins de semana.
Outra atração foi conhecer o Balé Folclórico da Bahia,
que tem sede no Pelourinho. Assistimos a um espetáculo da companhia, com
algumas das mais expressivas danças tradicionais baianas. Confesso que esperei
um pouco mais da apresentação, mas valeu a pena pela qualidade dos bailarinos,
dos figurinos e dos músicos. Acho que, para o turista internacional, que lotava
parte do auditório, a apresentação foi mais impactante do que para nós, brasileiros,
que estamos acostumados a tanta folia. No quesito conforto, o teatrinho é uma
lástima. Mas, mesmo assim, vale o ingresso.
Antes de retornarmos à nossa cidade natal, Belo
Horizonte, ainda tivemos tempo para visitar lojas de discos e comprar alguns
CDs de artistas locais (coisa que sempre fazemos em viagens). Desta vez,
colocamos na mala algumas obras de grupos ligados ao samba de roda, em
gravações deliciosas. Trouxemos nas bagagens alguns livros com fotos de Pierre
Verger e obras de Caymmi e Carybé, essenciais para quem quer se entranhar na
história deste povo tão festivo.
Encerro, aqui, os meus relatos da viagem à Bahia, em
especial à Chapada Diamantina, Santo Amaro da Purificação e Salvador. Foram
dias maravilhosos. Parafraseando os baianos, com muito axé! E que venham outras
emocionantes viagens para nós!
Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse.
Igreja de São Francisco
No restaurante do SENAC |
Wagner no bufê do restaurante do SENAC |
Imagem do Museu dos Cartões Postais |
Grupo musical baiano apresenta-se no Pelourinho |
Capoeirista |
Bailarinos |
Hotel Bahia Café |
Centro Histórico de Salvador |
Elevador Lacerda e Mercado Modelo |
Porto |
Dique do Tororó |
Arena Fonte Nova |
Fachada do Museu Carlos Costa Pinto |
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