No cemitério bizantino Santa Isabel, em Mucugê |
Para quem deseja permanecer duas semanas da Chapada
Diamantina, um tempo recomendado para conhecer boa parte dos atrativos, é comum
dividir a estadia entre Lençóis e Mucugê. A primeira, como dissemos, fica na
parte norte do parque, com acesso aos poços e cachoeiras localizados nessa área,
inclusive ao Morro do Pai Inácio, cartão postal da chapada. A segunda, para
visitarmos a região que compreende Andaraí, Igatu e Ibicoara. Estas localidades
ficam a mais de 100 km de Lençóis. Ir e voltar no mesmo dia, ficaria muito
cansativo.
Por isso, resolvemos partir para a segunda etapa da viagem,
hospedando-nos no Hotel Vila Alpina, em Mucugê. Chegamos ao local já no fim do
dia. O hotel fica a cinco quilômetros do centro, numa localidade bem aprazível
e silenciosa. Além disso, a temperatura no município é bem mais baixa do que a
de Lençóis, obrigando a tirar os casacos da mala.
E mais, como era Dia dos Namorados, fomos jantar em um
restaurante local. Para nossa surpresa, o casal Fábio e Érika, que viajavam
comigo e com Wagner, ganharam em sorteio uma cesta de doces, vinho, biscoitos e
outras iguarias.
Mas Mucugê revelou-se completamente no dia seguinte, com o
dia claro. Toda a cidade estava sendo enfeitada para os festejos de São João,
comemorado de 20 a 24 de junho. Bandeirolas em todas as ruas e praças, cortinas
de chitão colorido nas janelas, bonecos, barracas e toda sorte de enfeites,
inclusive com fuxico, adornavam centímetro por centímetro da área principal. Ao
invés de bandas sertanejas, comuns de Minas Gerais, a festa é marcada pelo
forró pé-de-serra. O público transforma os logradouros em grandes bailes a céu
aberto. Infelizmente, não pudemos ficar para a festa, por causa do término das
nossas férias, mas pudemos constatar o entusiasmo da população.
Outra bela
atração de Mucugê é o cemitério bizantino. Na verdade, um campo sagrado com
belíssimas sepulturas pintadas de branco, encravado em uma montanha igualmente
impressionante. A arquitetura torneada, segundo contam os moradores e guias de
viagem, é fruto da influência moura na época da mineração do diamante, no
século 19. Houve um surto de varíola que matou muitas pessoas, obrigando à
construção de um cemitério fora das igrejas, e, por conseguinte, a contaminação
de todo o povoado. Como muitos mortos eram de famílias abastadas, os túmulos foram
construídos com muito requinte. Há outras versões menos fantasiosas, dizendo
que isso foi influência de um construtor muito talentoso que morava na região.
O mesmo estilo pode ser constatado no distrito de Iguatu, próximo dali. O
artista ficou no anonimato.
Perto de
Mucugê, está localizada a cidade de Ibicoara e a Cachoeira do Buracão, que já
citamos em postagem anterior. Ali também estão os citados poços Encantado e
Azul. O que também pretendíamos conhecer nessa passagem era o distrito de
Iguatu, famoso por sua arquitetura preservada e o pantanal de Andaraí.
Iguatu
realmente é um lugarejo encantador. Muito pequeno, comporta pousadas, hoteis e
restaurantes. Ao contrário de Lençóis, a impressão que temos é que os próprios
moradores administram os locais. Sem o mesmo requinte, mas com mais
regionalismo. Por isso, o turismo também é mais incipiente. A estrada de pedra
que dá acesso ao local é muito bonita.
O distrito fora, no passado, um
importante centro minerador de diamantes, com o nome de Xique Xique. Até os
anos 1940, eles ainda podiam ser encontrados na região. No entanto, foram
escasseando até acabar de vez. O Rio Paracatu fazia o escoamento das pedras
para o porto baiano, em navio de médio porte. Atualmente, o assoreamento
consumiu parte da navegação. No lugar de Xique Xique, ficou uma cidade fantasma
repleta de ruínas das antigas casas dos garimpeiros. Existe, inclusive, a fama
de ser a “Macchu Picchu” brasileira, mas sem o mesmo glamour. Resquícios desta
fase áurea podem ser constatados na Galeria Arte&Memória, construída sobre parte
dessas ruínas. É um mini-Inhotim, com esculturas ao ar livre, uma pequena
galeria de arte, salas de exposição de utensílios da época do garimpo e um
café. Somos recepcionados pela guia Val, que nos conta um pouco da história. É
necessário pagar uma pequena taxa.
A beleza do
local fora revelada no final de nossa visita, quando Val contou um pouco de sua
vida. Apesar de jovem, ela enfrentou uma vida dura para conseguir estudar.
Chegava a caminhar 13 km para chegar até a escola. Seu relato foi tão
contundente e tão cheio de esperança, que fiquei com os olhos marejados. Ela,
com certeza, é um exemplo de gente que luta pelo que quer e não vê obstáculos.
E olha que eles são quase insuportáveis em alguns momentos, conforme ela disse.
Val sonha em ser museóloga. Para isso, quer ingressar na Universidade de
Vitória da Conquita (BA). Que a sua força de vontade permaneça, para que ela
alcance seus objetivos. Teremos, com certeza, uma grande profissional.
O centrinho de Igatu é composto por
outras construções históricas, muitas destruídas pelo tempo. O casario é muito
charmoso. Com as belas bandeirinhas juninas, então, ficou encantador.
Andaraí
é outra cidade da região. Ela não tem os mesmos atrativos históricos de Mucugê
ou Igatu. Mas tem lá o seu charme. E a deliciosa sorveteria Apollo, de Dona
Apolônia, que vende sorvetes naturais feitos com ingredientes regionais. Fomos
lá por causa da Fazenda Marimbus, onde fica o inusitado pantanal da Chapada
Diamantina. Trata-se de um grande lago de águas cristinas repleto de espécies
comuns às áreas alagadas de Mato Grosso, como vitórias-régias e outras plantas
aquáticas. É possível conhecê-lo por meio de um barqueiro-guia, que vai
contando os causos da região. O nosso era Genivaldo, um rapaz muito bem
humorado, que falou se sua vida, de sua família e das histórias dos turistas
que frequentam o local. Em determinada hora, paramos para tomar um banho. Neste
local, há uma leve correnteza de água morna, que torna tudo mais agradável. O céu estava muito azul e refletia nas águas
cor de conhaque. As flores e pássaros também foram aparecendo aos poucos,
tornando aquele espelho de cristal cada vez mais atraente. Paga-se também uma
taxa de visitação.
Depois desse
relaxamento, retornamos para Mucugê, onde curtimos mais alguns preciosos
momentos na cidade. Conversamos com moradores e lojistas, almoçamos (e tivemos
um longo papo com) da Dona Nena, famosa cozinheira local, adquirimos algumas
peças de artesanato e, principalmente, nos deliciamos com a beleza da paisagem.
A proprietária de nosso hotel (aliás, com uma recepção encantadora por parte de
todos os funcionários) ainda promoveu uma reza em homenagem a São João, que
tivemos a honra de ser convidados. Nesses dias, como aconteceu em outras ocasiões,
comemoramos o aniversário do Wagner (14 de junho), com uma festa surpresa.
Antes de
irmos embora, fizemos uma bela despedida, visitando o parque do Projeto Sempre
Viva, em Mucugê, que tem o objetivo de preservar essas plantas em extinção.
Além de um espaço de exposições, o parque oferece caminhadas e várias quedas
d´água belíssimas. A flora regional também é encantadora.
Nos dias anteriores, Wagner também
teve a oportunidade de fazer um passeio por sete quedas d´águas que, segundo
ele, foi maravilhoso (nesse dia, eu preferi descansar um pouco da extenuante
temporada de trilhas e caminhadas).
Ficamos muito impressionados com tudo
que vimos, com tanta beleza e harmonia. Parece que ali emerge um Brasil que não
está na mídia. Que existe, tem esperança, mas não é valorizado. Que tem seus
problemas, mas não faz disso um motivo para assumir uma crise. Sabe que isso é
fase e que vai passar. É um Brasil ao alcance de todos e de privilegiados, como
eu, que pude ver, ouvir, sentir e amar.
Bem, agora partir para encerrar a
viagem na capital baiana, em pleno coração do Pelourinho.
Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse.
Mucugê
Matriz de São João Batista |
Igreja de Santo Antônio |
Cemitério Bizantino |
Igatu
Ruínas da antiga Xique Xique |
Galeria Arte&Memória |
Detalhe de obra exposta na galeria |
Wagner (ao lado de Fábio) sopra a vela do seu bolo de aniversário |
Pantanal da Fazenda Marimbus
O barqueiro Genivaldo |
Andaraí
Parque Projeto Sempre Viva
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