terça-feira, 30 de junho de 2015

Bahia 6 – Mucugê, Igatu, Andaraí e região

No cemitério bizantino Santa Isabel, em Mucugê


Para quem deseja permanecer duas semanas da Chapada Diamantina, um tempo recomendado para conhecer boa parte dos atrativos, é comum dividir a estadia entre Lençóis e Mucugê. A primeira, como dissemos, fica na parte norte do parque, com acesso aos poços e cachoeiras localizados nessa área, inclusive ao Morro do Pai Inácio, cartão postal da chapada. A segunda, para visitarmos a região que compreende Andaraí, Igatu e Ibicoara. Estas localidades ficam a mais de 100 km de Lençóis. Ir e voltar no mesmo dia, ficaria muito cansativo.
Por isso, resolvemos partir para a segunda etapa da viagem, hospedando-nos no Hotel Vila Alpina, em Mucugê. Chegamos ao local já no fim do dia. O hotel fica a cinco quilômetros do centro, numa localidade bem aprazível e silenciosa. Além disso, a temperatura no município é bem mais baixa do que a de Lençóis, obrigando a tirar os casacos da mala.
E mais, como era Dia dos Namorados, fomos jantar em um restaurante local. Para nossa surpresa, o casal Fábio e Érika, que viajavam comigo e com Wagner, ganharam em sorteio uma cesta de doces, vinho, biscoitos e outras iguarias.
Mas Mucugê revelou-se completamente no dia seguinte, com o dia claro. Toda a cidade estava sendo enfeitada para os festejos de São João, comemorado de 20 a 24 de junho. Bandeirolas em todas as ruas e praças, cortinas de chitão colorido nas janelas, bonecos, barracas e toda sorte de enfeites, inclusive com fuxico, adornavam centímetro por centímetro da área principal. Ao invés de bandas sertanejas, comuns de Minas Gerais, a festa é marcada pelo forró pé-de-serra. O público transforma os logradouros em grandes bailes a céu aberto. Infelizmente, não pudemos ficar para a festa, por causa do término das nossas férias, mas pudemos constatar o entusiasmo da população.
            Outra bela atração de Mucugê é o cemitério bizantino. Na verdade, um campo sagrado com belíssimas sepulturas pintadas de branco, encravado em uma montanha igualmente impressionante. A arquitetura torneada, segundo contam os moradores e guias de viagem, é fruto da influência moura na época da mineração do diamante, no século 19. Houve um surto de varíola que matou muitas pessoas, obrigando à construção de um cemitério fora das igrejas, e, por conseguinte, a contaminação de todo o povoado. Como muitos mortos eram de famílias abastadas, os túmulos foram construídos com muito requinte. Há outras versões menos fantasiosas, dizendo que isso foi influência de um construtor muito talentoso que morava na região. O mesmo estilo pode ser constatado no distrito de Iguatu, próximo dali. O artista ficou no anonimato.
            Perto de Mucugê, está localizada a cidade de Ibicoara e a Cachoeira do Buracão, que já citamos em postagem anterior. Ali também estão os citados poços Encantado e Azul. O que também pretendíamos conhecer nessa passagem era o distrito de Iguatu, famoso por sua arquitetura preservada e o pantanal de Andaraí.
            Iguatu realmente é um lugarejo encantador. Muito pequeno, comporta pousadas, hoteis e restaurantes. Ao contrário de Lençóis, a impressão que temos é que os próprios moradores administram os locais. Sem o mesmo requinte, mas com mais regionalismo. Por isso, o turismo também é mais incipiente. A estrada de pedra que dá acesso ao local é muito bonita.
O distrito fora, no passado, um importante centro minerador de diamantes, com o nome de Xique Xique. Até os anos 1940, eles ainda podiam ser encontrados na região. No entanto, foram escasseando até acabar de vez. O Rio Paracatu fazia o escoamento das pedras para o porto baiano, em navio de médio porte. Atualmente, o assoreamento consumiu parte da navegação. No lugar de Xique Xique, ficou uma cidade fantasma repleta de ruínas das antigas casas dos garimpeiros. Existe, inclusive, a fama de ser a “Macchu Picchu” brasileira, mas sem o mesmo glamour. Resquícios desta fase áurea podem ser constatados na Galeria Arte&Memória, construída sobre parte dessas ruínas. É um mini-Inhotim, com esculturas ao ar livre, uma pequena galeria de arte, salas de exposição de utensílios da época do garimpo e um café. Somos recepcionados pela guia Val, que nos conta um pouco da história. É necessário pagar uma pequena taxa.
            A beleza do local fora revelada no final de nossa visita, quando Val contou um pouco de sua vida. Apesar de jovem, ela enfrentou uma vida dura para conseguir estudar. Chegava a caminhar 13 km para chegar até a escola. Seu relato foi tão contundente e tão cheio de esperança, que fiquei com os olhos marejados. Ela, com certeza, é um exemplo de gente que luta pelo que quer e não vê obstáculos. E olha que eles são quase insuportáveis em alguns momentos, conforme ela disse. Val sonha em ser museóloga. Para isso, quer ingressar na Universidade de Vitória da Conquita (BA). Que a sua força de vontade permaneça, para que ela alcance seus objetivos. Teremos, com certeza, uma grande profissional.
O centrinho de Igatu é composto por outras construções históricas, muitas destruídas pelo tempo. O casario é muito charmoso. Com as belas bandeirinhas juninas, então, ficou encantador.
            Andaraí é outra cidade da região. Ela não tem os mesmos atrativos históricos de Mucugê ou Igatu. Mas tem lá o seu charme. E a deliciosa sorveteria Apollo, de Dona Apolônia, que vende sorvetes naturais feitos com ingredientes regionais. Fomos lá por causa da Fazenda Marimbus, onde fica o inusitado pantanal da Chapada Diamantina. Trata-se de um grande lago de águas cristinas repleto de espécies comuns às áreas alagadas de Mato Grosso, como vitórias-régias e outras plantas aquáticas. É possível conhecê-lo por meio de um barqueiro-guia, que vai contando os causos da região. O nosso era Genivaldo, um rapaz muito bem humorado, que falou se sua vida, de sua família e das histórias dos turistas que frequentam o local. Em determinada hora, paramos para tomar um banho. Neste local, há uma leve correnteza de água morna, que torna tudo mais agradável.  O céu estava muito azul e refletia nas águas cor de conhaque. As flores e pássaros também foram aparecendo aos poucos, tornando aquele espelho de cristal cada vez mais atraente. Paga-se também uma taxa de visitação.
            Depois desse relaxamento, retornamos para Mucugê, onde curtimos mais alguns preciosos momentos na cidade. Conversamos com moradores e lojistas, almoçamos (e tivemos um longo papo com) da Dona Nena, famosa cozinheira local, adquirimos algumas peças de artesanato e, principalmente, nos deliciamos com a beleza da paisagem. A proprietária de nosso hotel (aliás, com uma recepção encantadora por parte de todos os funcionários) ainda promoveu uma reza em homenagem a São João, que tivemos a honra de ser convidados. Nesses dias, como aconteceu em outras ocasiões, comemoramos o aniversário do Wagner (14 de junho), com uma festa surpresa.
            Antes de irmos embora, fizemos uma bela despedida, visitando o parque do Projeto Sempre Viva, em Mucugê, que tem o objetivo de preservar essas plantas em extinção. Além de um espaço de exposições, o parque oferece caminhadas e várias quedas d´água belíssimas. A flora regional também é encantadora.
Nos dias anteriores, Wagner também teve a oportunidade de fazer um passeio por sete quedas d´águas que, segundo ele, foi maravilhoso (nesse dia, eu preferi descansar um pouco da extenuante temporada de trilhas e caminhadas).
Ficamos muito impressionados com tudo que vimos, com tanta beleza e harmonia. Parece que ali emerge um Brasil que não está na mídia. Que existe, tem esperança, mas não é valorizado. Que tem seus problemas, mas não faz disso um motivo para assumir uma crise. Sabe que isso é fase e que vai passar. É um Brasil ao alcance de todos e de privilegiados, como eu, que pude ver, ouvir, sentir e amar.

Bem, agora partir para encerrar a viagem na capital baiana, em pleno coração do Pelourinho.

Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse.

Mucugê







Matriz de São João Batista









Igreja de Santo Antônio


Cemitério Bizantino







Igatu












Ruínas da antiga Xique Xique

Galeria Arte&Memória



Detalhe de obra exposta na galeria
Wagner (ao lado de Fábio) sopra a vela do seu bolo de aniversário

Pantanal da Fazenda Marimbus




O barqueiro Genivaldo




Andaraí










Parque Projeto Sempre Viva



















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