quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Brasil Profundo 13 - Serra da Capivara

Com as pinturas ruprestres mais conhecidas do parque (foto de Wagner Cosse)
Clique nas fotos para ampliá-las. Fotos de Thelmo Lins

O Brasil – mais especificamente, o Piauí – pode se orgulhar de ter um espaço como a Serra da Capivara. E de uma brasileira, como arqueóloga Niède Guidon, 83 anos, que transformou um sonho gigantesco em uma realidade palpável. Pois o local, que abriga vestígios humanos de mais de milhares anos, com pinturas rupestres esplêndidas, é hoje Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
            Não entrarei em detalhes de como o parque foi descoberto e nem o trabalho hercúleo de Guidon e sua equipe, vencendo todos os tipos de obstáculos, que vão desde o exílio durante a ditadura militar, passando pelo descaso das autoridades para com a sua história e até a falta de verbas. Mas o resultado é surpreendente e de grande poder cultural e social. Além disso, a natureza é exuberante e, nessa época do ano (janeiro), quando recebe algumas chuvas, a vegetação estava verde e abundante.
            O parque está localizado em vários municípios do sul do Piauí, mas o local de melhor infraestrutura é São Raimundo Nonato, cidade desprovida de grandes atrativos. Tivemos (eu e meu companheiro Wagner Cosse) dois dias e meio para conhecer a região. Contratamos um guia, pois não é permitida a visita sem o acompanhamento de uma pessoa especializada. E ele sugeriu um programa que contemplasse um pouco das principais atrações (o melhor é ficar na região de quatro a cinco dias).
            Logo que chegamos a São Raimundo Nonato, dedicamos a nossa tarde para conhecer o Museu do Homem Americano (não é necessário guia para a visitação). É um bom começo para quem quer entender o que significa a Serra da Canastra e sua importância para a história do Brasil e da Humanidade. A exposição é bastante didática, apresentando peças importantes, como os seixos encontrados de uma fogueira de 50 mil anos, além de ossadas, machadinhas e fragmentos de cerâmica milenares. A ponta de um projétil de quartzo, lapidado há 8 mil anos, é a estrela da exposição. Há uma enorme tela de cinema, onde é exibido um vídeo com a grande variedade de pinturas rupestres encontradas na região, chamando atenção para cenas de dança, acasalamento, caçadas e animais. O parque é a maior concentração de sítios arqueológicos do mundo, com mais de 1.200. Deste número, somente 170 estão abertos à visitação.
            A arqueóloga Niède Guidon encontrou, em seus achados, fezes de seres humanos que remontam a mais de 38 mil anos. Nessas fezes, foram encontradas bactérias típicas de regiões quentes e que não sobreviveriam a temperaturas muito frias, como as da Sibéria ou Alasca, de onde os cientistas acreditam ter vindo o povoamento da América, via estreito de Bering. Caso a comunidade científica internacional aceite esta descoberta (há muitas controvérsias sobre o assunto), o próximo passo é descobrir como o Homo Sapiens saiu da África e veio parar aqui. Cruzando os oceanos? De que forma? Embarcações? Ou seja, um mistério que ainda está por ser revelado.
            Partamos, então, para a visitação ao parque. No dia seguinte, já com o guia, fomos conduzidos, na parte da manhã, para o Circuito Sítio do Meio, que tem uma vista panorâmica da Pedra Furada, cartão postal da região. Conhecemos a Toca do Boqueirão e a Toca do Caldeirão do Vilmar. Depois de um delicioso almoço na vila próxima ao parque, partimos para as tocas da Roça do Brás, do Macaco e do Mangueiro. Por fim, terminamos o dia na Pedra Furada e no paredão onde estão as mais notáveis pinturas rupestres.
            No último dia, começamos no Circuito Desfiladeiro, onde estão as tocas do Pajaú, do Inferno, do Barro e a trilha do Baixão da Vaca. Durante o horário de almoço, fizemos as refeições no restaurante do parque, onde está situada a fábrica de cerâmica. Em seguida, partimos para o espetacular Cânion das Canoas e, por fim, o Baixão das Andorinhas. Neste local, presenciamos um espetáculo das aves, que usam as cavernas para repousar durante a noite. Antes de adentrarem o local, realizam malabarismos impressionantes no ar. A velocidade é tanta, que não consegui captar nem mesmo na câmera de vídeo. Ou seja, ficou guardado somente nos sentidos e o coração.
            Vale ressaltar o papel importante de nosso guia, Mauro Lima. Profundo conhecedor da região, incluindo nomes dos animais e das plantas, soube nos repassar as informações necessárias. No final da estadia, logo após a revoadas as andorinhas, ele ainda se mostrou uma pessoa extremamente prática e generosa. Havia caído uma forte chuva, que fez com que várias árvores caíssem sobre a estrada. Munido de seu facão, ele retirou a madeira e facilitou a condução do nosso grupo e de outros visitantes que vinham atrás de nosso veículo.

            As cerâmicas do parque são belíssimas. Elas poder ser adquiridas tanto na fábrica quanto nas lojinhas espalhadas pelas diversas portarias do parque. Em São Raimundo Nonato, há também representações. E foi lá que conseguimos as peças de melhor qualidade. Os preços são os mesmos. 
Bem, agora é hora de descansar um pouco. Foram dias intensos, com muitas caminhadas, subidas e descidas, emoções, calor. A próxima parada, Petrolina e Juazeiro, nas margens do Rio São Francisco. A gente se encontra lá!
No mirante do Baixão da Pedra Furada (foto de Wagner Cosse)

Circuito Sítio do Meio

(foto de Wagner Cosse)





Visual da Pedra Furada


Lagarta comum na região


Placa de sinalização dentro do parque

Toca do Boqueirão


Toca do Macaco


Boqueirão da Pedra Furada


Mocó, animal mais comum do parque

O beijo

Pintura símbolo do parque


Wagner com o guia Mauro

Foto de Wagner Cosse

Com Wagner, na Pedra Furada (foto de Mauro Lima)

Jacu

Mauro mostra a vegetação local


Trilha do Baixão da Vaca




 


Toca do Inferno


Toca do Barro 

Pintura nos seixos

Seixo com pintura delicada





Pintura erótica






Sapo se refresca na água

Cardeal

Cerâmicas





Cânion das Canoas









Foto de Mauro Lima


Baixão das Andorinhas







Repouso enquanto aguardo as andorinhas chegarem (foto de Wagner Cosse)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Brasil Profundo 12 – Oeiras

Na praça, com a catedral ao fundo (foto de Wagner Cosse)
Clique nas fotos para ampliá-las. Fotos de Thelmo Lins

Ao sairmos de Teresina em direção ao Parque Nacional da Serra da Capivara, no sul do Piauí, tínhamos duas opções. A primeira, margeando o rio Parnaíba, fazendo uma parada em Floriano. A segunda, pelo interior do Estado, parando em Oeiras. Fizemos a última opção, quando soubemos que Oeiras é a antiga capital do Piauí e preserva um bem conservado patrimônio histórico.
            Estávamos no 28º dia de viagem, 11 de janeiro de 2017. Rodamos mais de 6.000 quilômetros de carro por Minas, Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará. A temperatura girava em torno de 42 graus. O clima árido deixava os rios secos, mesmo no período considerado chuvoso. O meio ambiente sentia o forte impacto dos desmandos da raça humana, seja pelo desmatamento das florestas ou pela má utilização dos recursos hídricos. Há muito lixo nas estradas, evidenciado a falta de saneamento básico. Apesar de tudo, a beleza arisca da caatinga.
            Oeiras já nos impactou desde o primeiro olhar. Nossa pousada ficava exatamente na praça principal da cidade, onde estão localizados os principais monumentos históricos: a igreja matriz, a prefeitura, o cineteatro, o museu de Arte Sacra e o casario urbano. Ficamos (eu e meu companheiro de viagem, Wagner Cosse) tão encantados, que saímos enlouquecidos pelos quatro cantos registrando tudo em nossas câmeras fotográficas.
            Quando o dia já findava, outra surpresa. O alto-falante da matriz começa a tocar uma Ave Maria diferente na hora do Ângelus. Ao invés da canção de Gounod ou Schubert, ouve-se a voz nordestina de Luiz Gonzaga. Emocionante! As luzinhas noturnas começam a acender e a praça ganha novo brilho.
            A primeira capital do Estado e a mais antiga cidade do Piauí mostra, em seus prédios, toda sua trajetória. É possível ver construções como a Matriz de Nossa Senhora da Vitória, de 1712, de forte influência Rococó; ao Cine Teatro, construído nos anos 1940, inspirado no estilo Art Decó. Nas ruas mais distantes do centro, as marcas do século 21, no meio de ruas bem traçadas.
            Depois de uma noite de descanso, partimos para visitar as principais atrações do local. A primeira parada foi o Palácio dos Bispos, que atualmente abriga o Museu de Arte Sacra. Conduzidos pelo historiador Pedro Dias Freitas Jr., conhecemos o belo casarão, que conta com um expressivo acervo. O historiador contextualizou a importância da cidade e seu papel na história do Piauí. Graças à grande fé da população, Oeiras abriga muitos eventos religiosos, com especial atenção à Semana Santa e a festa do Divino. Foi ele também que nos indicou, na lojinha do museu, o livro “Passeio a Oeiras”, de Dagoberto Carvalho Jr., que é um guia sentimental do município. Por ele, viajamos no tempo, conhecendo personagens e vultos históricos importantes para a compreensão daquele conglomerado urbano. Por acaso, este escritor nasceu justamente na casa onde está a nossa pousada, que é considerada uma das residências mais antigas do lugar.
            Bem do lado do museu, está a catedral dedicada à Nossa Senhora da Vitória, padroeira de Oeiras. Uma igreja sólida, com uma torre inacabada. Seu interior é imponente, com belos altares.
            Contrastando com a igreja, está uma praça totalmente em estilo Art Decó, onde estão o Cine Teatro e a Associação de Comércio, dentre outros prédios. As edificações foram construídas nos anos 40, para dar um impulso econômico e arquitetônico à cidade, que ainda sofria com a perda de seu poder para a nova capital, Teresina. A ideia vingou e, a cada ano, Oeiras retoma a sua importância não sob o aspecto político-administrativo, mas no turismo e na cultura.
            Há outro museu na cidade, criado recentemente, que ocupa o antigo casarão que originalmente era a sede do governo estadual. No sobrado do Major Selemérico, como é chamado, há exposições de artes plásticas e uma homenagem aos negros, em especial à escrava Esperança Garcia, que aprendeu a ler e escrever para denunciar os maus tratos de seus patrões no século 19.
            Visitamos, ainda, as igrejas de Nossa Senhora da Conceição e do Rosário e o mercado. Outro atrativo é a pousada do SESC, que resolvemos conhecer e onde almoçamos.
            A nota triste é a situação dos rios de Oeiras (sendo o principal deles, o Canindé), completamente abandonados à sua sorte, sujos e assoreados. Eles viraram poços de lançamento de esgoto sanitário. Alguns moradores nos disseram que, no passado, eles chegaram a ser navegáveis. Hoje padecem miseravelmente. O que salva o abastecimento local são o grande número de olhos d´água e as represas situadas na região.
            No fim da tarde, resolvemos subir no único morro da cidade – o do Leme, onde está situada a enorme estátua da padroeira. Depois de enfrentarmos mais de uma centena de degraus, chegamos ao belo mirante, de onde apreciamos um espetacular pôr-do-sol. Para coroar, era noite de lua cheia, que nasceu linda por detrás das torres da catedral, tornando inesquecível esta estadia por Oeiras.
            Depois de tantas emoções, era hora de saborear uma periguete, como é chamada a cerveja long neck no Piauí, acompanhada de um bom peixe ou carne de sol. Wagner preferiu uma cajuína. Afinal, estamos também de férias! Viva o Brasil!
            Próxima parada: Serra da Capivara.


Mais informações:
            Ficamos particularmente interessados na Semana Santa de Oeiras, considerada a maior manifestação religiosa do Piauí. Na ocasião toda a população se veste de roxo, criando um tapete de grande intensidade dramática. Na procissão do Fogaréu, realizada somente por homens, todas as luzes da cidade são apagadas e a iluminação é feita somente por lamparinas. A festa do Divino, em julho, também é muito apreciada. Por isso, Oeiras é conhecida como a Capital da Fé.

            Outra atração impressionante é o Congo do Rosário, que não tivemos a oportunidade de ver. Mas, é possível acessar as apresentações no You Tube. Os cantos e danças são muito originais.

Praça das Vitórias, a principal de Oeiras

Museu de Arte Sacra

Catedral de N.Sra. da Vitória

Interior da catedral


Praça Art Decó

Edifício da praça Art Decó





Prefeitura Municipal

Pousada do Cônego, onde nos hospedamos

Interior da pousada

Interior da pousada

Vista noturna da catedral

Restaurante local

Interior do Cine-Teatro

Wagner no Cine-Teatro

No Cine-Teatro (foto de Wagner Cosse)



Praça

Casarão que foi antiga sede do governo municipal e que hoje funciona um museu

Interior do museu



Obra que representa a escrava Esperança

Mobiliário da antiga sede do governo




Mercado



Igreja da Conceição

Wagner e a antiga ponte de pedra, hoje descaracterizada

Na Igreja do Rosário (foto de Thelmo Lins)

Morro do Leme e a estátua de N.Sra. da Vitória

Morro do Leme



Vista parcial de Oeiras

Lua cheia atrás da catedral




Viagem à Colômbia - Parte I - Preparativos

  Em Barichara, com Regina, Simone e Wagner Confira, no final do texto, mais fotos da viagem. Clique nas imagens para ampliá-las Com Simone ...