domingo, 19 de fevereiro de 2017

Brasil Profundo 15 – Petrolina e Juazeiro

João Gilberto e eu, em Juazeiro (BA) (foto de Wagner Cosse)


Dorme o sol à flor do Chico, meio-dia
Tudo esbarra embriagado de seu lume
Dorme ponte, Pernambuco, Rio, Bahia
Só vigia um ponto negro: o meu ciúme

O ciúme lançou sua flecha preta
E se viu ferido justo na garganta
Quem nem alegre, nem triste, nem poeta
Entre Petrolina e Juazeiro canta

Velho Chico vens de Minas
De onde o oculto do mistério se escondeu
Sei que o levas todo em ti, não me ensinas
E eu sou só eu, só eu só, eu

Juazeiro, nem te lembras dessa tarde
Petrolina, nem chegaste a perceber
Mas na voz que canta tudo ainda arde
Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê?

Tanta gente canta, tanta gente cala
Tantas almas esticadas no curtume
Sobre toda estrada, sobre toda sala
Paira, monstruosa, a sombra do ciúme

Clique nas fotos para ampliá-las. Fotos de Thelmo Lins

            A belíssima canção “Ciúme”, de Caetano Veloso, embalava este momento especial de nossa jornada pelo Brasil Profundo. Estávamos (eu e meu companheiro de viagem, Wagner Cosse) chegando a Petrolina e Juazeiro, duas importantes cidades de Pernambuco e Bahia, divididas pelo rio São Francisco. Tudo ali parecia épico.
            Chegamos à noitinha em Petrolina, onde nos hospedamos. A escolha foi ótima: o Orla Guest House, que reservamos pelo Booking. Um hotel bem próximo ao rio, com uma boa vista da região. Seu proprietário é um norte-americano que se encantou pelo Nordeste e deu, aos quartos, nomes de frutos regionais. O nosso era o Pitanga que, por sinal, era muito confortável.
            Recuperamos da viagem cansativa dos dias anteriores com uma boa noite de sono. É bom lembrar que nem sempre conseguimos uma cama agradável nos hotéis em que pernoitamos. Mas, em Petrolina, coloquei meu corpo em dia.
            Depois do café da manhã, fizemos um roteiro para conhecer um pouco de Petrolina e Juazeiro. Tivemos apenas um dia para visitar as duas cidades, um tempo pequeno, considerando que, juntas, elas se transformam em uma conglomerado de mais de quase 600 mil habitantes. Por isso, era necessário aproveitá-lo da melhor maneira possível. Já cedo fomos ao centro de artesanato para conhecer os produtos locais. Encontramos muitas carrancas, dentre outras peças. Alguns escultores ganharam fama recentemente com a novela Velho Chico, da Rede Globo. Comprei peças menores, mais fáceis de carregar. Mas registre tudo que me autorizaram.
            Logo em seguida, caminhamos pelo centro de Petrolina. Visitamos a matriz e caminhamos até o porto. Antes, conhecemos o sebo Rebuliço, do escritor Maurício Ferreira. Ele nos indicou uns livros interessantes sobre a cidade e ainda nos contou algumas histórias locais. Comprei a antologia poética de Chico Pedrosa, um paraibano que viveu em várias cidades nordestinas.
            O próximo passo seria o Bodódromo, área de restaurantes especializada na carne de bode, mas que também oferecia outros pratos regionais. Almoçamos lá e, depois, cruzamos a ponte para conhecer Juazeiro.
            Muita coisa estava fechada nesse início de ano. Principalmente os museus e centros culturais, tanto em Juazeiro quanto Petrolina e em outras cidades que visitamos nessa jornada. Fruto, segundo disseram, da troca de prefeitos. Então, nos contentamos com uma volta pelo centro de Juazeiro, cidade onde encontramos mais edifícios históricos – Petrolina é mais moderna.
            Fizemos uma pequena pausa para o sorvete, pois o calor estava de amargar. Para se ter uma ideia, logo de manhã a temperatura já acusava 34 graus. Na parte da tarde, alcançava aqueles 40 graus que nos fazem derreter à sombra.
            Juazeiro também é a terra de João Gilberto e Ivete Sangalo. Para o cantor bossanovista, foram construídas duas belas estátuas. Uma, de pé, fica em frente ao antigo terminal ferroviário, atualmente desativado. A outra, sentado, tocando violão, fica em uma pracinha à beira do Rio São Francisco, ao lado de uma antiga chalana. Esta embarcação, do século 19, foi adquirida pelo imperador D. Pedro II e serviu, durante muitos anos, na Amazônia, até ser trazida para Juazeiro, onde cumpriu longos anos de passeios turísticos. Aposentada, virou monumento cultural.
            Quando o dia terminava, cruzamos novamente a ponte e fomos aguardar o pôr-do-sol na orla de Petrolina. E ele não nos decepcionou. Encantador, monumental. E exclamo: como o céu do sertão é belo, Vixe Maria! E a canção de Caetano ressoava mais uma vez em minha cabeça.
            No início da noite resolvemos ir ao supermercado local para comprar algumas garrafas do vinho produzido no Vale do São Francisco, com a intenção de trazermos para Minas Gerais. O local se tornou uma referência na produção de uvas e, agora, estão desenvolvendo safras de alta qualidade. Uma das marcas foi premiada, recentemente, como um dos dez melhores vinhos da América Latina.
            No dia seguinte, antes de darmos continuidade à viagem, fomos conhecer o atelier de Dona Ana das Carrancas (1923-2008). A famosa artesã, que criou as carrancas de barro tirado do Rio São Francisco, já faleceu. Mas as filhas e a neta continuam seu legado. Uma história de vida incrível, marcada pela pobreza. Adulta, se apaixonou por José Vicente, um homem cego, que pedia esmolas nas ruas. Casou-se com ele e, juntos, desenvolveram a técnica que hoje é tão apreciada em todo o país. Ainda viva, foi agraciada com a Ordem do Mérito Cultural, a mais importante comenda outorgada pelo Governo Federal para artistas brasileiros. E foi considerada Patrimônio Vivo de Pernambuco. Wagner foi às lágrimas com o relato de sua neta.
            É possível adquirir peças criadas pelas descendentes de Dona Ana, a preços bem razoáveis. As imagens seguem os modelos criados pela matriarca. A título de curiosidade, algumas peças originais estão no museu dedicado à artesã, no Ponto de Cultura que também é sede da oficina e escola de artesanato.
            Saímos de Petrolina, cruzamos a ponte sobre o Rio São Francisco, atravessamos Juazeiro e seguimos viagem. A próxima parada era Mucugê (BA), bem no meio da Chapada Diamantina.

Centro de Artesanato de Petrolina









Wagner com o artesão local

Centro Histórico e Porto de Petrolina












Juazeiro vista de Petrolina


Juazeiro vista de Petrolina




Que tal com coco?

Bodódromo

Ponte que separa Petrolina de Juazeiro, sobre o Rio São Francisco

Juazeiro




Que tal um sorvete para refrescar?



Petrolina vista de Juazeiro

Na orla de Juazeiro


Edifício na orla de Petrolina

Pôr-do-sol em Petrolina



Wagner em Petrolina





Ana das Carrancas






Dona Ana e seu marido José Vicente (foto do museu)

Obra da filha de Dona Ana, exibida na lojinha do museu

Peça à venda na lojinha

Ponto de Cultura Ana das Carrancas

Com as filha e a neta de Dona Ana (foto de Wagner Cosse)

De volta à estrada


Brasil Profundo 14 - Sobradinho

Jovens brincam no Rio São Francisco, na prainha de Sobradinho (BA)
Clique nas fotos para ampliá-las. Fotos de Thelmo Lins

            A expedição Brasil Profundo chega ao seu 33º dia. No dia 16 de janeiro, saímos de São Raimundo Nonato, na Serra da Capivara, Piauí e rumamos em direção a Petrolina (PE). Alcançamos 6.564 km desta viagem, que estamos fazendo de carro, em um Renault Duster, que tem se mostrado um ótimo companheiro de aventura. Na bagagem, além da circulação por sete estados brasileiros, trazemos lembranças fotográficas e artesanais. E muitas histórias saborosas desse intraduzível povo brasileiro.
            No som do carro, um pouco do que há de melhor na música brasileira, com pitadas de trabalhos regionais, que fomos conhecendo ao longo da jornada. E dá-lhe Maria Bethânia, Gal Costa, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Elizeth Cardoso, Fafá de Belém, João Gilberto, a família Caymmi, dentre tantos outros. Ouvimos ainda obras do cancioneiro de Minas Gerais, nas vozes de Ana Cristina, Déa Trancoso, Milton Nascimento. Aproveitamos também para ouvir novamente nossos trabalhos, gravamos por mim e por Wagner Cosse, meu companheiro de viagem. Rememoramos os poemas musicados de Drummond, Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa.
            Depois de encararmos as bem pavimentadas estradas de rodagem piauienses, recebemos o aviso de que, na divisa com a Bahia, as condições não eram as mesmas. Havia, segundo informações, muitos buracos na estrada. Constatamos, na verdade, que nem havia estrada direito. De repente, o asfalto acabou e atravessamos cerca de 45 km de terra, em péssimo estado de conservação. Uma placa anunciava: “Sorria, vc tá cú do Brasil”. É claro que eu registrei.
            O que nos salvou do tédio foi uma inesperada carona. No início desse acidentado trecho, fomos parados por um senhor (achamos até que era da Polícia Rodoviária), que perguntou se poderíamos levar uma senhora até Remanso (BA), a próxima cidade. Ajeitamos nossas coisas no banco de trás do carro e oferecemos um espaço para Dona Nildete Modesto de Moura, 76 anos.
            Passamos uma agradável hora com essa senhora bem humorada, que nos contou muitos causos. Falou do seu dia a dia, da sua família, das viagens que faz e um pouco de sua história. Foi uma diversão. Quando chegamos a Remanso, e retomamos a estrada asfaltada, ela fez questão de nos conduzir a um restaurante de sua preferência, para que pudéssemos almoçar e conhecer o bom tempero local. Dali nos despedimos, sem antes trocarmos os nossos contatos. Ela precisava fazer as compras do mês e voltar para a fazenda, onde o seu pessoal aguardava os mantimentos.
            Foi inevitável, neste momento da viagem, lembrar da canção de Sá e Guarabira: “Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão Arcado, Sobradinho, adeus, adeus...” Estávamos às margens da represa de Sobradinho, no Rio São Francisco. O grande lago de águas azuis inundava toda a região. Na cidade de Sobradinho, onde foi implantada a hidrelétrica (uma cidade planejada), sentamos à beira do rio, onde fica a prainha, para apreciar a paisagem. A tranquilidade daquela segunda-feira, com crianças e jovens se banhando e se divertindo no rio de águas abundantes, foi relaxante. Ao cair da tarde, aproveitamos para flagrar o pôr-do-sol refletido no espelho do lago. Momento em que o tempo parece estancar, abrindo um intervalo para que meditássemos sobre a vida e as belezas que a natureza nos oferece.

            A noite caía quando saímos para Petrolina, a próxima etapa dessa turnê. 


Na rodovia (?) entre Piauí e Bahia

Wagner, Dona Nildete e eu

Represa de Sobradinho, em Remanso (BA)







Área de piscultura em Sobradinho (BA)

Hidrelétrica de Sobradinho (BA)

Pôr-do-sol

Rio São Francisco na prainha de Sobradinho (BA)

Prainha de Sobradinho (BA)

Wagner observa a preparação dos peixes em uma barraca da prainha de Sobradinho (BA)

Viagem à Colômbia - Parte I - Preparativos

  Em Barichara, com Regina, Simone e Wagner Confira, no final do texto, mais fotos da viagem. Clique nas imagens para ampliá-las Com Simone ...