João Gilberto e eu, em Juazeiro (BA) (foto de Wagner Cosse) |
Dorme
o sol à flor do Chico, meio-dia
Tudo
esbarra embriagado de seu lume
Dorme
ponte, Pernambuco, Rio, Bahia
Só
vigia um ponto negro: o meu ciúme
O
ciúme lançou sua flecha preta
E
se viu ferido justo na garganta
Quem
nem alegre, nem triste, nem poeta
Entre
Petrolina e Juazeiro canta
Velho
Chico vens de Minas
De
onde o oculto do mistério se escondeu
Sei
que o levas todo em ti, não me ensinas
E
eu sou só eu, só eu só, eu
Juazeiro,
nem te lembras dessa tarde
Petrolina,
nem chegaste a perceber
Mas
na voz que canta tudo ainda arde
Tudo
é perda, tudo quer buscar, cadê?
Tanta
gente canta, tanta gente cala
Tantas
almas esticadas no curtume
Sobre
toda estrada, sobre toda sala
Paira,
monstruosa, a sombra do ciúme
Clique nas fotos para ampliá-las. Fotos de Thelmo Lins
A belíssima canção “Ciúme”, de
Caetano Veloso, embalava este momento especial de nossa jornada pelo Brasil
Profundo. Estávamos (eu e meu companheiro de viagem, Wagner Cosse) chegando a
Petrolina e Juazeiro, duas importantes cidades de Pernambuco e Bahia, divididas
pelo rio São Francisco. Tudo ali parecia épico.
Chegamos à noitinha em Petrolina,
onde nos hospedamos. A escolha foi ótima: o Orla Guest House, que reservamos
pelo Booking. Um hotel bem próximo ao rio, com uma boa vista da região. Seu
proprietário é um norte-americano que se encantou pelo Nordeste e deu, aos
quartos, nomes de frutos regionais. O nosso era o Pitanga que, por sinal, era
muito confortável.
Recuperamos da viagem cansativa dos
dias anteriores com uma boa noite de sono. É bom lembrar que nem sempre
conseguimos uma cama agradável nos hotéis em que pernoitamos. Mas, em
Petrolina, coloquei meu corpo em dia.
Depois do café da manhã, fizemos um
roteiro para conhecer um pouco de Petrolina e Juazeiro. Tivemos apenas um dia
para visitar as duas cidades, um tempo pequeno, considerando que, juntas, elas
se transformam em uma conglomerado de mais de quase 600 mil habitantes. Por
isso, era necessário aproveitá-lo da melhor maneira possível. Já cedo fomos ao
centro de artesanato para conhecer os produtos locais. Encontramos muitas
carrancas, dentre outras peças. Alguns escultores ganharam fama recentemente
com a novela Velho Chico, da Rede Globo. Comprei peças menores, mais fáceis de
carregar. Mas registre tudo que me autorizaram.
Logo em seguida, caminhamos pelo
centro de Petrolina. Visitamos a matriz e caminhamos até o porto. Antes,
conhecemos o sebo Rebuliço, do escritor Maurício Ferreira. Ele nos indicou uns
livros interessantes sobre a cidade e ainda nos contou algumas histórias
locais. Comprei a antologia poética de Chico Pedrosa, um paraibano que viveu em
várias cidades nordestinas.
O próximo passo seria o Bodódromo,
área de restaurantes especializada na carne de bode, mas que também oferecia
outros pratos regionais. Almoçamos lá e, depois, cruzamos a ponte para conhecer
Juazeiro.
Muita coisa estava fechada nesse
início de ano. Principalmente os museus e centros culturais, tanto em Juazeiro
quanto Petrolina e em outras cidades que visitamos nessa jornada. Fruto,
segundo disseram, da troca de prefeitos. Então, nos contentamos com uma volta
pelo centro de Juazeiro, cidade onde encontramos mais edifícios históricos –
Petrolina é mais moderna.
Fizemos uma pequena pausa para o
sorvete, pois o calor estava de amargar. Para se ter uma ideia, logo de manhã a
temperatura já acusava 34 graus. Na parte da tarde, alcançava aqueles 40 graus
que nos fazem derreter à sombra.
Juazeiro também é a terra de João
Gilberto e Ivete Sangalo. Para o cantor bossanovista, foram construídas duas
belas estátuas. Uma, de pé, fica em frente ao antigo terminal ferroviário,
atualmente desativado. A outra, sentado, tocando violão, fica em uma pracinha à
beira do Rio São Francisco, ao lado de uma antiga chalana. Esta embarcação, do
século 19, foi adquirida pelo imperador D. Pedro II e serviu, durante muitos
anos, na Amazônia, até ser trazida para Juazeiro, onde cumpriu longos anos de
passeios turísticos. Aposentada, virou monumento cultural.
Quando o dia terminava, cruzamos
novamente a ponte e fomos aguardar o pôr-do-sol na orla de Petrolina. E ele não
nos decepcionou. Encantador, monumental. E exclamo: como o céu do sertão é
belo, Vixe Maria! E a canção de Caetano ressoava mais uma vez em minha cabeça.
No início da noite resolvemos ir ao
supermercado local para comprar algumas garrafas do vinho produzido no Vale do
São Francisco, com a intenção de trazermos para Minas Gerais. O local se tornou
uma referência na produção de uvas e, agora, estão desenvolvendo safras de alta
qualidade. Uma das marcas foi premiada, recentemente, como um dos dez melhores
vinhos da América Latina.
No dia seguinte, antes de darmos
continuidade à viagem, fomos conhecer o atelier de Dona Ana das Carrancas (1923-2008). A
famosa artesã, que criou as carrancas de barro tirado do Rio São Francisco, já
faleceu. Mas as filhas e a neta continuam seu legado. Uma história de vida
incrível, marcada pela pobreza. Adulta, se apaixonou por José Vicente, um homem cego, que
pedia esmolas nas ruas. Casou-se com ele e, juntos, desenvolveram a técnica que
hoje é tão apreciada em todo o país. Ainda viva, foi agraciada com a Ordem do
Mérito Cultural, a mais importante comenda outorgada pelo Governo Federal para
artistas brasileiros. E foi considerada Patrimônio Vivo de Pernambuco. Wagner foi às lágrimas com o relato de sua neta.
É possível adquirir peças criadas
pelas descendentes de Dona Ana, a preços bem razoáveis. As imagens seguem os
modelos criados pela matriarca. A título de curiosidade, algumas peças
originais estão no museu dedicado à artesã, no Ponto de Cultura que também é
sede da oficina e escola de artesanato.
Saímos de Petrolina, cruzamos a
ponte sobre o Rio São Francisco, atravessamos Juazeiro e seguimos viagem. A
próxima parada era Mucugê (BA), bem no meio da Chapada Diamantina.
Centro de Artesanato de Petrolina
Wagner com o artesão localCentro Histórico e Porto de Petrolina |
Juazeiro vista de Petrolina |
Juazeiro vista de Petrolina |
Que tal com coco? |
Bodódromo |
Ponte que separa Petrolina de Juazeiro, sobre o Rio São FranciscoJuazeiro |
Que tal um sorvete para refrescar? |
Petrolina vista de Juazeiro |
Na orla de Juazeiro |
Edifício na orla de PetrolinaPôr-do-sol em Petrolina |
Wagner em Petrolina |
Ana das Carrancas
Dona Ana e seu marido José Vicente (foto do museu) |
Obra da filha de Dona Ana, exibida na lojinha do museu |
Peça à venda na lojinha |
Ponto de Cultura Ana das Carrancas |
Com as filha e a neta de Dona Ana (foto de Wagner Cosse) |
De volta à estrada |
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