sábado, 4 de maio de 2024

Viagem ao Chile Parte 3 – Valparaíso

 

Em uma das coloridas ruas de Valparaíso
(foto de Wagner Cosse)

Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse
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Valparaíso abre as portas ao mar infinito, aos gritos das ruas e aos olhos das crianças: tudo ali é diferente. (...) Éramos poetas ou pintores de pouco mais ou pouco menos de 20 anos, e entre aqueles quatro ou cinco viajantes reuníamos uma carga valiosa de loucura inconsequente, que queria transbordar, estender-se, estalar. Valparaíso nos chamava com sua força magnética.” (Pablo Neruda)

 

            A partir do quarto dia, entramos na segunda fase da viagem. Pegamos um ônibus e descemos para Valparaíso, onde ficaríamos mais três dias. A proposta é conhecer a cidade e a região.

            A maioria das agências de turismo de Santiago oferece um bate-e-volta da capital para Valparaíso e Viña del Mar, que dura um dia. O visitante fica aproximadamente três horas em cada cidade, tempo para tirar fotos nos principais pontos turísticos de cada uma delas.

            Sabendo que Valparaíso é uma cidade histórica, a mais antiga do Chile, resolvemos nos fixar por mais tempo, pelo menos um pouco mais além do que oferecem os principais guias.

            Hospedamo-nos no La Loya Hostal que, para nossa felicidade, ficava próximo ao terminal rodoviário, não precisando, portanto, de gastar com taxi ou Uber para nos locomover. Chegamos a Valparaíso no domingo por volta da hora do almoço e a cidade estava bastante movimentada. Estava acontecendo uma feira na avenida Argentina, que ficava na mesma região da rodoviária e do nosso hotel.

            Além das barracas tradicionais, há muitos ambulantes em Valparaíso, que espalham suas mercadorias na calçada. Vendem de tudo: roupas novas ou usadas, utensílios domésticos, eletroeletrônicos, comidas e outras mercadorias. E bem na porta do comércio tradicional.

            Chamou a nossa atenção que, mesmo nos outros dias da semana, este tipo de comércio permanece nas calçadas, sendo que, na porta do Congresso Nacional, há um acúmulo maior de vendedores. O que não deixa de ser estranho, considerando que tudo isso acontece nas vistas dos deputados e senadores do país.

            A sede do congresso foi transferida de Santiago para Valparaíso em 1988, pelo então ditador Pinochet, após 14 anos de regime de exceção. Há opiniões divergentes sobre o porquê dessa transferência, uma vez que Santiago é a capital do país. A descentralização política seria um desses motivos.

 

            No La Joya tivemos algumas boas surpresas. Primeiramente, porque ocupa um antigo casarão e possui um restaurante aberto ao público com boas opções culinárias. A decoração é vintage, realizada com bom gosto. O nosso quarto tinha dois pavimentos, sendo que o primeiro andar possuía uma sacada, com vista para a rua lateral. Os hóspedes podiam usar toda a estrutura da cozinha e da copa para fazer e esquentar seus alimentos, quando precisassem. Ao lado do hotel, havia um shopping e, nele, o supermercado Jumbo, a maior cadeia do país, com muitas opções de lanche e bebidas. A sessão de vinhos era tentadora. Mas o que mais nos atraiu foram os gatinhos Baltazar e Chuque, dois irmãos que eram os mascotes do lugar.    

           

            Valparaíso, fundada em 1543, foi o maior porto do sul do Pacífico até a abertura do canal do Panamá, em 1914. À medida que os navios não precisavam dar a volta no sul da América para alcançar o lado ocidental do planeta, o porto foi perdendo seu status.

            Na orla, chamada de El Plan (por ser a parte plana da cidade) e onde está localizada o porto, há muitos casarões e requintados edifícios que atestam a grande riqueza que circulou pela região. São palacetes majestosos, muitos deles em péssimo estado de conservação. A cidade também sofreu com muitos terremotos e incêndios (alguns deles criminosos), que destruíram muitas dessas edificações. O incêndio mais recente aconteceu em fevereiro de 2024, deixando milhares de pessoas desabrigadas e contabilizando mais de 100 mortos.

            Emuralhando o El Plan estão mais de 40 cerros (ou montes), onde a população mais pobre da cidade se abrigou para fugir dos altos custos de morar nas proximidades do porto. Eles construíram suas casas com madeira e folhas de zinco onduladas, como forma de se precaverem contra os tremores de terra e também por questões econômicas.

            Até o final do século XIX, para alcançar os cerros, os moradores enfrentavam subidas íngremes, algumas delas com centenas de degraus. A partir de 1883, começaram a instalar os funiculares ou ascensores, que ligam a parte baixa à parte alta. O mais antigo deles é o Ascensor Concepción, ainda em atividade. A passagem custa entre 100 e 300 pesos (entre R$ 0,50 e R$ 1,50). Os valores baixos fazem parte de um acordo histórico que prevalece até os dias atuais.

            Pois é a parte mais alta da cidade, em especial nos cerros Concepción e Alegre que estão os bairros mais charmosos de Valparaíso. Eles mereceram o tombamento pela Unesco como Patrimônio da Humanidade. Para melhorar a aparência do zinco, que enferrujava com facilidade por causa da maresia, os moradores começaram a pintar suas casas de tintas coloridas, transformando-os em um festival de cores. A maioria das construções fica em ruazinhas bucólicas ou becos, onde situam-se vários hotéis, pousadas, cafés, restaurantes e casas noturnas. É simplesmente encantador. Pela altitude, há muitos miradores (mirantes) nessa região, de onde se têm belas vistas da cidade. 

            Segundo o guia que nos levou a conhecer alguns pontos de Valparaíso, em um passeio a pé, esses mirantes têm um valor simbólico para a cidade. Por isso, evita-se a construção de edifícios altos próximos à orla, para que a população que vive na parte alta tenha acesso à visão do mar. Neste caso, do Oceano Pacífico.

            O guia também disse que Valparaíso é considerada um referencial da luta democrática do país e de seus moradores saíram muitos heróis da esquerda chilena.  O mais importante deles foi, sem dúvida, o presidente Salvador Allende, de quem já falamos anteriormente. Outra figura emblemática, que tinha uma residência em Valparaíso, foi o poeta Pablo Neruda, outro mito portenho. A casa de Neruda, chamada de La Sebastiana, se transformou em um museu e é aberta à visitação. Infelizmente, não tivemos tempo para fazer esta visita, mas conhecemos outra casa do escritor, sobre a qual escreverei posteriormente.

            La Sebastiana fica em outra parte da cidade, cuja visita é imperdível. Trata-se do Museu a Cielo Abierto, que ocupa a região do Cerro Bellavista. O acesso é pelo Ascensor Espiritu Santo.         O nome é proveniente do grande número de murais existentes nesse bairro, que enfeitam as ruas. Embora muitos deles careçam de restauração, as pinturas são um mosaico de cores e temas que adornam casas que, originalmente, não teriam a mesma importância ou chamariam a atenção do visitante. Inaugurado em 1992, o museu ao ar livre abriga obras de artistas renomados, como Roberto Matta, Mario Carreño, Matilde Pérez, Guillermo Núñez, María Martner, dentre outros.

            Valparaíso tem muitos murais nessa e em outras partes da cidade. No comércio do El Plan, por exemplo, muitas fachadas e portas são pintadas. Às vezes isso só é percebido quando as lojas estão fechadas. Defronte ao nosso hotel, um shopping center mais contemporâneo também aderiu ao costume e mandou pintar um belo mural na parede lateral.

            Pelo que eu pesquisei, a ideia originou em 1960, quando alunos do Instituto de Arte da Universidade Católica de Valparaíso, liderados pelo professor Francisco Méndez Labbé, iniciaram as pinturas. Entre 1960 e 1973, eles pintaram 60 murais na cidade. A ideia prosperou, até que chamou a atenção da Unesco e, hoje, se transformou em um atrativo turístico internacional.

 

            Nos percursos que fizemos em Valparaíso, a maioria deles a pé, também atravessamos a avenida Brasil, enfeitada por duas fileiras de palmeiras imperiais. Edifícios das principais faculdades da PUC-Valparaíso ocupam a via, transformando-a num ponto de encontro dos estudantes. Em um dos pontos também se encontra o Mercado Municipal.

            Passamos também pela Plaza Sotomayor, a principal da cidade, onde está localizado o suntuoso edifício da Armada do Chile, construído em 1910. Ali perto está o relógio Turri, considerando o Big Ben de Valparaíso, inaugurado em 1929. Chama também a atenção o imponente prédio do El Mercurio, o mais antigo periódico ainda em circulação no Chile e em todos os países de língua castelhana. Ele foi criado em 1827.

            Valparaíso vai se descortinando aos poucos, embora muitos guias turísticos de Santiago façam pouco de sua importância histórica. Ressaltam o mau estado dos seus prédios e das ruas, quando a comparam com Viña del Mar, que parece o confronto entre o centro de uma cidade e seu bairro nobre. Como Wagner e eu gostamos de cidades que respiram história e são construídas por muitas vidas e fatos, com certeza, Valparaíso nos fascinou. Ficaria ali mais alguns dias, se tivesse esta oportunidade.

            Encerramos aqui nosso percurso pela cidade e, na próxima postagem, vamos conhecer um pouco de Viña del Mar.


Descendo de ônibus para Valparaíso, com Wagner Cosse

Com um dos gatinhos do hostal La Joya

Avenida Brasil

Mercado

Estudantes da PUC Valparaíso circulam pela avenida

Arco do Triunfo: presente dos ingleses




Plaza Sotomayor

Ascensor Concepción, o mais antigo da cidade

Trolebus

Vista do porto no El Plan

Igreja Matriz

Cerros e Museu a Cielo Abierto



















Crianças brincam no escorregador








Oceano Pacífico visto de um dos mirantes

Wagner observa a paisagem



Centro de Valparaíso: edifícios históricos





Escada simula as teclas de um piano

Cemitério de Valparaíso visto de um dos cerros

















Praça dos Poetas, com estátuta de Gabriela Mistral




Casa decorada com calotas de automóveis


















Chá da tarde em um dos charmosos cafés de Valparaíso



Neruda e eu

No hostal


Relógio Turri

Edifício do El Mercurio

Fonte de Netuno na Plaza Anibal Pinto

Vista noturna do Museu a Cielo Abierto

domingo, 28 de abril de 2024

Viagem ao Chile Parte 2 – Vinícola Alyan e Valle Nevado

 

Fim de tarde na vinícola Alyan, nos arredores de Santiago

Valle Nevado em outono, antes da neve chegar

O segundo dia de nossa viagem começou mal. Havíamos comprado um passeio para conhecermos a região de Cajón del Maipo, incluindo o Embalse (reservatório de água) El Yeso e as Termas de Colina - um parque belíssimo situado na região da Cordilheira dos Andes. Mas, o alarme do relógio não funcionou, dormimos até mais tarde e perdemos o transporte.

            No entanto, a empresa Chilenjoy (www.chilenjoy.com), que organizou o tour, foi extremamente compreensiva conosco e nos ofereceu um passeio substituto, que poderia se fazer período da tarde para a noite.

            Mesmo chateados o acontecimento, acabamos aceitando a oferta e rumamos para a Vinícola Alyan, a aproximadamente 1h30min do centro de Santiago. O pacote envolvia degustação dos vinhos produzidos pela empresa, uma bem servida tábua de queijos e petiscos e um jantar. Tudo isso com direito a um brinde enquanto admirávamos um dramático pôr-do-sol no terraço.

            O tour nos surpreendeu, pois os organizadores foram generosos em todos os serviços. E os vinhos eram muito bons. Diferente de outras vinícolas mais famosas (das quais ouvimos algumas críticas negativas), esta nos ofereceu um atendimento especial e em português, pois a enóloga responsável pela vinícola é carioca e se chama Maira.

            Para chegarmos lá, viajamos em uma van, que comportava 16 pessoas mais o motorista. Doze delas pertenciam a um mesmo grupo, formado por seis casais na faixa de 45-55 anos, que têm hábito de viajar juntos há muitos anos. Por causa disso, ou talvez por falta de um bom “desconfiômetro”, simplesmente ignoraram ou pareceram ignorar a nossa presença e transformaram o caminho de ida numa verdadeira tortura. Bebiam, conversavam alto, reclamavam do motorista (pois um deles quis interromper a viagem – de maneira desrespeitosa, diga-se de passagem - para ir ao banheiro, o que não estava previsto, devido aos horários do passeio), dentre outras chateações. Felizmente, a situação abrandou quando chegamos à vinícola e nos juntamos a outros grupos. No retorno, mais alcoolizados e acalmados, tiveram uma atitude menos invasiva.

            Há muito tempo, Wagner e eu viajamos juntos e nunca passamos por situação parecida. Nos outros passeios que fizemos, felizmente não tivemos os mesmos problemas. Mas, confesso, que quase me arrependi de ter estado ali.

            No balanço final, o resultado foi muito positivo. O lugar, encravado entre as montanhas e com plantações e mais plantações de uvas de diversas características (Cabernet Sauvignon, Carménère, dentre outras), supriu o estresse inicial. Outra característica nos encantou foi o fato de o proprietário nos receber e cumprimentar a todos os presentes individualmente, mostrando seu apreço e receptividade.

            O Cajón del Maipo ficará para uma próxima oportunidade.

 

Valle Nevado


            Ainda em se tratando de agência de viagens e passeios ao crepúsculo, havíamos combinado antecipadamente, com a mesma Chilenjoy, conhecer o Valle Nevado, em um tour que também inclui a observação do pôr-do-sol.

            O vale, que é a principal e mais bem equipada estação de esqui do Chile, fica abarrotado no inverno, com a região totalmente coberta pela neve. Fora desta temporada, os locais são menos frequentados, mas é possível observar as montanhas em suas cores originais, sem o tapete branco característico. É bom ressaltar, no entanto, que determinadas montanhas mantêm seus cumes cobertos de neve durante todo ao ano.

            O local é totalmente dedicado ao turismo e aos esportes de inverno. Hotéis de luxo, restaurantes, cafés, lojas e outros atrativos funcionam a pleno vapor na estação gelada. No outono, época da nossa visita, muitos lugares ficam fechados. A proposta das agências é conhecer a região, que fica a mais de 3.000 m de altitude, para observar as montanhas e assistir ao espetáculo do sol se pondo. Para melhorar o clima, há um piquenique, com vinhos e alguns petiscos no vilarejo de Farellones, que parece um pedaço da Europa encravado no Chile.

            Para chegarmos ao Valle Nevado, enfrentam-se 60 curvas bastante fechadas, num verdadeiro ziguezague, que pode causar um certo enjoo em alguns passageiros. Felizmente, por sermos de Minas Gerais, estamos razoavelmente acostumados com essa geografia. Retornamos ao hotel, em Santiago, já bem tarde da noite.

            Finalizamos aqui esta etapa da viagem e, na próxima postagem, vamos visitar Valparaíso, uma cidade muito especial, Patrimônio da Humanidade, com características peculiares. Até mais!

 

Vinícola Alyan












Maira, a enóloga brasileira

Brinde com Wagner no pôr-do-sol

Jantar com novos amigos







Valle Nevado e Farellones

Cordilheira dos Andes a caminho do Valle Nevado




Pistas de esqui aguardam a neve e a chegada dos turistas de inverno






Wagner e o brinde ao pôr-do-sol de Farellones





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