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Em uma das coloridas ruas de Valparaíso (foto de Wagner Cosse) |
Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse
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“Valparaíso abre as portas ao mar infinito, aos
gritos das ruas e aos olhos das crianças: tudo ali é diferente. (...) Éramos
poetas ou pintores de pouco mais ou pouco menos de 20 anos, e entre aqueles
quatro ou cinco viajantes reuníamos uma carga valiosa de loucura inconsequente,
que queria transbordar, estender-se, estalar. Valparaíso nos chamava com sua
força magnética.” (Pablo Neruda)
A partir do quarto dia,
entramos na segunda fase da viagem. Pegamos um ônibus e descemos para Valparaíso,
onde ficaríamos mais três dias. A proposta é conhecer a cidade e a região.
A maioria das agências
de turismo de Santiago oferece um bate-e-volta da capital para Valparaíso e
Viña del Mar, que dura um dia. O visitante fica aproximadamente três horas em
cada cidade, tempo para tirar fotos nos principais pontos turísticos de cada
uma delas.
Sabendo que Valparaíso
é uma cidade histórica, a mais antiga do Chile, resolvemos nos fixar por
mais tempo, pelo menos um pouco mais além do que oferecem os principais guias.
Hospedamo-nos no La
Loya Hostal que, para nossa felicidade, ficava próximo ao terminal
rodoviário, não precisando, portanto, de gastar com taxi ou Uber para nos
locomover. Chegamos a Valparaíso no domingo por volta da hora do almoço e a
cidade estava bastante movimentada. Estava acontecendo uma feira na avenida
Argentina, que ficava na mesma região da rodoviária e do nosso hotel.
Além das barracas
tradicionais, há muitos ambulantes em Valparaíso, que espalham suas
mercadorias na calçada. Vendem de tudo: roupas novas ou usadas, utensílios
domésticos, eletroeletrônicos, comidas e outras mercadorias. E bem na porta do
comércio tradicional.
Chamou a nossa atenção
que, mesmo nos outros dias da semana, este tipo de comércio permanece nas
calçadas, sendo que, na porta do Congresso Nacional, há um acúmulo maior
de vendedores. O que não deixa de ser estranho, considerando que tudo isso
acontece nas vistas dos deputados e senadores do país.
A sede do congresso foi
transferida de Santiago para Valparaíso em 1988, pelo então ditador Pinochet,
após 14 anos de regime de exceção. Há opiniões divergentes sobre o porquê dessa
transferência, uma vez que Santiago é a capital do país. A descentralização
política seria um desses motivos.
No La Joya
tivemos algumas boas surpresas. Primeiramente, porque ocupa um antigo casarão e
possui um restaurante aberto ao público com boas opções culinárias. A decoração
é vintage, realizada com bom gosto. O nosso quarto tinha dois pavimentos, sendo
que o primeiro andar possuía uma sacada, com vista para a rua lateral. Os
hóspedes podiam usar toda a estrutura da cozinha e da copa para fazer e
esquentar seus alimentos, quando precisassem. Ao lado do hotel, havia um
shopping e, nele, o supermercado Jumbo, a maior cadeia do país, com
muitas opções de lanche e bebidas. A sessão de vinhos era tentadora. Mas o que
mais nos atraiu foram os gatinhos Baltazar e Chuque, dois irmãos que
eram os mascotes do lugar.
Valparaíso, fundada em
1543, foi o maior porto do sul do Pacífico até a abertura do canal do
Panamá, em 1914. À medida que os navios não precisavam dar a volta no sul da
América para alcançar o lado ocidental do planeta, o porto foi perdendo seu
status.
Na orla, chamada de El
Plan (por ser a parte plana da cidade) e onde está localizada o porto,
há muitos casarões e requintados edifícios que atestam a grande riqueza
que circulou pela região. São palacetes majestosos, muitos deles em péssimo
estado de conservação. A cidade também sofreu com muitos terremotos e incêndios
(alguns deles criminosos), que destruíram muitas dessas edificações. O incêndio
mais recente aconteceu em fevereiro de 2024, deixando milhares de pessoas
desabrigadas e contabilizando mais de 100 mortos.
Emuralhando o El Plan
estão mais de 40 cerros (ou montes), onde a população mais pobre da
cidade se abrigou para fugir dos altos custos de morar nas proximidades do
porto. Eles construíram suas casas com madeira e folhas de zinco onduladas,
como forma de se precaverem contra os tremores de terra e também por questões
econômicas.
Até o final do século
XIX, para alcançar os cerros, os moradores enfrentavam subidas íngremes,
algumas delas com centenas de degraus. A partir de 1883, começaram a instalar
os funiculares ou ascensores, que ligam a parte baixa à parte alta. O
mais antigo deles é o Ascensor Concepción, ainda em atividade. A passagem custa
entre 100 e 300 pesos (entre R$ 0,50 e R$ 1,50). Os valores baixos fazem parte
de um acordo histórico que prevalece até os dias atuais.
Pois é a parte mais
alta da cidade, em especial nos cerros Concepción e Alegre que estão os bairros
mais charmosos de Valparaíso. Eles mereceram o tombamento pela Unesco como Patrimônio
da Humanidade. Para melhorar a aparência do zinco, que enferrujava com
facilidade por causa da maresia, os moradores começaram a pintar suas casas de
tintas coloridas, transformando-os em um festival de cores. A maioria
das construções fica em ruazinhas bucólicas ou becos, onde situam-se vários
hotéis, pousadas, cafés, restaurantes e casas noturnas. É simplesmente
encantador. Pela altitude, há muitos miradores (mirantes) nessa região,
de onde se têm belas vistas da cidade.
Segundo o guia que nos
levou a conhecer alguns pontos de Valparaíso, em um passeio a pé, esses
mirantes têm um valor simbólico para a cidade. Por isso, evita-se a construção
de edifícios altos próximos à orla, para que a população que vive na parte alta
tenha acesso à visão do mar. Neste caso, do Oceano Pacífico.
O guia também disse que
Valparaíso é considerada um referencial da luta democrática do país e de
seus moradores saíram muitos heróis da esquerda chilena. O mais importante deles foi, sem dúvida, o
presidente Salvador Allende, de quem já falamos anteriormente. Outra figura
emblemática, que tinha uma residência em Valparaíso, foi o poeta Pablo
Neruda, outro mito portenho. A casa de Neruda, chamada de La Sebastiana,
se transformou em um museu e é aberta à visitação. Infelizmente, não tivemos
tempo para fazer esta visita, mas conhecemos outra casa do escritor, sobre a qual escreverei posteriormente.
La Sebastiana fica em
outra parte da cidade, cuja visita é imperdível. Trata-se do Museu a Cielo
Abierto, que ocupa a região do Cerro Bellavista. O acesso é pelo Ascensor
Espiritu Santo. O nome é
proveniente do grande número de murais existentes nesse bairro, que enfeitam
as ruas. Embora muitos deles careçam de restauração, as pinturas são um mosaico
de cores e temas que adornam casas que, originalmente, não teriam a mesma
importância ou chamariam a atenção do visitante. Inaugurado em 1992, o museu ao
ar livre abriga obras de artistas renomados, como Roberto Matta, Mario Carreño,
Matilde Pérez, Guillermo Núñez, María Martner, dentre outros.
Valparaíso tem muitos
murais nessa e em outras partes da cidade. No comércio do El Plan, por exemplo,
muitas fachadas e portas são pintadas. Às vezes isso só é percebido quando as
lojas estão fechadas. Defronte ao nosso hotel, um shopping center mais
contemporâneo também aderiu ao costume e mandou pintar um belo mural na parede
lateral.
Pelo que eu pesquisei,
a ideia originou em 1960, quando alunos do Instituto de Arte da
Universidade Católica de Valparaíso, liderados pelo professor Francisco Méndez
Labbé, iniciaram as pinturas. Entre 1960 e 1973, eles pintaram 60 murais na
cidade. A ideia prosperou, até que chamou a atenção da Unesco e, hoje, se
transformou em um atrativo turístico internacional.
Nos percursos que
fizemos em Valparaíso, a maioria deles a pé, também atravessamos a avenida
Brasil, enfeitada por duas fileiras de palmeiras imperiais.
Edifícios das principais faculdades da PUC-Valparaíso ocupam a via, transformando-a
num ponto de encontro dos estudantes. Em um dos pontos também se encontra o Mercado
Municipal.
Passamos também pela Plaza
Sotomayor, a principal da cidade, onde está localizado o suntuoso edifício
da Armada do Chile, construído em 1910. Ali perto está o relógio
Turri, considerando o Big Ben de Valparaíso, inaugurado em 1929. Chama
também a atenção o imponente prédio do El Mercurio, o mais antigo periódico
ainda em circulação no Chile e em todos os países de língua castelhana. Ele foi
criado em 1827.
Valparaíso vai se
descortinando aos poucos, embora muitos guias turísticos de Santiago façam
pouco de sua importância histórica. Ressaltam o mau estado dos seus prédios e
das ruas, quando a comparam com Viña del Mar, que parece o confronto entre o
centro de uma cidade e seu bairro nobre. Como Wagner e eu gostamos de cidades
que respiram história e são construídas por muitas vidas e fatos, com certeza, Valparaíso
nos fascinou. Ficaria ali mais alguns dias, se tivesse esta oportunidade.
Encerramos aqui nosso
percurso pela cidade e, na próxima postagem, vamos conhecer um pouco de Viña
del Mar.
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Descendo de ônibus para Valparaíso, com Wagner Cosse |
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Com um dos gatinhos do hostal La Joya |
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Avenida Brasil |
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Mercado |
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Estudantes da PUC Valparaíso circulam pela avenida |
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Arco do Triunfo: presente dos ingleses |
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Plaza Sotomayor |
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Ascensor Concepción, o mais antigo da cidade |
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Trolebus |
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Vista do porto no El Plan |
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Igreja Matriz |
Cerros e Museu a Cielo Abierto
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Crianças brincam no escorregador |
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Oceano Pacífico visto de um dos mirantes |
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Wagner observa a paisagem |
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Centro de Valparaíso: edifícios históricos |
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Escada simula as teclas de um piano |
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Cemitério de Valparaíso visto de um dos cerros |
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Praça dos Poetas, com estátuta de Gabriela Mistral |
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Casa decorada com calotas de automóveis |
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Chá da tarde em um dos charmosos cafés de Valparaíso |
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Neruda e eu |
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No hostal |
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Relógio Turri |
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Edifício do El Mercurio |
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Fonte de Netuno na Plaza Anibal Pinto |
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Vista noturna do Museu a Cielo Abierto |