terça-feira, 14 de maio de 2013

Gondar, a cidade dos castelos

Os castelos de Gondar



É no interior de um país que o povo se revela nas formas originais de seus costumes e hábitos culturais. Pegamos a estrada para Gondar, em uma van, na companhia de nosso guia Asafa e do motorista. Era sábado, dia do mercado, a mais genuína manifestação social dos etíopes. Nas estradas, um trânsito intenso de pessoas, algumas em bandos, outras em grupos familiares, carregando toda a sorte de produtos, como animais, peles, mantimentos, frutas e outras mercadorias.
Parecia uma cena do Êxodo. Multidões às margens da rodovia, com suas vestimentas características, sendo que os homens portavam um cajado, que serve para pastorear os animais e, em outras ocasiões, para se defenderem dos perigos e dos adversários. Em alguns momentos, vêem-se homens e mulheres de vestes brancas participando de rituais que, de acordo com nosso guia, podem ser velórios. Apesar do motivo triste, a cena é de grande beleza estética.
Ao longo de toda a rodovia nos deparamos com flagrantes de rara emoção, como os das mulheres carregando seus bebês nas costas, sorrisos largos, cortes de cabelos exóticos, cânticos coletivos, manadas de carneiros e cabras, construções típicas das pequenas fazendas e muita cor e panos brancos. Caso não soubéssemos das extremas dificuldades porque passa este país julgaríamos que se trata de um dos mais altos índices de felicidade do mundo, considerando a quantidade de sorrisos por metro quadrado.
Talvez seja porque, também, a Etiópia vive uma fase de intenso desenvolvimento econômico, com índices de crescimento médios de 8% ao ano. Pode parecer pouco, considerando a situação de pobreza e de muitas barreiras para serem suplantadas, inclusive os serviços básicos de saúde, educação e saneamento básico, mas já é o suficiente para atrair os olhos vorazes dos empreiteiros chineses e brasileiros, que querem cortar este país de estradas asfaltadas e construir grandes hidrelétricas.
Chegamos a Gondar, atraídos pelos castelos tombados pela Unesco. Eles foram construídos entre 1600 e 1750, num período extremamente próspero do país. A fase áurea foi capitaneada pelo imperado Teodoro, homenageado em várias estátuas espalhadas pelas praças. A cidade foi a capital e o principal centro administrativo do país por centenas de anos.
A Etiópia é o único país da África que não passou por nenhuma colonização europeia. Por isso, talvez, tenha conservado tantas características originais, mas foi invadida em épocas diversas por vários povos, entre eles, os portugueses e os italianos. De Portugal, observamos algumas influências arquitetônicas nos prédios do sítio histórico de Gondar. A história com os italianos é mais recente, do período anterior à Segunda Guerra Mundial. Instalado nos castelos de Gondar, o exército italiano foi bombardeado e vencido pelos ingleses. O triste legado para os etíopes, que não tinham nada a ver com o conflito, foi a destruição de alguns desses elegantes edifícios. Felizmente restaram vários deles para atestar o passado glorioso do país.
Há tantos nomes na árvore genealógica dos soberanos de Gondar, que precisaríamos criar um índice onomástico para melhor identificação daqueles não tão ambientados com essa fase da história do mundo. Para se ter uma ideia, eles remontam à rainha de Sabá e vão até o líder Ras Tafari, no século 20.
A beleza do sítio histórico ganhou uma contribuição excepcional, pelo menos para nós, os visitantes. Por volta das quatro da tarde, o espaço foi literalmente invadido por quatro casamentos. Como disse anteriormente, era sábado. Os noivos, seus familiares, padrinhos e convidados rumam a este local para fazerem as fotos do álbum. E nada mais grandioso do que este cenário de contos de fada.
Junto aos grupos, vários músicos que tocavam a masenqa, um instrumento típico, que visualmente parece uma mistura de rabeca com percussão. O som da única corda, pressionada pelos dedos do músico e pelo arco, produz um som que mexe com os corpos dos etíopes, com ênfase nos ombros, que ganham movimentos arrebatados e extremamente sensuais. Eu até me arrisquei na masenqa, enquanto o Wagner tomava lições de dança com uma das convidadas dos casamentos. Mais tarde, o nosso hotel foi o palco de uma das recepções. E dá-lhe mais danças, só que comandadas por um DJ, que misturava música tradicional com sons eletrônicos. O noivo se revelou um expert no ritmo, dando um show à parte.
Claro que o Wagner também se rendeu, entrando no corpo de baile puxado por um grupo de convidados. Não se trata propriamente de uma dança e, sim, o iscesta (fala-se isquistá),  um ritmo contagiante muito popular na Etiópia.
Dos castelos de Gondar, fomos visitar uma impressionante igreja ortodoxa. Internamente, como em Bahir Dar, o templo era coberto de pinturas maravilhosas. O destaque principal é o teto, único do mundo, com centenas de faces de anjos com olhos arregalados. Segundo a iconografia, representam a proteção dos céus para os homens que frequentam aquele local e são tementes a Deus.
Por fim, Gondar nos reservou mais uma atração, um charmoso castelo do século 18, construído sobre um poço que se transforma em uma enorme piscina. Atualmente desativada, por causa dos problemas de abastecimento enfrentados pelo país, a piscina recebe água em ocasiões especiais, como rituais religiosos. Uma vez preenchida, é disponibilizada à população local, que transforma a oportunidade em uma grande diversão. Eu apelidei o monumento de Castelo da Livinha, em homenagem à minha amiguinha de quatro anos, que vive em Belo Horizonte, e adora estórias de princesa.
É bom - e ao mesmo tempo reconfortante - lembrar que Gondar, além de uma importante cidade histórica, é um dos principais centros universitários da Etiópia, possuindo a maior a faculdade de medicina do país.

Até mais!

Dia do mercado

Homens mercando

Dia do mercado

Mercado

Crianças etíopes

Véus brancos das mulheres etíopes

Wagner mostra fotografia para crianças etíopes

Criança etíope

Velório

Montanha na estrada para Gondar

Criança etíope

Mercado de Gondar

No castelo de Gondar

Sítio histórico de Gondar

Wagner e o guia Asafa, no salão de concertos do castelo de Gondar

Flor que brota das pedras do castelo

Pássaro

Outro detalhe do castelo

Wagner arrisca-se no incesta

Casamento no cenário de contos de fadas

Festa total dos convidados dos casamentos

Eu arrisco tirar um som da masenqa

O pastor da igreja ortodoxa, que celebrou os casamentos

Jovem etíope realiza fotos no castelo

Estilo da garota etíope, convidada para um dos casamentos

Foto para o álbum

Eu e o guia Asafa

O teto da igreja ortodoxa: anjos nos observando e abençoando

Na frente do templo

O castelo da Livinha

Outra do castelo da Livinha



segunda-feira, 13 de maio de 2013

Bahir Dar: a cidade dos monastérios

Confesso que o impacto da primeira impressão que tive da Etiópia me roubou o sono à noite. O que nos esperaria (a mim e ao Wagner, meu companheiro de viagem), nos próximos dias? Temos um roteiro a cumprir, mas sempre somos assaltados pelo inusitado, pela forte ação do homem na natureza e pela profunda e milenar cultura desse país.
Tomamos um avião para Bahir Dar, cidade banhada pelo lago Tana, uma região conhecida internacionalmente pelo grande número de monastérios.  A companhia aérea Etiopian já é por si só uma agradável surpresa. Os voos saem regularmente no horário, com uma precisão suíça.
A chegada a Bahir Dar foi fantástica, pois as principais avenidas estão repletas de belíssimas palmeiras, conferindo-lhe um aspecto imperial.
A cidade, aliás, conserva este passado em algumas construções, principalmente as religiosas.
O outro impacto positivo foi o hotel, o melhor da viagem até agora. Trata-se de um sofisticado spa localizado às margens do lago Tana, com uma infraestrutura impressionante. É claro que aproveitamos um pouco dos benefícios da pousada, com massagens relaxantes, mas isto foi mais tarde. O primeiro programa em Bahir Dar foi um passeio de barco, fazendo a travessia do lago. Como aconteceu das outras vezes, o serviço foi exclusivo para mim e para o Wagner.
O barco aportou num singelo píer, de onde prosseguimos por um caminho montanhoso, mas de fácil acesso. Ao longo da trilha, nos encantamos com árvores frondosas e pequenas lojas de artigos artesanais. O povo etíope, como comentei anteriormente, é de tamanha simpatia, que logo tentamos travar uma difícil, embora saudável, comunicação. A língua oficial é o incompreensível amárico, mas boa parte fala ou pelo menos arranha algumas expressões em inglês.
A proposta era visitar um dos mais famosos monastérios do país, o da Virgem Maria, administrado pela igreja ortodoxa. São mais de 30 espalhados na região de Bahir Dar, que foi um importante centro religioso no passado.
Por fora, o monastério é uma construção circular sem grandes atrativos, o que poderia provocar uma decepção à primeira vista. Mas é na parte interna que esse edifício do século 16 revela toda a sua suntuosidade e justifica o título de patrimônio da humanidade, conferido pela Unesco. Os antepassados legaram ao povo etíope uma obra de arte ímpar, além de um templo religioso de proporções épicas. As imagens não só retratam os principais personagens do cristianismo, mas também as cortes reais, os costumes da época, os preceitos bíblicos, as guerras, conflitos e festas. Um festival de cores e estampas extremamente minuciosas e sofisticadas, com um estilo marcante.
Ao lado do templo encontra-se outra construção de mesmo estilo, só que de menor tamanho, onde são observadas, em uma vitrine, várias coroas cerimoniais de religiosos e reis, que por ali passaram ao longo dos séculos. Apenas uma dessas preciosidades da joalheria etíope já justificaria a existência de um museu no local.
Compramos alguns objetos artesanais, mas os vendedores ainda oferecem café em grãos, sacos de incensos perfumadíssimos e pequenos barquinhos feitos de papiro, que saiu daquela região para o mundo. Neste contexto, vale ressaltar a alegria e a vibração dos comerciantes. Ficamos emocionados com a beleza e a ternura de uma família de mulheres (mãe e três filhas), que nos atenderam com cordialidade e gentileza.
O lago Tana, em Bahir Dar, é de onde nasce o Nilo Azul, um dos afluentes do rio Nilo. Além do misticismo e do peso histórico do caudaloso curso d´água, a sua visão é de grande beleza. As suas margens e pontes são fiscalizadas pelo exército, que restringem até mesmo as fotografias. Fomos registrá-lo em um mirante, de onde se vê boa parte a área central de Bahir Dar.
Vale inserir aqui uma situação vivida por nós no alto desse mirante, resultante - eu acredito - de uma certa histeria que a gente adquire por viver no Brasil, onde ocorrem muitos assaltos, principalmente em lugares ermos. Um grupo de jovens,  com faixa etária ente 16 e 18 anos me abordou. Logo, com meu preconceito, achei que se tratava de um assalto. Até que um deles me pediu licença e anunciou que eles faziam parte de um time de futebol que estava fazendo uma rifa para comprar uma bola oficial. Fiquei com vergonha do meu sentimento, dei uma ajuda para a turma, que ainda quis participar de uma fotografia quando souberam que nós éramos brasileiros, da terra de alguns de seus principais ídolos.
A moeda etíope se chama birr. Com um real, conseguimos comprar aproximadamente nove birr, o que tornam os serviços e compras extremamente vantajosos para nós. Para se ter uma ideia, um jantar completo com entrada e sobremesa sai por 130 birr. Com 2.000 birr, ou seja, um pouco maia de 200 reais, faz-se uma festa numa lojinha de artesanato. As gorjetas nos hotéis e restaurantes não passam de 20 birr. Um jovem engraxate nos cobrou 10 birr para dar um trato em cada par de sapatos. Comprei um xarope egípcio para minha tosse e um vidrinho de álcool (com uma estranha coloração arroxeada) por 40 birr. Um CD sai por 100 birr.
Outra coisa que nos chamou a atenção foram os aeroportos. São extremamente vigiados pelo exército e pela polícia. O passaporte é apresentado, no mínimo, duas vezes. Passamos, também duas vezes pelo scanner e raio-x de bagagens, tirando os sapatos, laptop, tablet, câmeras fotográficas em todas as ocasiões. Numa das vezes quase confiscaram uma fita crepe que carrego par vedar os frascos de xampu e outros líquidos. Segundo a segurança, o adesivo deveria (e acabou sendo transferido) para a bolsa que vai ao maleiro da aeronave.
Bem, após uma boa noite de sono no spa de Bahir Dar, em camas totalmente à prova de pernilongos e outros insetos, que felizmente não nos incomodaram, tomamos um café da manhã dos deuses e rumamos de carro para Gondar, a 180 quilômetros.
Salam!

No barco, no lago Tana, com a bandeira da Etiópia

O monastério da Virgem Maria

Eu e Wagner, com as pinturas do monastério ao fundo

Detalhe do monastério

Wagner observa a beleza pictórica do edifício

Outro detalhe da pintura

Bela família de comerciantes de artesanato, em Bahir Dar

Travessia de família no Rio Nilo Azul

Restaurante em Bahir Dar, debaixo da copa desta belíssima árvore

Wagner e eu curtindo a beleza do lago Tana, debaixo da árvore frondosa

No quarto do hotel-spa de Bahir Dar

Detalhe do hotel de Bahir Dar

Hotel em Bahir Dar: fantástico

Wagner e a piscina do spa
Eu e o Rio Nilo Azul, afluente do Nilo

Wagner e o time de futebol que nos vendeu uma rifa

O lago Tana

No café da manhã do hotel em Bahir Dar

Atendentes do hotel: belos e simpáticos etíopes

Avenida principal de Bahir Dar: palmeira

Dura vida das mulheres etíopes, carregando pedras para construção

Pássaro

Artesanato local

Vendedor exibe instrumento musical etíope

Outro habitante de Bahir Dar

Dura vida: carregando lenha

Habitantes do lago Tana
Eu observo o lago Tana: tranquilidade e beleza
  
A natureza faz sua festa às margens do Tana

Viagem ao Peru - Parte VIII - Machu Picchu

  Conhecendo o esplêndido sítio arqueológico de Machu Picchu (Foto de Wagner Cosse editada por Thelmo Lins) Clique nas fotos para ampliá-las...