sexta-feira, 8 de março de 2019

Na Trilha do Cangaço ou da Resistência 8 – Palmeira dos Índios e os Xucuru-Kariri

Casa de Graciliano Ramos, em Palmeira dos Índios, fechada para visitação (foto de Wagner Cosse)

Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse
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Palmeira dos Índios é um município do centro-norte de Alagoas, com aproximadamente 75 mil habitantes. Historicamente, foi uma das mais importantes cidades do Estado, mas foi perdendo este status ao longo dos anos. Na região original onde o município foi plantado havia inúmeras tribos indígenas, o que originou o seu nome.
            Mas isso está no passado. O nosso interesse em passar por Palmeira atende pelo nome de Graciliano Ramos, um dos maiores escritores brasileiros e, com certeza, o maior nome das letras de Alagoas. Apesar de ter nascido em Quebrangulo, cidade vizinha, Graciliano viveu boa parte de sua vida em Palmeira dos Índios e foi o prefeito da cidade de 1928 a 1930.
            A casa onde morou se transformou em um museu. No entanto, apesar de ter sido realizada uma reforma no local, o imóvel está fechado (segundo informações que tivemos lá) há uns dois anos. Ou seja, frustração total.
            Fora isso, há muito pouco para se ver na cidade, além do museu municipal, denominado Xucurus, que ocupa a Igreja do Rosário. Nele estão, de forma um tanto quanto desordenada, um grande acervo de obras que vão desde peças sacras a objetos doados pela população, como roupas, utensílios, eletrodomésticos, artesanato e até indumentárias indígenas. A sensação é de muita coisa para pouco espaço. Alguns itens, no entanto, são interessantes e os guias do museu são atenciosos.
            A estação ferroviária se transformou em uma biblioteca e os antigos prédios atendem a demandas culturais, como artesanato, atendimento ao turista. Quebrangulo, que fica bem pertinho, tem um ar mais pitoresco, com casinhas coloridas e uma bela estação de trem.
            O que realmente salvou nossa estadia em Palmeira dos Índios foi conhecer a indígena Graciliana Selestino Wakanã, que pertence ao grupo dos Xucuru-Kariri. Gentilmente, ela nos levou às terras de seu povo, onde conhecemos sua família, dentre eles o seu pai, o cacique Manoel Selestino Wakonã. Também fomos ao campo sagrado, onde acontecem os rituais da sua tribo e lá presenciamos uma comovente apresentação de música e dança.
         Almoçamos com seus pais, conversamos sobre seu povo e compramos o artesanato fabricado por alguns dos componentes da tribo. Ouvimos relatos e histórias e até percebemos a preocupação com as invasões de seu território e com o futuro do seu povo, sempre ameaçado.
        No final, agradecemos à generosidade de todos e fizemos o nosso depoimento, reforçando o nosso amor por esses cidadãos que foram os donos de toda essa terra chamada Brasil.
       Para minha alegria, o pajé da tribo, Purinã Wakonã, nos ofereceu uma garrafada de ervas que, segundo ele, tinham poderes curativos para doenças do corpo e da alma.
            Vale ressaltar que, entre União dos Palmares e Palmeira dos Índios, optamos por uma estrada alternativa, que passava por Santana do Mundaú, Chã Preta e Paulo Jacinto. Um determinado trecho, que não era calçado, vislumbramos por momentos a sensação de estarmos de volta às montanhas de Minas, tal a semelhança. Vimos ainda um belíssimo cemitério, todo colorido, que nos encantou, e muitas imagens de Padre Cícero e Frei Damião, muito estimados na região.
            Deixamos Palmeiras em direção a Piranhas, para iniciarmos o roteiro típico do cangaço e seguimos os passos de Lampião e Maria Bonita.


Santana do Mundaú (AL), na estrada para Palmeira dos Índios

Cemitério de Santana do Mundaú

Estrada entre Santana do Mundaú e Chã Preta


Frei Damião, um dos grandes ícones da religiosidade nordestina

Outra escultura do Frei Damião, próxima a Palmeira dos Índios

Capela e santuário dedicados ao Padre Cícero

Pe. Cícero é figura de destaque no altar

Cemitério homenageia Pe. Cícero

Quebrangulo


Palmeira dos Índios

Prédio da prefeitura, onde Graciliano Ramos foi prefeito nos anos entre 1928 e 1930

Catedral de Palmeira dos Índios

Biblioteca municipal na antiga estação ferroviária

Museu Municipal

Museu Municipal ocupa a Igreja do Rosário



Xucuru-Kariri

Wagner experimenta cocar

Wagner veste-se como um membro da tribo

O pequeno indígena

Palmeira dos Índios vista das terras indígenas

Sincretismo religioso

Com Graciliana e suas duas filhas

Área sagrada dos indígenas


O cacique Manoel Selestino

Dança da tribo (detalhe)



O pajé Purinã



Cacique Manoel Selestino

O cacique no pátio sagrado dos Xucuru-Kariri: resistência e tradição

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Na Trilha do Cangaço ou da Resistência 7 – União dos Palmares e Quilombo dos Palmares

Wagner Cosse e eu no Parque Quilombo dos Palmares (foto de Dandara Thaty)

Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse
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Genocídio no Brasil Colonial


            Décimo terceiro dia de viagem e estamos saindo de Maceió rumo a União dos Palmares, no interior de Alagoas. Setenta e oito quilômetros separam as duas cidades e uma rodovia que passa por parte do que restou da Mata Atlântica alagoana.
            Logo no trevo de União dos Palmares vemos o símbolo máximo da cidade: Zumbi, o grande herói, que se transformou em um símbolo da resistência dos afro-brasileiros. Mas não foi ele quem fundou o Quilombo. Quando Zumbi nasceu, em 1655, Palmares já tinha atingido o ápice de seu desenvolvimento, que se deu em 1630.
            Tudo começou com sua avó materna, Aqualtune, uma nobre congolesa. Ela foi capturada e veio ao Brasil na condição de escrava. Foi ela quem iniciou a revolta entre os negros e arquitetou a fuga e a fundação de um reino onde os negros, índios e até brancos pobres pudessem viver em liberdade, cultivando a própria terra e defendendo suas fronteiras. Aqualtune é mãe de Ganga Zumba e avô de Zumbi.
            Ela e seus seguidores escolheram a Serra da Barriga, na Zona da Mata Alagoana na divisa entre Alagoas e Pernambuco, para fundar seu território nos idos de 1580. O complexo era centralizado na Cerca Real do Macacos, onde a maioria dos moradores vivia. É neste local que está a sede do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, inaugurado em novembro de 2007.
            No dia 06 de fevereiro de 1694, após várias tentativas, os grupos armados chefiados pelos bandeirantes Domingos Jorge Velho e Antônio Furtado conseguiram derrotar a resistência dos palmarinos. A maioria dos 5.000 habitantes (uma população equivalente à da cidade do Recife na época) foi morta e decapitada. Zumbi conseguiu fugir e manteve-se escondido por quase dois anos, até que sofreu uma traição por parte de seus companheiros e foi assassinado no dia 20 de novembro de 1695, data em que é comemorado o Dia da Consciência Negra.
            Boa parte dessas informações foi repassada pela guia local Dandara Thaty, uma jovem de 24 anos, mas com uma imensa integração com a história de sua cidade e seu povo. Seus relatos de Palmares nos comoveram. Wagner, que é mais sensível do que eu para determinadas atitudes, chorou em vários momentos do passeio. Parecia que, além de estarmos em território sagrado, pisávamos numa espécie de Auschwitz, o mais célebre campo de extermínio nazista.
            Foi tocante conhecer a gameleira branca, considerada a árvore sagrada dos palmarinos. Ela é representa uma Irôco ou Orixá do Tempo, testemunha ocular da história, com seus mais de 400 anos. Também foi emocionante conhecer os lugares onde aconteceram os rituais e as batalhas, mesmo que eles estejam totalmente diferentes das construções originais, que foram todas destruídas pelos portugueses.
            Conhecemos outros heróis, como Dandara, Acotirene, Adalaquituche, Gana Zona, dentre outros, muitas vezes apagados dos nossos livros de história. Foram eles que, com sua força e resistência, garantiram que novos brasileiros de pele negra ou parda conseguissem garantir sua sobrevivência. Dentre eles, está o professor Abdias do Nascimento, grande referência na preservação da memória do povo afro-brasileiro. Suas cinzas foram nas raízes de um baobá plantado na subida do Morro das Graças, parte mais alta da Serra da Barriga, no dia 13 de novembro de 2011.
            Nossa guia também nos levou além de Palmares. Fomos conhecer os novos quilombos, em especial a comunidade de Muquém, onde vivem os quilombolas de hoje. Dentre eles, mestres artesãos, músicos, dançarinos ou simplesmente trabalhadores do Brasil, que lutam no dia a dia contra a pobreza e a discriminação.
            Em União dos Palmares conhecemos ainda dois museus, dedicados a dois moradores que marcaram a história do município. O primeiro homenageia Maria Mariá (1917-1993), professora, folclorista, historiadora, jornalista, colecionadora e ativista cultural da cidade. Mesmo sendo de família de posses, sofreu preconceito por ser uma mulher à frente de seu tempo. A casa onde morou hoje abriga seu acervo pessoal, com móveis, roupas, utensílios domésticos e obras de arte.
            Outro famoso palmarino é o escritor e poeta Jorge de Lima (1893-1953). A casa onde nasceu abriga uma exposição sobre sua trajetória, em grandes painéis com fotos e textos. Lima é autor, dentre outros, de clássicos da literatura como A Túnica Inconsútil (1938) e Invenção de Orfeu (1952).
            No centro de União dos Palmares, onde antigamente era a o complexo ferroviário, funciona um centro de artesanato, que expõe material de artistas da região.
            Gostaria, antes de terminar este texto, de fazer um agradecimento especial ao professor Helcias Pereira, membro do Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô e assistente técnico da Representação Regional da Fundação Cultural Palmares. Foi o professor que nos indicou a guia Dandara (ele mesmo faz este papel, mesmo morando na capital alagoana), impossibilitado de nos acompanhar. Graças ao seu carinho e generosidade, conhecemos Dandara e, posteriormente, a indígena Graciliana Selestino Wakanã, que nos levou para conhecer um pouco dos hábitos e costumes de seu povo, os Xucuru Kariri. Mas este é o tema para a próxima postagem. Helcias, além de um grande lutador, é uma referência para a cultura alagoana.
            Despedindo dessa cidade, nossa próxima parada será Palmeira dos Índios, também no interior de Alagoas.


Trevo de União. Ao fundo, uma escultura em homenagem a Zumbi


Complexo ferroviário da cidade, onde atualmente funciona loja de produtos artesanais

Antiga estação ferroviária (foto de Wagner Cosse)
Museu Jorge de Lima

Interior do Museu Jorge de Lima

Wagner e eu, ao lado da foto de Jorge de Lima (Foto de Dandara Thaty)

Escultura de Zumbi dos Palmares, no centro da cidade

Santa Maria Madalena, padroeira da cidade

Escola do município

Museu Maria Mariá





Parque Memorial Quilombo dos Palmares

Área principal do museu

Dandara explica quem é quem na formação do quilombo

Uma das árvores sagradas

Buscando as energias positivas da natureza

Réplica do palácio de Zumbi

Local mais alto do palácio, onde os guardas avistavam os inimigos

Banneres que homenageiam negros famosos da cultura brasileira

Wagner ouve as explicações de Dandara

Reprodução das ocas onde viviam os índios palarinos
Mirante ou atalaia, para observar os possíveis invasores

Área que, antigamente, pertencia ao quilombo


Construções do Parque Memorial

Escultura de Ganga Zumba e seu sobrinho Zumbi

Local onde estão as cinzas de Abdias do Nascimento

A gameleira sagrada ou irôco

Lagoa dos Negros

Irôco: testemunha de Palmares


Chuva no parque

Criança observa a chuva dentro de uma das contruções

Dandara

Almoço na região de União dos Palmares

Povoado Quilombola de Muquém





Visitando as artesãs locais

Dandara, Wagner, a artesã D. Irinéia e seu esposo.


Turnê Atacama/Uyuni Parte IV: Salar de Uyuni

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