quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Na Trilha do Cangaço ou da Resistência 7 – União dos Palmares e Quilombo dos Palmares

Wagner Cosse e eu no Parque Quilombo dos Palmares (foto de Dandara Thaty)

Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse
Clique nas fotos para ampliá-las

Genocídio no Brasil Colonial


            Décimo terceiro dia de viagem e estamos saindo de Maceió rumo a União dos Palmares, no interior de Alagoas. Setenta e oito quilômetros separam as duas cidades e uma rodovia que passa por parte do que restou da Mata Atlântica alagoana.
            Logo no trevo de União dos Palmares vemos o símbolo máximo da cidade: Zumbi, o grande herói, que se transformou em um símbolo da resistência dos afro-brasileiros. Mas não foi ele quem fundou o Quilombo. Quando Zumbi nasceu, em 1655, Palmares já tinha atingido o ápice de seu desenvolvimento, que se deu em 1630.
            Tudo começou com sua avó materna, Aqualtune, uma nobre congolesa. Ela foi capturada e veio ao Brasil na condição de escrava. Foi ela quem iniciou a revolta entre os negros e arquitetou a fuga e a fundação de um reino onde os negros, índios e até brancos pobres pudessem viver em liberdade, cultivando a própria terra e defendendo suas fronteiras. Aqualtune é mãe de Ganga Zumba e avô de Zumbi.
            Ela e seus seguidores escolheram a Serra da Barriga, na Zona da Mata Alagoana na divisa entre Alagoas e Pernambuco, para fundar seu território nos idos de 1580. O complexo era centralizado na Cerca Real do Macacos, onde a maioria dos moradores vivia. É neste local que está a sede do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, inaugurado em novembro de 2007.
            No dia 06 de fevereiro de 1694, após várias tentativas, os grupos armados chefiados pelos bandeirantes Domingos Jorge Velho e Antônio Furtado conseguiram derrotar a resistência dos palmarinos. A maioria dos 5.000 habitantes (uma população equivalente à da cidade do Recife na época) foi morta e decapitada. Zumbi conseguiu fugir e manteve-se escondido por quase dois anos, até que sofreu uma traição por parte de seus companheiros e foi assassinado no dia 20 de novembro de 1695, data em que é comemorado o Dia da Consciência Negra.
            Boa parte dessas informações foi repassada pela guia local Dandara Thaty, uma jovem de 24 anos, mas com uma imensa integração com a história de sua cidade e seu povo. Seus relatos de Palmares nos comoveram. Wagner, que é mais sensível do que eu para determinadas atitudes, chorou em vários momentos do passeio. Parecia que, além de estarmos em território sagrado, pisávamos numa espécie de Auschwitz, o mais célebre campo de extermínio nazista.
            Foi tocante conhecer a gameleira branca, considerada a árvore sagrada dos palmarinos. Ela é representa uma Irôco ou Orixá do Tempo, testemunha ocular da história, com seus mais de 400 anos. Também foi emocionante conhecer os lugares onde aconteceram os rituais e as batalhas, mesmo que eles estejam totalmente diferentes das construções originais, que foram todas destruídas pelos portugueses.
            Conhecemos outros heróis, como Dandara, Acotirene, Adalaquituche, Gana Zona, dentre outros, muitas vezes apagados dos nossos livros de história. Foram eles que, com sua força e resistência, garantiram que novos brasileiros de pele negra ou parda conseguissem garantir sua sobrevivência. Dentre eles, está o professor Abdias do Nascimento, grande referência na preservação da memória do povo afro-brasileiro. Suas cinzas foram nas raízes de um baobá plantado na subida do Morro das Graças, parte mais alta da Serra da Barriga, no dia 13 de novembro de 2011.
            Nossa guia também nos levou além de Palmares. Fomos conhecer os novos quilombos, em especial a comunidade de Muquém, onde vivem os quilombolas de hoje. Dentre eles, mestres artesãos, músicos, dançarinos ou simplesmente trabalhadores do Brasil, que lutam no dia a dia contra a pobreza e a discriminação.
            Em União dos Palmares conhecemos ainda dois museus, dedicados a dois moradores que marcaram a história do município. O primeiro homenageia Maria Mariá (1917-1993), professora, folclorista, historiadora, jornalista, colecionadora e ativista cultural da cidade. Mesmo sendo de família de posses, sofreu preconceito por ser uma mulher à frente de seu tempo. A casa onde morou hoje abriga seu acervo pessoal, com móveis, roupas, utensílios domésticos e obras de arte.
            Outro famoso palmarino é o escritor e poeta Jorge de Lima (1893-1953). A casa onde nasceu abriga uma exposição sobre sua trajetória, em grandes painéis com fotos e textos. Lima é autor, dentre outros, de clássicos da literatura como A Túnica Inconsútil (1938) e Invenção de Orfeu (1952).
            No centro de União dos Palmares, onde antigamente era a o complexo ferroviário, funciona um centro de artesanato, que expõe material de artistas da região.
            Gostaria, antes de terminar este texto, de fazer um agradecimento especial ao professor Helcias Pereira, membro do Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô e assistente técnico da Representação Regional da Fundação Cultural Palmares. Foi o professor que nos indicou a guia Dandara (ele mesmo faz este papel, mesmo morando na capital alagoana), impossibilitado de nos acompanhar. Graças ao seu carinho e generosidade, conhecemos Dandara e, posteriormente, a indígena Graciliana Selestino Wakanã, que nos levou para conhecer um pouco dos hábitos e costumes de seu povo, os Xucuru Kariri. Mas este é o tema para a próxima postagem. Helcias, além de um grande lutador, é uma referência para a cultura alagoana.
            Despedindo dessa cidade, nossa próxima parada será Palmeira dos Índios, também no interior de Alagoas.


Trevo de União. Ao fundo, uma escultura em homenagem a Zumbi


Complexo ferroviário da cidade, onde atualmente funciona loja de produtos artesanais

Antiga estação ferroviária (foto de Wagner Cosse)
Museu Jorge de Lima

Interior do Museu Jorge de Lima

Wagner e eu, ao lado da foto de Jorge de Lima (Foto de Dandara Thaty)

Escultura de Zumbi dos Palmares, no centro da cidade

Santa Maria Madalena, padroeira da cidade

Escola do município

Museu Maria Mariá





Parque Memorial Quilombo dos Palmares

Área principal do museu

Dandara explica quem é quem na formação do quilombo

Uma das árvores sagradas

Buscando as energias positivas da natureza

Réplica do palácio de Zumbi

Local mais alto do palácio, onde os guardas avistavam os inimigos

Banneres que homenageiam negros famosos da cultura brasileira

Wagner ouve as explicações de Dandara

Reprodução das ocas onde viviam os índios palarinos
Mirante ou atalaia, para observar os possíveis invasores

Área que, antigamente, pertencia ao quilombo


Construções do Parque Memorial

Escultura de Ganga Zumba e seu sobrinho Zumbi

Local onde estão as cinzas de Abdias do Nascimento

A gameleira sagrada ou irôco

Lagoa dos Negros

Irôco: testemunha de Palmares


Chuva no parque

Criança observa a chuva dentro de uma das contruções

Dandara

Almoço na região de União dos Palmares

Povoado Quilombola de Muquém





Visitando as artesãs locais

Dandara, Wagner, a artesã D. Irinéia e seu esposo.


Um comentário:

Viagem ao Chile Parte 5 – Casa Museu Isla Negra

  Isla Negra, refúgio de Neruda Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha. Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono, entre...