quinta-feira, 17 de março de 2016

Marrocos Parte 7 - Pra lá de Marrakech

Koutoubia, a mesquita de Marrakech (foto de Wagner Cosse)


“Esse papo já tá qualquer coisa / Você já tá pra lá de Marrakech / Mexe qualquer coisa dentro, doida / Já qualquer coisa doida, dentro, mexe (...). É impossível não pensar nesta canção – Qualquer coisa, de Caetano Veloso – quando rumamos para a mais importante cidade turística do Marrocos, que recebe quase três milhões de turistas por ano, a maioria de origem europeia.
            Entre Essaouira, onde estávamos (Wagner Cosse e eu), passamos por 169 km de uma rodovia bem pavimentada, como quase todas que usamos no país. Na estrada, a grande supressa: a árvores de cabras. Ou, vulgarmente, o pé de cabra. Trata-se de árvores de argan, cuja fruta é muito apreciada pelos ovinos, que aprenderam a subir na árvore para satisfazer sua gula. O equilíbrio é tão impressionante, que quem não conhece acha que é montagem. Estivemos lá e vimos ao vivo. Pusemos a foto nas redes sociais e, imediatamente, se transformaram nas fotos mais curtidas de nossa viagem até agora.
            Planejamos ficar dois dias em Marrakech para conhecer um pouco melhor a cidade. No início, confesso, que ela não me encantou. A medina era muito parecida com a de Fez, mas sem sua originalidade. A cor vermelho-ocre, que a caracteriza, já havíamos visto em outras cidades marroquinas. O excesso de turismo (e vejam que fomos fora de temporada, em fevereiro) provoca reações em parte da população local que quer, a todo custo, arrancar um dinheirinho do visitante. Até para pedir informação, eles cobram. Passei pelo constrangimento de solicitar uma informação para me encontrar no labirinto da medina e o rapaz a quem pedi a informação, conduziu-me a um lugar errado só para eu me perder mais ainda. Desta estratégia, surge outro rapaz do nada e começa a explicar o caminho e me guia até o local desejado, mesmo sem meu consentimento. Ao chegar lá, ele quer receber um dinheiro. Fiquei sabendo que eles agem assim. Um dá a informação errada e outro vem para “ajudar” a encontrar o caminho correto. Que chatice! Confesso que fiquei um pouco irritado com isso.
            No primeiro dia fomos diretamente para a famosa praça Jemaa el-Fna, a maior atração local. Fundada em 1.050, seu nome significa “Congregação dos Mortos”, porque ali havia constantes execuções públicas no passado. Com o tempo, foi se transformando no principal ponto de encontro da população local. Atualmente, o burburinho começa logo cedo e prossegue durante todo o dia até a noite. São centenas de vendedores ambulantes, barracas de comidas e bebidas, apresentações teatrais e musicais, gente que adivinha o futuro, que dá conselhos. Ou seja, um turbilhão de atividades constantes. No dia em que estivemos lá, havia até mesmo uma passeata de estudantes reivindicando melhores condições de trabalho, uma vez que mais de 25% dos jovens marroquinos (segundo soubemos) estão desempregados. Almoçamos em um restaurante panorâmico, que nos permitiu ver tudo do alto, de camarote.
            Andar na praça pode se tornar um suplício, se você não leva com bom humor. A todo momento, há um pedinte. Se mirar o foco de sua câmara para um encantador de serpentes, logo vem uma pessoa pedindo dinheiro pela fotografia. Mas, com uma dose extra de paciência, driblamos os inconvenientes.
            Bem perto da Jemaa el-Fna está a mesquita Koutoubia. Depois que a gente tem a oportunidade de ver a mesquita Hassan II de Casablanca, esta parece modesta. Sua importância vem da sua antiguidade e de sua torre ter servido de modelo a várias outras, inclusive a acima citada e a Giralda, de Sevilha. Ela foi construída no século 12. Os jardins que a ladeiam são belíssimos, como são os parques de Marrakech. É incrível o confronto entre a tonalidade das construções, o azul do céu, o verde das palmeiras e das árvores e o branco da cordilheira do Atlas.
            No dia seguinte, caminhamos um pouco pelas ruelas da medina em direção ao portão que dava acesso à Ville Nouvelle, parte moderna de Marrakech. Pouco menos de três quilômetros de caminhada, estávamos no nosso destino, a região do Jardim de Majorelle, outra bela atração local. Ele ficou famoso porque Yves Saint Laurent, o maravilhoso estilista francês, e seu companheiro Pierre Bergé, o adquiriram em 1964 e ali fizeram sua moradia na cidade. O jardim foi criado por Jacques Majorelle, em 1924, com mais de 300 espécies de plantas de cinco continentes, inclusive uma incrível coleção de cactus. Seu cultivo deve-se ao jardineiro Abderzarra Benchaâbane que cuidou dele com muito carinho. Depois de morte de Majorelle, o espaço caiu em decadência até que a Maison YSL o comprou e o restaurou, dando-lhe o atual formato. Há um pequeno monumento em memória do estilista, falecido em 2008.
            Aberto à visitação, ele é muito bem cuidado, com belos recantos e fontes de água. Um lugar tranquilo, que convida à contemplação. No seu interior, está o incrível Museu de Arte Berbere, com utensílios, roupas, joias e imagens da população mais tradicional do Marrocos. Infelizmente, não pudemos fotografar, mas consegui captar na internet algumas imagens (vejam abaixo), que causam grande impacto visual. A visita custa cerca de 120dh por pessoa (aproximadamente 12 euros).
            Voltamos para a parte central de Marrakech. A intenção era conhecer as Tumbas Saadianas, que fica perto da casbá e do mellah (bairro judaico). O local foi construído pelo sultão Ahmed al-Mansour ed-Dahbi, por volta do ano de 1.600, para ser o seu mausoléu. E o fez em grande estilo, como uma luxuosa construção não somente para ele e sua família, como para toda a sua corte. A mais impressionante é a tumba de sua mãe. Mármore italiano, folheados de ouro, estuque decorativo e coloridos mosaicos decoram a obra.
            Para encerrarmos a visita, Wagner propôs que alugássemos uma carruagem e fizéssemos uma volta pela cidade. O condutor ofereceu um passeio de uma hora e meia por 200dh (cerca de 20 euros). Nada mais apropriado. O balanço gostoso daquele veículo, puxado por dois cavalos, passeando por entre avenidas, ruas, jardins e antigas construções foi um bálsamo. No trajeto, paramos uma loja de perfumes e especiarias que eles chamam de herboristerie, uma espécie de farmácia fitoterápica. Era uma profusão de cheiros de aguçar todos os sentidos. Havia remédio para tudo, com o conhecimento herdado dos ancestrais. Se pudéssemos, teríamos comprado um pouco de cada coisa. A esta altura, no final da viagem, o dinheiro já estava escasso.
            Bem, nada como este belo desfecho para nos despedirmos de Marrocos. A viagem no país se encerrava, após 15 dias intensos, onde pudemos conhecer várias regiões, vivenciar diferentes climas e sabores, e nos aprofundarmos nessa cultura tão rica e diversificada.
            De madrugada, rumamos para o aeroporto, de onde pegaríamos o voo para Lisboa, tendo, antes, que fazer uma conexão de quatro horas em Casablanca. Mais esperto, aproveitei a pausa para trabalhar as fotos da viagem, divertindo-me um pouco mais com as lembranças.
            Antes de voltarmos ao Brasil, Wagner e eu pernoitamos na capital portuguesa. Hospedamo-nos em um hotel na avenida Liberdade, a mais bela de Lisboa e um dos meus lugares preferidos. Encontramos novamente com Antônio Coelho, nosso amigo de Montemor-O-Novo, que estava acompanhado pelo professor Antônio Camões. Eles nos levaram, naquela noite, a um concerto inesquecível da cantora Teresa Salgueiro (ex-integrante do Grupo Madredeus), em uma igreja barroca de Lisboa. Gravei um trecho do espetáculo e postei no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=aOwgVv0ZOkE).
            Na manhã do dia seguinte, eles nos levaram à região de Belém, onde comemos os famosos pasteis no café da manhã e, posteriormente, fomos a uma exposição no Padrão dos Descobrimentos. Ela tratava da influência de Portugal nos locais colonizados pelo país, desde o Brasil, passando pela África e Ásia. A exposição teve curadoria do próprio Antônio Camões, que nos acompanhou em todos os setores, mostrando e contando detalhes sobre os objetos expostos. Foi uma deliciosa aula de história. Aproveitamos para subir no monumento e nos deslumbrarmos com a vista privilegiada.
            Bem, agora é hora de arrumar as malas e voltar para o Brasil. Foi um período maravilhoso, vivenciando a impressionante cultura das duas nações - Portugal e, principalmente, Marrocos. Voltamos para o nosso país de origem, que está vivendo uma situação política complicadíssima, num embate entre direita e esquerda, grampos, corrupção e muito ódio. No entanto, ali também estão coisas boas, como nossa família, nossos amigos, a produção artística, nosso trabalho e a sempre renovada esperança de ver o Brasil prosperar.
            E que eu possa sempre contar com a sua companhia, acompanhando minhas vivências pelo mundo afora. Faço isso com muita alegria e vontade de compartilhar! Envie seus comentário e até a próxima!

Clique nas fotos para ampliá-las


Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse



Wagner, eu e as cabras nas árvores de argan



Marrakech


Praça Jemaa el-Fna






























Medina


Café da manhã no terraço do riad



Ville Nouvelle



Jardim Majorelle











No memorial de YSL


Wagner na boutique de YSL

Na boutique
Exposição de vestimentas no Museu de Arte Berbere (foto internet)

Joias berberes (foto internet)

Utensílios berberes (foto internet)





Portal da casbá

Tumbas saadianas










Mesquita da Casbá

Carruagem em Marrakech




Farmácia fitoterápica




Aeroporto de Marrakech

Lisboa


Com Teresa Salgueiro

Mosteiro dos Jerônimos

Fachada do mosteiro



Wagner com Antônio Coelho e Antônio Camões: aula de história

Exposição no Padrão dos Descobrimentos





Imagem feita de chifre de elefante

Batina feita em papel de arroz com fios de ouro

O professor Antônio Camões guia-nos na exposição


Região de Belém



Centro Cultural de Belém

Torre de Belém





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