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Koutoubia, a mesquita de Marrakech (foto de Wagner Cosse) |
“Esse papo já tá
qualquer coisa / Você já tá pra lá de Marrakech / Mexe qualquer coisa dentro,
doida / Já qualquer coisa doida, dentro, mexe (...). É impossível não pensar
nesta canção – Qualquer coisa, de Caetano Veloso – quando rumamos para a mais
importante cidade turística do Marrocos, que recebe quase três milhões de
turistas por ano, a maioria de origem europeia.
Entre Essaouira, onde estávamos (Wagner Cosse e eu),
passamos por 169 km de uma rodovia bem pavimentada, como quase todas que usamos
no país. Na estrada, a grande supressa: a árvores de cabras. Ou, vulgarmente, o
pé de cabra. Trata-se de árvores de argan, cuja fruta é muito apreciada pelos
ovinos, que aprenderam a subir na árvore para satisfazer sua gula. O equilíbrio
é tão impressionante, que quem não conhece acha que é montagem. Estivemos lá e
vimos ao vivo. Pusemos a foto nas redes sociais e, imediatamente, se
transformaram nas fotos mais curtidas de nossa viagem até agora.
Planejamos ficar dois dias em Marrakech para conhecer um
pouco melhor a cidade. No início, confesso, que ela não me encantou. A medina
era muito parecida com a de Fez, mas sem sua originalidade. A cor vermelho-ocre,
que a caracteriza, já havíamos visto em outras cidades marroquinas. O excesso
de turismo (e vejam que fomos fora de temporada, em fevereiro) provoca reações em
parte da população local que quer, a todo custo, arrancar um dinheirinho do
visitante. Até para pedir informação, eles cobram. Passei pelo constrangimento
de solicitar uma informação para me encontrar no labirinto da medina e o rapaz a
quem pedi a informação, conduziu-me a um lugar errado só para eu me perder mais
ainda. Desta estratégia, surge outro rapaz do nada e começa a explicar o
caminho e me guia até o local desejado, mesmo sem meu consentimento. Ao chegar
lá, ele quer receber um dinheiro. Fiquei sabendo que eles agem assim. Um dá a
informação errada e outro vem para “ajudar” a encontrar o caminho correto. Que
chatice! Confesso que fiquei um pouco irritado com isso.
No primeiro dia fomos diretamente para a famosa praça
Jemaa el-Fna, a maior atração local. Fundada em 1.050, seu nome significa “Congregação
dos Mortos”, porque ali havia constantes execuções públicas no passado. Com o
tempo, foi se transformando no principal ponto de encontro da população local.
Atualmente, o burburinho começa logo cedo e prossegue durante todo o dia até a
noite. São centenas de vendedores ambulantes, barracas de comidas e bebidas,
apresentações teatrais e musicais, gente que adivinha o futuro, que dá
conselhos. Ou seja, um turbilhão de atividades constantes. No dia em que
estivemos lá, havia até mesmo uma passeata de estudantes reivindicando melhores
condições de trabalho, uma vez que mais de 25% dos jovens marroquinos (segundo
soubemos) estão desempregados. Almoçamos em um restaurante panorâmico, que nos
permitiu ver tudo do alto, de camarote.
Andar na praça pode se tornar um suplício, se você não
leva com bom humor. A todo momento, há um pedinte. Se mirar o foco de sua câmara
para um encantador de serpentes, logo vem uma pessoa pedindo dinheiro pela
fotografia. Mas, com uma dose extra de paciência, driblamos os inconvenientes.
Bem perto da Jemaa el-Fna está a mesquita Koutoubia.
Depois que a gente tem a oportunidade de ver a mesquita Hassan II de
Casablanca, esta parece modesta. Sua importância vem da sua antiguidade e de
sua torre ter servido de modelo a várias outras, inclusive a acima citada e a
Giralda, de Sevilha. Ela foi construída no século 12. Os jardins que a ladeiam
são belíssimos, como são os parques de Marrakech. É incrível o confronto entre a
tonalidade das construções, o azul do céu, o verde das palmeiras e das árvores
e o branco da cordilheira do Atlas.
No dia seguinte, caminhamos um pouco pelas ruelas da
medina em direção ao portão que dava acesso à Ville Nouvelle, parte moderna de
Marrakech. Pouco menos de três quilômetros de caminhada, estávamos no nosso
destino, a região do Jardim de Majorelle, outra bela atração local. Ele ficou
famoso porque Yves Saint Laurent, o maravilhoso estilista francês, e seu
companheiro Pierre Bergé, o adquiriram em 1964 e ali fizeram sua moradia na
cidade. O jardim foi criado por Jacques Majorelle, em 1924, com mais de 300
espécies de plantas de cinco continentes, inclusive uma incrível coleção de cactus.
Seu cultivo deve-se ao jardineiro Abderzarra Benchaâbane que cuidou dele com
muito carinho. Depois de morte de Majorelle, o espaço caiu em decadência até
que a Maison YSL o comprou e o restaurou, dando-lhe o atual formato. Há um
pequeno monumento em memória do estilista, falecido em 2008.
Aberto à visitação, ele é muito bem cuidado, com belos
recantos e fontes de água. Um lugar tranquilo, que convida à contemplação. No
seu interior, está o incrível Museu de Arte Berbere, com utensílios, roupas,
joias e imagens da população mais tradicional do Marrocos. Infelizmente, não
pudemos fotografar, mas consegui captar na internet algumas imagens (vejam
abaixo), que causam grande impacto visual. A visita custa cerca de 120dh por
pessoa (aproximadamente 12 euros).
Voltamos para a parte central de Marrakech. A intenção era
conhecer as Tumbas Saadianas, que fica perto da casbá e do mellah (bairro
judaico). O local foi construído pelo sultão Ahmed al-Mansour ed-Dahbi, por
volta do ano de 1.600, para ser o seu mausoléu. E o fez em grande estilo, como
uma luxuosa construção não somente para ele e sua família, como para toda a sua
corte. A mais impressionante é a tumba de sua mãe. Mármore italiano, folheados
de ouro, estuque decorativo e coloridos mosaicos decoram a obra.
Para encerrarmos a visita, Wagner propôs que alugássemos
uma carruagem e fizéssemos uma volta pela cidade. O condutor ofereceu um
passeio de uma hora e meia por 200dh (cerca de 20 euros). Nada mais apropriado.
O balanço gostoso daquele veículo, puxado por dois cavalos, passeando por entre
avenidas, ruas, jardins e antigas construções foi um bálsamo. No trajeto, paramos
uma loja de perfumes e especiarias que eles chamam de herboristerie, uma espécie de farmácia fitoterápica. Era uma
profusão de cheiros de aguçar todos os sentidos. Havia remédio para tudo, com o
conhecimento herdado dos ancestrais. Se pudéssemos, teríamos comprado um pouco
de cada coisa. A esta altura, no final da viagem, o dinheiro já estava escasso.
Bem, nada como este belo desfecho para nos despedirmos de
Marrocos. A viagem no país se encerrava, após 15 dias intensos, onde pudemos
conhecer várias regiões, vivenciar diferentes climas e sabores, e nos aprofundarmos
nessa cultura tão rica e diversificada.
De madrugada, rumamos para o aeroporto, de onde
pegaríamos o voo para Lisboa, tendo, antes, que fazer uma conexão de quatro
horas em Casablanca. Mais esperto, aproveitei a pausa para trabalhar as fotos
da viagem, divertindo-me um pouco mais com as lembranças.
Antes de voltarmos ao Brasil, Wagner e eu pernoitamos na
capital portuguesa. Hospedamo-nos em um hotel na avenida Liberdade, a mais bela
de Lisboa e um dos meus lugares preferidos. Encontramos novamente com Antônio
Coelho, nosso amigo de Montemor-O-Novo, que estava acompanhado pelo professor
Antônio Camões. Eles nos levaram, naquela noite, a um concerto inesquecível da
cantora Teresa Salgueiro (ex-integrante do Grupo Madredeus), em uma igreja
barroca de Lisboa. Gravei um trecho do espetáculo e postei no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=aOwgVv0ZOkE).
Na manhã do dia seguinte, eles nos levaram à região de
Belém, onde comemos os famosos pasteis no café da manhã e, posteriormente,
fomos a uma exposição no Padrão dos Descobrimentos. Ela tratava da influência
de Portugal nos locais colonizados pelo país, desde o Brasil, passando pela
África e Ásia. A exposição teve curadoria do próprio Antônio Camões, que nos
acompanhou em todos os setores, mostrando e contando detalhes sobre os objetos
expostos. Foi uma deliciosa aula de história. Aproveitamos para subir no
monumento e nos deslumbrarmos com a vista privilegiada.
Bem, agora é hora de arrumar as malas e voltar para o
Brasil. Foi um período maravilhoso, vivenciando a impressionante cultura das duas
nações - Portugal e, principalmente, Marrocos. Voltamos para o nosso país de
origem, que está vivendo uma situação política complicadíssima, num embate
entre direita e esquerda, grampos, corrupção e muito ódio. No entanto, ali
também estão coisas boas, como nossa família, nossos amigos, a produção
artística, nosso trabalho e a sempre renovada esperança de ver o Brasil
prosperar.
E que eu possa sempre contar com a sua companhia,
acompanhando minhas vivências pelo mundo afora. Faço isso com muita alegria e
vontade de compartilhar! Envie seus comentário e até a próxima!
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