Na fila para entrar no Museu do Prado |
Estou agora sentado em um trem, que parte de Madri para Sevilha. Aqui, relembro algumas passagens do terceiro e quarto dias de viagem, ainda na capital espanhola.
Como havia escrito anteriormente, Madri é uma cidade de prédios belíssimos, pelo menos na parte histórica (não tive a oportunidade de conhecer a parte moderna nesta viagem). Um palacete atrás do outro, com um estilo arquitetônico às vezes rebuscado, que denota certo esplendor. No alto dos edifícios, anjos, corcéis, carruagens, homens sobre bigas, cúpulas.
Nas calles (ruas) ou passeios (paseos), verdejantes bulevares, flores amarelas, rosas, lilazes evocando a chegada da primavera. Embora nos pareça que essas plantas estão ali bem cuidadas durante o ano inteiro, deslumbrando o enorme contingente de turistas que visita a cidade durante o ano inteiro. Vendo essas ruas floridas e arborizadas, tenho vergonha de chamar de bulevar aquelas aberrações de Belo Horizonte.
O primeiro destino é o Museu do Prado, um lugar que eu sempre quis visitar. Ao lado do Louvre, o Prado é considerado uma das maiores e mais impressionantes pinacotecas do mundo. É a pátria de Velázquez, Goya, El Greco, Murillo, grandes mestres espanhóis, e de outros artistas que fizeram a história da arte, como Rafael, Rubens, Ticiano, Rembrandt, Caravaggio, Bosch. Lembrei-me de uma história, enquanto aguardava na longa fila para adquirir os ingressos para o museu. É sobre um crítico inglês que planejou uma ida a este museu, com requintes de uma epopeia. Com o auxílio de um assessor, vendou seus olhos, rumou ao aeroporto, chegando a Madri e, já dentro do museu, tirou a venda para admirar, como se fosse o primeiro e mais virgem olhar do dia, “As meninas”, de Velázquez, considerada por muitos críticos a mais impressionante obra prima da arte ocidental. Para nós, simples mortais, é difícil repetir a façanha, pois se espera uma hora na fila, além de sermos confrontados com um museu inflado por milhares de visitantes. Mesmo sem este vislumbre, pasmei-me defronte desse maravilhoso quadro de Velázquez. Admirei cada detalhe, com uma voracidade e atenção redobradas. Lembrei-me de todas as linhas que li sobre o assunto, focando cada detalhe. Ri ao rememorar a inveja que Carlota Joaquina nutria da infanta Margarida, que se tornou um ícone da arte, ao lado da Monalisa.
Mas ali do lado também havia Goya. Deus do céu, que maravilha! As telas da família real espanhola, a Maja desnuda, as pinturas negras. Cada quadro ressuscitava uma série de emoções e fatos marcantes da história da humanidade.
São tantas e tão impressionantes as obras expostas no Prado, que me vem a expressão “tropeçar em obras primas”. Cada fato ali retratado, a mitologia, as guerras, as personalidades, as cenas bíblicas compõem um acervo fenomenal. Cada autor, com suas pinceladas, nos revela o estilo da época, os maneirismos, as vestimentas. Tudo está marcado por uma fonte inesgotável de vida e força.
Resta-nos, depois dessa impressionante visita, adquirir o Guia do Prado, para ler e apreciar com mais vagar essas maravilhas.
Faço aqui também uma referência ao Café do Prado, onde almocei. Local agradável, comida deliciosa.
Embora pareça que vai sobrar mais energia para realizar outra atividade, uma vez que se pode ficar no museu durante cinco ou seis horas seguidas, lá fora Madri continua a se oferecer aos olhos e ao paladar. Deparamo-nos – eu e o meu companheiro de viagem, Wagner Cosse – com um belo restaurante na parte central da cidade, ao lado da Praça do Sol, o Café La Catedral. Trata-se de um local agradável, onde nos sentimos dentro de um museu. Paella, bacalhau, vinho, salada de frutas e uma deliciosa sobremesa compuseram o cardápio do jantar, já quase beirando onze da noite.
Quando tudo parecia amansar, pedindo mais uma boa noite de sono, caiu uma pequena chuva em Madri, deixando tudo dourado. Parafraseando Woody Allen, no filme “Meia Noite em Paris”, Madri fica também mais bela quando chove.
A bunda de Botero
Outra observação a respeito desse terceiro dia de viagem a Madri é que ele começou com a bunda. Desculpe, mas não tem nada de sexual nessa revelação. Trata-se de uma estátua de Botero, que ornamenta uma praça próxima ao nosso hotel, a Praça Colombo (ou Colón). A rechonchuda mocinha de bronze oferta seu bumbum a todos os transeuntes, que acabam, com o Wagner, se atirando nas formas generosas da estátua.
Aliás, em todas as viagens que faço, sempre surgem personagens engraçados, que ganham sabor e vida ao longo dos dias. Vou criando elementos que conferem a eles personalidades próprias. Quando estive na Europa, em 2010, surgiram várias dessas figuras em Budapeste, Lisboa e Praga. Rolávamos de rir com as histórias que, acredito, não teriam graça se contadas aqui, sem as devidas ligações. Penso que, talvez, quem sabe, isso possa se transformar em um roteiro de teatro. Será? Uma comédia, com certeza, com sabor de um viajante observador pelo mundo afora.
Guernica e o leitão assado
Voltando a Madri, estamos no nosso quarto e último dia de viagem nessa belíssima cidade. O dia amanheceu chuvoso e isso limitou nossas caminhadas. Optamos pelo metrô, que oferta 22 linhas e centenas de estações que percorrem toda a cidade. Facílimo de usar e muito prático.
Rumamos diretamente para o Museu Reina Sofia, que combina com o dia de chuva. Na entrada, me lembrei um pouco das edificações da nossa Praça da Liberdade. As alterações arquitetônicas feitas no prédio antigo para se adaptar a um museu de arte moderna são parecidas com o que se fez em Belo Horizonte. Será inspiração ou coincidência?
Fomos ao Reina Sofia para ver o “Guernica”, de Picasso, obra extraordinária de um gênio da arte mundial. O quadro é acachapante. É denso, emotivo, raivoso, panfletário. As cores, em tons de preto, branco e cinza, saltam da tela, em forma de figuras doloridas, marcadas pela guerra civil de 1936, onde morreram muitas pessoas, principalmente mulheres e crianças. Tudo na tela é angústia e depressão. A curadoria do museu cercou o quadro de filmes, publicações e outros elementos informativos sobre este momento na história espanhola, fornecendo-nos uma base para poder assimilar melhor as cenas dramáticas ali retratadas por Picasso.
O Reina Sofia não é só o “Guernica”, embora esta tela enorme seja suficiente para garantir a nossa visita. Ali também tropeçamos em obras primas de Salvador Dali, Miró e outros expoentes da arte moderna espanhola e ocidental. É inevitável fazer o contraponto entre a arte renascentista/barroca/romântica do Museu do Prado e as propostas desses artistas do início do século 20.
Com a alma alimentada, tratamos de alimentar o corpo. E a atração do dia seria o jantar no famoso restaurante Sobrino de Botin, de 1725, considerado pelo Guinness Book o mais antigo restaurante em atividade do mundo. A mesa para o jantar foi previamente reservada, pois o restaurante também é muito concorrido por sua excelente gastronomia, O cardápio principal não agradaria aos vegetarianos nem aos dietéticos. O carro chefe é um leitão assado, precedido por uma sopa bem calórica. Degustamos aqueles deliciosos petiscos, regados a um vinho tinto de qualidade. O restaurante ainda nos surpreende com um grupo de cantores vestidos à moda antiga, cantando cantigas que parecem medievais. Um regalo, como dizem os espanhóis!
Este é um bulevar madrilenho |
Museu do Prado |
Velázquez e eu |
Prédio da região central de Madri |
Loja de paráguas |
Um Cristo bem impressionante da Praça do Sol |
Delicioso restaurante de Madri |
A decoração é rebuscadíssima |
Wagner e a estátua de Botero |
Wagner e o quadro de Dali |
Obra do Museu Reina Sofia |
Dali no Reina Sofia: não é magnífico? |
Adorei este quadro |
No Sobrino de Botin, o mais antigo restaurante do mundo em atividade |
Cantantes do Botin |
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