Grão Mogol, na visão do artista plástico Rogério Figueiredo |
“Grão
Mogol precisa ser conhecida, visitada, amada e preservada.
É uma cidade bonita,
que não pode mais ficar solteira.
Precisamos nos casar com ela”
Fernando
Brant
A Matriz de Santo Antônio envolta pela bruma |
Foi de um texto do poeta e letrista mineiro Fernando
Brant, publicado no seu livro “Clube dos Gambás”, que Grão Mogol me chamou a
atenção pela primeira vez. Eu já tinha ouvido falar desta cidade encravada no
norte de Minas, com seus pés fincados na Serra do Espinhaço, nos braços do Vale
do Jequitinhonha. Mas as palavras de Brant me deram o estímulo para, agora, empreender esta viagem.
Tirei alguns dias para visitar a cidade, de carro, a
partir de Belo Horizonte. A viagem é longa. São quase 600 km de distância. É
novembro, mês chuvoso, e a estrada revela o ar de primavera através dos belíssimos
flamboyants floridos. Por todo o trajeto, eles chamam a atenção na paisagem, em tonalidades que iam do laranja ao vermelho.
Apesar de um trecho terrível na BR-251, logo após a
saída de Montes Claros, onde a gente fica espremido entre centenas de
caminhões, a chegada a Grão Mogol é de tirar o fôlego. Os últimos 53 quilômetros,
trafegados em uma rodovia estadual bem pavimentada, tem um visual maravilhoso
da Serra do Espinhaço, ou Serra Geral, como também é conhecida. É um majestoso bloco
montanhoso, formado por rochas pontiagudas, cachoeiras que despencam do alto
dos morros e um consistente conjunto florestal. O clima úmido transformou esta
região, naturalmente mais seca, em um tapete de inimagináveis tons de verde.
Grão Mogol tem aproximadamente 15 mil habitantes. Foi
descoberta há três séculos graças aos diamantes da Serra de Itacambiraçu. Eram
diamantes miúdos, apelidados de Olhos de Mosquito, mas garimpados às toneladas com uma dose cavalar de bravura. O início, como quase toda a história do Brasil, foi de lutas sangrentas,
justiça feita à bala e facão e uma desmedida ambição somada a muita esperança.
Esta história, com depoimentos muito comoventes de seus mais antigos moradores,
historiadores e pesquisadores, foi retratada no documentário “De grão em grão”,
criado por um grupo gestado na Oficina de Produção de Cinema e Vídeo daquela
cidade, com o patrocínio do Ministério da Cultura. É o que chamo de educação patrimonial: um verdadeiro relato sobre a coragem desse povo.
A localidade está nascendo
para o turismo. O Hotel Paraíso das Águas, onde fiquei hospedado, é a melhor
opção. O hotel é um empreendimento corajoso, tem uma boa estrutura, um
restaurante com opções deliciosas e uma gerente, Diná, que elabora ótimos roteiros. Possuiu uma área de lazer, que foi pouco usada devido à insistente garoa. Mas a cidade também oferece outras
pousadas e a hospedagem solidária, que é a possibilidade de passar alguns dias
na casa de um morador da cidade, usufruindo do aconchego e da atenção bem
característicos do povo graomogolense. Além, é claro, de saborosas quitandas, como bolos, biscoitos e pães. Da próxima visita, pretendo experimentar este tipo de hospedagem.
Foi no município que conheci o simpático
Paulinho, o guia para os passeios sugeridos pelo hotel. Paulinho é ciclista.
Criou o grupo Ciclistas do Cerrado, que promove trilhas de bike pela região. De
tanto vasculhar aquele território tão rico pela biodiversidade, aprendeu um
pouco sobre a flora e a fauna, estudou a história, a mineralogia e a arqueologia, bebeu na fonte dos mais velhos e dos mestres para se consolidar como uma espécie de porta voz
de Grão Mogol. Ele foi, para mim, a síntese do graomogolense: atencioso, gentil, generoso e solidário. Ama a sua cidade com uma devoção que
emociona a todos que convivem com ele. Neguinho, corpo magro, cabelinho tipo Bob Marley e boca escancarada de sorriso. Hoje, ser um guia turístico se
transformou numa séria opção profissional, pois quase todo fim de semana tem um
grupo de pessoas ávidas para conhecer a região, em um estilo de turismo mais
voltado para a aventura.
Centro histórico
Por meio da condução de
Paulinho que percorri os caminhos de Grão Mogol. Primeiramente, numa visita ao
centro histórico, que tem como principal destaque a Matriz de Santo Antônio,
toda construída em pedra. Recentemente restaurada com recursos do governo
estadual, a igreja está novinha em folha. De pedra, também, é a charmosa capela
do Rosário e vários casarões da cidade, como a Casa de Cultura e a Loja
Maçônica. O belíssimo solar de Élcio Pimenta, boa praça e contador de
histórias, também é de pedra. É dele o principal restaurante de Grão Mogol,
onde provei o saboroso suco de coquinho verde, uma espécie de primo do pequi. Boa parte das casas foi coberta, durante um certo tempo, por alvenaria. Mas o povo descobriu que a fachada de pedra era o diferencial da cidade e, aos poucos, os moradores foram retirando o reboco e assumindo as formas originais, que hoje encantam e surpreendem os visitantes.
A Rua Direita, tombada pelo
patrimônio histórico municipal, exclusiva para pedestres, é outro atrativo de
Grão Mogol. Nela concentram-se o comércio, alguns bares e restaurantes e órgãos
públicos. Todos eles com a característica das construções coloniais brasileiras.
Ali trombamos com as figurinhas carimbadas da cidade, que muitas vezes puxam
aquela conversa de mineiro, ao pé do ouvido, cheia de sutilezas e referências.
Causos engraçados, às vezes dramáticos, mas que consolidam a tradição do lugar.
Visitei, ainda a loja dos artesãos locais, aonde pude verificar a qualidade e a
elaboração da produção local. Algumas peças já estão expostas em várias feiras
brasileiras e comercializadas por grandes redes, como a Tok Stok.
Outra construção que chama a atenção
e vem atraindo um grande número de turistas ao município é o presépio de
tamanho natural, encravado em uma pedreira no centro da cidade. Sonho
concretizado do sociólogo e economista Lúcio Bemquerer, de 73 anos, que bancou
todo o projeto, orçado em cerca de R$ 500 mil. Trata-se de um dos maiores
presépios naturais do mundo e está concorrendo a um espaço no Guinness Book.
Segundo os atenciosos guias da atração turística, por lá passaram 20 mil pessoas
desde sua inauguração no final de 2011.
Atrativos naturais
Embora o centro histórico de Grão
Mogol tenha sido a razão pela qual eu fui àquela cidade, o grande deslumbramento
da região está área rural, formada por parque, trilhas, cânions, cachoeiras
e paisagens impressionantes.
O Parque Estadual de Grão Mogol, por
exemplo, foi criado por causa da diversidade da flora local. Em especial
um tipo de cáctus – o belíssimo Discocactus horstii – só encontrado por ali. O parque tem acesso reservado, pois ainda carece de seu plano de
manejo. Numa visita autorizada a uma ínfima parte do terreno, contabilizei
dezenas de tipos de flores, orquídeas, árvores, pássaros e borboletas (estas
cobriam uma parede inteira da guarita). A visão mais esplendorosa foi
a de um pequizeiro em flor, que estava vestido de gala para receber a nossa
visita. Foi, com certeza, uma das mais belas árvores que eu vi em toda a minha
vida. Tudo lindo: caule, folhas, frutos e, principalmente, as flores, com suas
hastes que lembram grandes bigodes de gato. Arrebatador!
Grão Mogol oferece outras opções de lazer, como a praia do Vau, com sua
igrejinha de pedra e a areia branquinha, a cachoeira do Mirante e o balneário
do Córrego das Mortes. Tem os impressionantes cânions do Ribeirão do Extrema e do
Rio Itacambiraçu, cujas pedras vão do branco até o negro, passando por todas as
tonalidades de amarelo, laranja e vermelho. Há pinturas rupestres, grandes
pedras que parecem esculturas de animais e, principalmente, uma
fantástica quantidade de plantas, formando extensos e complexos jardins. Os cáctus
são um caso à parte, tamanha diversidade de tipos, cores e formatos. Canelas de
ema aos montes, com flores brancas e
lilazes. Orquídeas de várias tonalidades, algumas crescendo no chão, como capim
no mato. Algumas florinhas tão minúsculas e delicadas, que passariam despercebidas
não fossem suas cores e formas tão belas.
Moela da galinha
De acordo com a lenda, que é contada
de boca em boca pelos moradores de Grão Mogol, especialmente aqueles mais
antigos, muito diamante foi retirado daquela região desde o século 18. Ainda
tem muito para explorar, dizem alguns, pois a extração naquela época era feita
pelo garimpo manual, sem auxílio dos sofisticados equipamentos utilizados
atualmente pela mineração. Como os diamantes são pequeninos, é possível
encontrá-los em qualquer lugar. É costume do povo, quando vai matar uma galinha
para cozinhá-la, verificar se não há nada na sua moela. Até galinha come
diamante em Grão Mogol, pensando que é ração.
Hoje Grão Mogol respira ares
esperançosos de melhoria em sua economia, uma vez que há robustos projetos de mineração de
ferro na região, capitaneados por grandes empresas do ramo. É perto dali a
represa de Irapé, um audacioso investimento do setor hidrelétrico. O sinal de alerta também está aceso, para o caso da preservação ambiental. A população, percebe-se, está dividida politicamente, querendo mudanças na condução
administrativa do município, ainda presa a valores ultrapassados. A internet,
que vem sendo usada como uma ferramenta de mudança, ainda é artigo de luxo e de
difícil acesso. Não há jornais publicados na cidade e existe apenas uma oferta
de telefonia celular. A cultura local sofre com pouco ou nenhum acesso a
patrocínios e melhores condições de exibir seu trabalho. Não soube de nenhum cantor que houvesse gravado um CD, por exemplo. Não há livrarias e a
banca de revista, durante os dias em que estive na cidade, ficou fechada quase
todo o tempo. Soube que há um grupo de seresta e manifestações folclóricas, que
não estavam em atividade nos dias em que lá estive. Paulinho, o guia, me contou
que viu chegar na cidade vários instrumentos musicais, que podem sugerir a
formação de uma corporação musical ou de ensino de música nas escolas. Fica
para uma futura confirmação. Outra notícia boa é a situação da saúde local: o hospital parece ser bem equipado, com atendimento prestativo.
Mas a semente está lançada. Há vida
pulsando em cada esquina. E, se depender de empreendedores e sonhadores, como
Diná e Paulinho, e de inquietos como Élcio Paulino e os produtores do documentário
sobre Grão Mogol, a cidade irá buscar na substância de seu glorioso passado a
base para a construção de um futuro promissor, que germina do turismo, da sua
natureza exuberante e de seu povo carismático.
Alegria e tristeza
Na volta para Belo Horizonte, optei
por fugir das agruras da BR 251, passando por um caminho alternativo, que
incluiu no roteiro as cidades de Botumirim e Leme do Prado. Na primeira cidade, visitei o centro de
artesanato Laços e Fios. Fiquei impressionado com a qualidade das peças, quase
todas feitas de tecidos bordados. Acabei adquirindo algumas imagens de santos e
um belo estandarte de Santa Teresinha. Vi uma cachoeira caindo das montanhas do
lugarejo, mas as artesãs me disseram que havia muitas outras ainda mais
bonitas, pois ali é um paraíso natural. Mais adiante, em Leme do Prado, atravessei de balsa o Rio
Jequitinhonha, dentro da represa de Irapé. No caminho, a visão de Diamantina com suas belas montanhas de pedra antes chegar a Belo Horizonte.
Minas Gerais é um estado de imensa
potencialidade. Fico, quase sempre, tão alegre quanto triste com esta
constatação, uma vez que tenho este hábito de me embrenhar pelo interior, especialmente em localidade pouco visitadas e às vezes até esquecidas das principais rotas turísticas. A alegria é pela beleza desse território, com sua rica culinária,
sua arte de altíssimo nível. A tristeza vem sensação de que boa parte disso é desperdiçada pela inércia, pela burocracia e pelos descasos
dos administradores públicos, nem sempre antenados nas reais necessidades do povo. Cumpro aqui o meu modesto papel de revelar e divulgar todas as belezas que vejo e sinto por aí. Viva!
Saiba
mais:
Flamboyants embelezam a estrada |
Hotel Paraíso das Águas |
Centro Histórico
Interior da Matriz de Santo Antônio |
Capela do Rosário |
Casa de Cultura |
Centro histórico: rua Direita |
Rua Direita à noite |
Casarão de Élcio Paulino |
Piso das ruas principais |
Praça da matriz |
Presépio: imagem de Maria e Jesus |
Pedras de diversas tonalidades
No carro, com o guia Paulinho
Estrada rural: confronto com a natureza em sua forma mais plena
Artesãs de Botumirim: obras de arte
Bordado criado pelas artesãs de Botumirim
Cachoeira na região de Botumirim
Travessia de balsa no Rio Jequitinhonha (represa de Irapé)
Visual de Diamantina, vista da rodovia
Mais uma vez obrigada, por suas descobertas e seu compartilhamento.
ResponderExcluirAgradeço a gentileza e gostaria que você enviasse seu nome e contato. Abraços, Thelmo Lins
Excluiré... Grão Mogol é mesmo encantadora!!! tenho orgulho de morar aqui e desfrutar de tudo isto!!! amei as fotos e ótimo texto parabéns Thelmo, seja sempre bem-vindo a Grão Mogol!!!!
ResponderExcluirViva Grão Mogol, Keila. As fotos estão fazendo um grande sucesso nas redes sociais! Abraços
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