|
No Parque Nacional do Caparaó, em Minas Gerais |
Alto Caparaó é um nome que poucos
conhecem. Mas trata-se de uma pequena cidade mineira, na divisa com o Espírito
Santo. A fama da cidade deve-se, principalmente, ao Pico da Bandeira, terceira
maior montanha do Brasil, com 2.892 metros de altitude (abaixo apenas do Pico da
Neblina, com 2.993m, e do Pico 31 de Março, com 2.972m). Pela facilidade do
acesso e, principalmente, pela natureza que circunda a montanha – preservada no
Parque Nacional do Caparaó – ela se tornou um grande e movimentado atrativo
turístico. No feriadão de 15 a 18 de agosto de 2013, embrenhei-me (juntamente
com meu parceiro de aventuras, Wagner Cosse) para conhecer a região, com o
intuito de fazer a famosa escalada noturna até o alto do pico.
Hospedamos no Caparaó Parque Hotel
que, segundo o Guia Quatro Rodas, é o melhor da região. Fundado em 1979, o
hotel tem um estilo meio antiquado. Ao longo dos anos, e de diversas
administrações, foi incorporando várias novidades e criando, no entorno, uma
série de serviços que melhoraram sua qualificação. Um ótimo restaurante
(Estância Gourmet), um café (Cacau Bandeira) e, em breve, uma pizzaria, todos
da mesma administração.
O serviço do hotel deixa a desejar.
Ficamos no chalé 39, que foi um pouco decepcionante. As dependências são muito
simples e sem muito conforto. Deve haver quartos melhores, mas estavam todos
ocupados. A piscina térmica estava com uma temperatura muito baixa, assim como
a sauna (eu não experimentei, mas Wagner fez esse comentário, juntamente com
outros hóspedes). Como o frio estava intenso, o programa não agradou muito.
O café da manhã é bom, com muita
variedade. A senhora que cuida do serviço é simpaticíssima e tem sempre um
sorriso e um afago para cada visitante. Os atendentes também são muito
calorosos e simpáticos. O hotel também dispõe de sala de jogos, uma varanda com
lareira e até um home teather.
Os grandes atrativos, no entanto,
são a localização e, principalmente, o jardim. É possível vagar ali por várias
horas, contemplando as inúmeras espécies de plantas e flores, cuidados carinhosamente
por Dona Leda e uma turma de jardineiros. Mesmo ela confessando que o jardim já
viveu dias melhores, o local é extremamente agradável e apaziguador. Várias
fontes, brinquedos e até uma capelinha deixam o local mais encantador ainda.
Além do hotel, Alto Caparaó tem
pouco a oferecer. Na loja do Juninho, que comercializa artigos para os
caminhantes e aventureiros (barracas, lanternas, luvas e outros apetrechos), tem
sempre um bom papo e algumas dicas importantes de como explorar bem o passeio. Fizemos
lá algumas compras e alugamos materiais necessários para o nosso trekking. O
restaurante Mineirão (acho que é este o nome), localizado nas proximidades da
matriz, tem uma comida caseira e saborosa, com baixo custo. Achamos engraçado,
entre os inúmeros pôsteres pregados na parede do restaurante, um que fazia uma
representação do céu e do inferno. No inferno, havia um teatro... Ou seja...
Ali perto, é possível saborear um delicioso alfajor e até visitar lojinhas
especializadas em artesanato local, entre elas uma dedicada somente a
utensílios de palha.
A cidade cresce desordenadamente e eu
tive a impressão de que seus moradores não ligam muito para o turismo. Está
mais voltada para a agricultura, pensei, pois as terras altas são muito férteis
e quase todas as áreas são cultivadas. Digo isso, porque há pouco ou nenhum
cuidado com praças e jardins. As ruas são estreitas e o casario não tem muita
beleza. É chocante a comparação entre as belas montanhas que a circundam com as
construções sem graça onde habitam seus moradores.
A joia da coroa é o parque nacional.
Ele está localizado a menos de dois quilômetros do nosso hotel. Pode-se entrar
de carro até a Tronqueira, que fica mais ou menos a seis quilômetros da
portaria principal. No caminho, muito íngreme, avistam-se paisagens
maravilhosas. Há um pequeno mirante para parar e contemplar a natureza.
Nos dias em que estivemos em Alto
Caparaó, o tempo deu uma reviravolta. Nuvens pesadas invadiram todo o céu,
deixando a temperatura baixa, resultado de uma frente fria que invadiu parte do
sudeste do Brasil. Havia, também, muita neblina, o que nos desencorajou a subir
a montanha nos primeiros dias. A conselho dos mais experientes, entre eles um
jipeiro que é funcionário do hotel, do dia 17 para 18 de agosto a temperatura
estaria melhor para enfrentar a subida ao pico. E ficamos muito satisfeitos
quando vimos o céu estrelado, com uma bela lua quase cheia apontando no
horizonte. Durante o dia, o sol também apareceu, fortalecendo nosso espírito
aventureiro.
A caminhada rumo ao Pico da Bandeira
começou, para nós, às 21h30. Foi o horário que entramos de automóvel no parque
(ele fecha às 22h). Cada visitante paga uma taxa de R$ 11, mais R$ 6 (por
pessoa) para deixar o carro durante a noite no estacionamento. Municiados de
muitos agasalhos (eu estava com três casacos, sendo um deles com capuz, e até
uma meia comprida debaixo da calça), além de cachecol e lanternas, começamos a
primeira etapa da caminhada. Ao todo, são 9,6km. A primeira parte, 3,7
quilômetros, é mais suave. As lanternas e o clarão do luar nos ajudavam a
enfrentar a trilha, demarcada por uma série de estacas de madeira pintadas de
cor verde ou amarela.
A primeira etapa termina no Terreirão.
Trata-se de uma grande área, com construções simples (uma casa de pedra e outras
de alvenaria, que servem como administração do parque e banheiros) e muitas
barracas. Boa parte dos caminhantes prefere passar uma parte da noite no local
e, às 3 da manhã reiniciar a segunda e mais pesada fase da caminhada, com o
objetivo de chegar ao topo do pico antes do sol nascer. O grande atrativo é, justamente,
a observação da aurora em um dos pontos mais altos do país.
De acordo com os guardas,
havia cerca de 400 pessoas no parque naquela noite para fazer o percurso.
Infelizmente, é um programa para poucos e fortes, pois o parque tem pouquíssima
estrutura para atender bem aos visitantes. Os banheiros são imundos e, segundo
me disseram (não ousei experimentar, considerando o frio que estava sentindo),
a água do chuveiro é gelada. O local não oferece nenhum conforto. Um pedaço de
chão (úmido, diga-se de passagem) era disputado. Muitos, como nós, tentamos
dormir ao relento, com uma leva garoa e, é claro, o barulho das pessoas
chegando e saindo, nos incomodando o tempo todo.
Wagner e eu achamos melhor, então,
ao invés de tentar descansar ali por algumas horas, reduzir o tempo da parada e
continuar a subida para chegar ao topo mais cedo. Vários outros caminhantes
tiveram a mesma ideia e fomos, pela bem demarcada trilha, enfrentar os outros quase
seis quilômetros. Retomamos a caminhada pouco depois da meia noite. O esforço da
caminhada é triplicado pela baixa temperatura, pelo alto grau de dificuldade da
segunda etapa da trilha, pela neblina, pela umidade e, por fim, pelo cansaço.
Driblamos uma boa parte desses problemas com muito humor, até que, na fase
final, a umidade se intensificou, passando de um leve orvalho para uma chuva
fina. Isso fez com que nossas roupas ficassem completamente molhadas, os passos
mais lentos e a visualização mais difícil.
Resistentes e bravos, alcançamos o
alto do pico, avistando primeiramente uma estátua do Cristo Redentor e uma
torre de ferro, que lembra um pouco essas torres de telefonia celular. Como a
neblina estava muito intensa e o vento, cortante, mal víamos a paisagem. Era
por volta de três da madrugada.
Por sugestão do Juninho (da loja de
artigos para trekking), compramos uma barraca de emergência, feita de alumínio,
que foi a salvação. Enrolamos-nos debaixo daquela lona prateada, lembrando perus
preparados para ir ao forno, e ficamos ali tilintando de frio e apavorados com
a rigorosa força da natureza. E ventava e esfriava e pingavam fortes gotas de
água. Demos os braços e as mãos para, num esforço de sobrevivência, tentar recuperar
o calor do corpo. Comecei a mexer os dedos dos pés e das mãos que, apesar de
bem cobertos, pareciam ao relento. A intenção era não congelar e, assim, perder
os movimentos. E fugir da cãimbra. O ar rarefeito pela altitude também nos
deixava mais ofegantes.
Toda hora notávamos novos grupos
chegando, apavorados com o frio e a ventania. Viramos alvo de inúmeras fotografias.
Devíamos estar hilários com aquela capa de alumínio. Um rapaz quase sentou na
nossa barraca (ou seja, em nós), nem imaginando que ali pudessem estar
abrigados dois seres humanos. Ao ver nossa indignação, começou a bradar: é
gente que está aqui debaixo! Wagner começou a recordar o filme sobre os
sobreviventes dos Andes. Não era neve, mas a sensação térmica era quase isso.
Um outro rapaz, que carregava um termômetro, anunciou que estávamos a cinco
graus abaixo de zero. Será?
A administração do parque, na minha
opinião, comete outro erro. Não existe um local decente para abrigar o turista.
Numa situação extrema, como a que vivemos, a única saída é segurar a barra até
o sol nascer ou então descer tudo de novo, ou seja, quase 10km para se abrigar
num local mais quentinho que, no caso, seria o nosso carro. Como não podem ser
acesas fogueiras, restam-nos enfrentar as forças da natureza, sem teto.
O dia clareou de maneira
decepcionante. Ao invés do belo nascer do sol que a gente vê nas fotografias,
somente neblina e garoa. A temperatura estava no limite do desespero. Até para
fotografar tínhamos dificuldade, pois a câmera estava repleta de gotículas de
água e com o visor embaçado. Além disso, tirar as mãos das luvas era um exercício
de extrema coragem. Mesmo considerando que as luvas estavam também molhadas e
frias. Nossa barraca de alumínio foi doada para uma senhora que ameaçava ter
uma hipotermia.
Somente de madrugada conseguimos
avistar o cruzeiro que assinala o alto do Pico da Bandeira. Obviamente, coberto
de uma espessa camada de névoa. Nada de sol e de paisagens montanhosas. Somente
a cerração e os nossos vultos. O que, também, teve sua beleza. Pedimos emprestada uma
bandeira do Brasil a um grupo de jovens paranaenses que estava ali pelo mesmo
objetivo e tiramos fotos para comprovar nossa aventura. Ainda que não tenhamos
apreciado a paisagem, como queríamos.
A descida foi menos penosa, com
direito a outra alteração no clima e na paisagem. Coisa que, comecei a crer,
fazia parte dos jogos manipulados pelo instável pico e duas montanhas
assistentes. O sol deu as caras iluminando a paisagem e abrindo nossos
sorrisos. Esquentando um pouco também nossos agasalhos umedecidos.
Por volta das 7 da manhã, alcançamos
novamente o Terreirão, de onde tiramos da mochila frutas e sanduíches, que foram
preparados pelo nosso hotel, e fizemos, ali, nosso café da manhã. Ainda ventava
muito. O breve descanso foi penoso para o Wagner. Ao se levantar para dar
continuidade ao percurso de volta ao estacionamento (ou seja, quase quatro
quilômetros de descida), ele começou a sentir os joelhos. Teve muitas
dificuldades para caminhar e, em alguns momentos, tive que apoiá-lo para que
conseguisse enfrentar as pedras mais altas e as trilhas mais difíceis.
Ao chegar de volta ao hotel, por
volta de 10 e meia da manhã, tomamos banhos e relaxamos. Dormimos um sono
pesado. Poucas horas depois, tínhamos que enfrentar os 330 quilômetros que
separam Alto Caparaó da capital mineira, onde vivemos.
Na memória, ficará a imagem do enfrentamento de um
grande desafio, aquele que o corpo humano, na sua limitação, tem de enfrentar sozinho,
sem nenhuma ajuda, a não ser da sua própria consciência e de uma determinada
dose de tranquilidade do espírito. Alcançar o topo, com nossos próprios pés, enfrentando
todas as nossas limitações de corpo e dealma. Voltei renovado, embora mais dolorido,
sabendo que terei essa aventura como um referencial para toda a minha vida.
Repriso, neste texto, a reflexão
sempre insistente para pensar e desenvolver um turismo mais profissional para o
Brasil. Precisamos de mais qualificação em todos os setores, do turismo de
aventura ao receptivo dos hotéis e pousadas. Estamos ficando cada vez mais
exigentes e não podemos continuar com o modelo vigente no país, que mortifica
muito o viajante com estradas ruins, infraestruturas debilitadas e
administrações regidas mais por interesses políticos, destituídas de
conhecimento, criatividade e habilidade para a criação de uma nova etapa para
essa importante área de nossa economia. Até mesmo para quem gosta do inusitado e
até quer mesmo passar por todo tipo de dificuldade em sua aventura, a
precariedade do Parque Nacional do Caparaó para receber os visitantes chega a
ser irresponsável. Infelizmente muitos turistas não estavam aptos a recomendar
o passeio, contra todas as maravilhas que podem ser observadas naquela rincão
do país.
Alheio a tudo isso, o Pico da
Bandeira continua lá nos provocando com sua beleza e sua plenitude. E,
confesso, que gostaria de ver o sol nascer ali, com toda a majestade e
imponência. Avistar, do alto daquela preciosa montanha, a luz das estrelas, o
lumiar das várias cidades vizinhas e até uma réstea do azul do mar, a mais de
100 quilômetros adiante... É, quem sabe, eu não volto ali para completar esse
sonho, impondo-me um novo desafio.
Fotos de Thelmo Lins e Wagner Cosse.
|
Chalés do hotel |
|
Fachada do hotel |
|
No restaurante Estância Gourmet |
|
Uma deliciosa refeição |
|
Café |
|
No hotel: excelentes dependências |
|
Wagner na varanda, com lareira: convite à leitura
Jardim do Hotel |
|
Dona Leda e o ipê amarelo: ela cuida do jardim e plantou, somente em um ano, mais de 1500 mudas de ipês |
|
Capela |
|
Brincando no banco de cisnes |
|
Jaqueira |
|
Wagner se apaixonou com as flores de diversas tonalidades |
|
Não lembram cisnes? |
|
O céu limpo e a lua nos convidando para a aventura no parque
Parque Nacional do Caparaó |
|
Entrada do parque |
|
No mirante: montanhas e mais montanhas |
|
Wagner, no início da caminhada ao topo do Pico da Bandeira |
|
Imagem de nossos colegas de caminhada |
|
Frio intenso no alto do pico. Mal se vê o Cristo Redentor, que teve suas mãos decepadas por raios.
O pico não tem pára-rio... Socorro!!! |
|
Wagner vibrando, apesar dos cinco graus negativos |
|
Eu, tentando posar para a foto. Reparem, à direita, a nossa barraca de emergência de aluínio. Nesta hora, ela estava sendo usada por uma senhora que estava morrendo de frio... |
|
Wagner pegunta: cadê o sol? |
|
Um grupo se aproxima do cruzeiro, símbolo do Pico da Bandeira |
|
Este é o Wagner!!! |
|
Wagner e a bandeira do Brasil |
|
Sou eu... com a bandeira e muuuuuito frio! |
|
Na trilha, com as estacas de madeira sinalizadoras |
|
Molhado, cansado, mas sorridente... |
|
De repente, a natureza se mostra arrebatadora |
|
Os pequenos seres humanos e as imensas montanhas |
|
Wagner e eu comemorando a vitória sobre a adversidade |
|
Uma das trilhas do parque: graus de dificuldade variados |
|
Detalhe da igreja matriz de Alto Caparaó e as montanhas que circulam a cidade |
|
Cenário de Alto Caparaó |
|
Nos arredores de Alto Caparaó |
Observações finais:
Como podem observar, subimos o Pico da Bandeira sem a ajuda de guias. Fizemos isso porque o parque estava muito cheio e havia centenas de visitantes fazendo a mesma trilha. Além disso, as trilhas são bem sinalizadas, com boa visão, mesmo no período noturno, em que tivemos que contar com o auxílio de lanternas e do clarão da lua. Os guias costumam cobrar 180 reais para fazer o serviço. O preço é para o máximo de 4 pessoas. Além disso, jipeiros oferecem o transporte até a Tronqueira, onde os carros ficam estacionados, pelo preço de 150 reais. Eles podem ser contratados na recepção dos hotéis e pousadas.
Saiba mais sobre o parque, acessando o site: http://www.icmbio.gov.br/parnacaparao/guia-do-visitante.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário