segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Viagem ao Peru - Parte VI - Cusco

 

No Mirante de San Cristóbal, com uma bela vista do
centro histórico de Cusco (foto de Wagner Cosse)

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Amanhecemos em Cusco. Nosso hotel estava bem localizado, a menos de um quilômetro da Praça de Armas, a principal da cidade, o que nos facilitou conhecer os principais atrativos. Nesta praça pulsa a vida do local, com restaurantes, lojas, cafés e alguns dos seus principais monumentos, como a catedral metropolitana e a Igreja da Companhia de Jesus.

A antiga capital do império inca tem uma população atual de aproximadamente 500 mil habitantes. É uma cidade cosmopolita, com um impressionante turismo internacional. Está situada a 3.400 metros acima do nível do mar. Por isso, algumas pessoas que chegam ao Peru e desembarcam diretamente na cidade sentem o “mal da altitude”, que é a sensação de falta de ar. Nosso hotel (como outros tantos da cidade) mantém uma mesinha, com o chá de coca e o chá de muña, para combater ou amenizar este desconforto. Como nós (Regina, Wagner e eu) estávamos viajando há vários dias pelo Peru e já havíamos enfrentado altitudes maiores, a sensação foi minimizada.

Algumas curiosidades a respeito de Cusco:

1)      O nome é proveniente da palavra quéchua Qusqu ou Qosqo, cujo significado é “centro” ou “umbigo”, devido à sua localização elevada e por centralizar uma extensa rede de caminhos que conectavam todos os países que faziam parte do Tahuantinsuyo ou Império Inca.

2)     Segundo o site “Peru Travel”, alguns “historiadores afirmam que o traçado urbano da antiga cidade de Cusco foi feito no formato de um puma. De acordo com a cultura inca, este animal, juntamente com o condor e a serpente, constituía uma trindade sagrada em homenagem ao céu, à terra e ao mundo dos mortos, respectivamente. Embora atualmente seja quase impossível observar isso devido à crescente urbanização da cidade, acredita-se que a cabeça do puma fica na fortaleza de Sacsayhuamán; o coração, na Plaza de Armas, e a cauda no majestoso Templo del Coricancha.”

3)     A bandeira do município lembra muito a do movimento lgbtqiapn+. No entanto, ela é anterior ao movimento, pois foi criada em 1973. Ao centro do “arco-íris”, existe o emblema do Império Inca.

 

Existe um documento, denominado Boleto Turístico del Cusco, que funciona como um passaporte para visitar a cidade e a região. Com o custo de 130 soles (setembro de 2024), é possível conhecer 16 atrações turísticas, dentre os principais sítios arqueológicos, museus e monumentos históricos. Ele tem a validade de 10 dias.

O que vou narrar a seguir aconteceu em dois dias em que estivemos na cidade. Um sob a organização de uma agência local e outro por nossa conta.

Tínhamos um percurso a cumprir pelo Vale Sagrado dos Incas e o primeiro local a ser visitado foi Sacsayhuaman, sítio arqueológico localizado a dois quilômetros de Cusco. A “cabeça” do puma é um dos mistérios incas, pois impressiona o formato de zigue-zague das muralhas e o encaixe perfeito das rochas, algumas delas com cinco metros de altura e 350 toneladas! Nada foi usado para dar liga às pedras, além da lapidação humana. Dizem alguns estudiosos que foram necessários 20 mil operários para construí-la.

Outros acreditam que Sacsayhuaman pudesse ter sido uma fortaleza militar, o que é contestado por alguns arqueólogos. Há uma série na plataforma Netflix, denominada “Revelações Pré-Históricas – As Américas”, estrelada pelo escritor e jornalista britânico Grahan Handock, cujo episódio 03 da segunda temporada aborda os mistérios desse monumento, com novas revelações. Vale a pena conferir, pois os mistérios continuam a provocar espanto nos pesquisadores.

A segunda etapa de nosso tour foi Q'enqo, seis quilômetros de Cusco. Este nome foi dado pelos espanhóis, que não sabiam a denominação original dos incas. Na língua quéchua quer dizer “labirinto”. Ali poderia ter sido um local de sacrifícios durante as cerimônias em honra do sol, da lua e das estrelas. Existe um altar e canais esculpidos nas rochas, que sugerem ter sido um santuário ou um anfiteatro criado para eventos ligados a atos religiosos.

Puka Pukara e a Tambomachay foram as próximas visitas. O primeiro significa “forte vermelho”, em quéchua. Poderia ter sido uma parada para descanso ou um forte militar, não se sabe ao certo. Ali existem praças, salas, mirantes e aquedutos. Já Tambomachay é definido como um local para enaltecer a divindade da água, devido aos seus nichos e suas fontes naturais.

Todos esses locais demonstram a excelência dos incas no tratamento de suas construções em pedra, no calçamento de suas estradas e em seu tino arquitetônico. Os posicionamentos dos templos não são aleatórios. Eles têm sentidos sagrados, de acordo com os rituais que eles respeitavam e seguiam.

 

            Retornando ao núcleo urbano de Cusco, conhecemos o mirante da Praça de San Cristóbal, de onde se pode apreciar uma bela vista do centro histórico da cidade. Estivemos lá no dia 14 de setembro e pudemos observar uma procissão dedicada a Jesus Crucificado. No Brasil, nesta mesma data, é comemorado o dia do Bom Jesus do Matosinhos, cuja principal manifestação acontece no santuário de Congonhas, Minas Gerais. Minha terra natal, Itabirito (MG), tem uma capela barroca com esta nomenclatura, com pinturas de rara beleza.

            Dali fomos ao Mercado de San Pedro, o principal da cidade. Local para comprar produtos da gastronomia local, como café, chocolate, quinua, maca negra, chicha morada, chás de coca e muña, alimentos diversos, sucos, artesanatos, roupas, dentre outros. A arquitetura foi assinada por Gustavo Eiffel, o mesmo que criou a icônica torre parisiense.

            Em frente ao mercado, na época de nossa viagem, acontecia a feira do livro, com muitas livrarias e editoras representativas do país, inclusive muitos sebos.

 

            O mosteiro e convento de Santo Domingo, na sequência, foi construído em cima do Templo de Coricancha (que, em quéchua, quer dizer “recinto de ouro”). As antigas fundações ainda estão preservadas, de onde se pode notar mais uma vez a engenhosidade dos incas na construção de seus edifícios. Podemos observar como as pedras eram encaixadas e como as paredes eram feitas com alguma inclinação, para driblar os terremotos comuns na região. Muitas das edificações incas sobreviveram aos abalos sísmicos, enquanto as obras dos colonizadores tiveram que ser reconstruídas várias vezes.

            Construir os templos e edifícios em cima das estrutura incas foi a forma dos colonizadores demonstrarem a sua dominação, como aconteceu também no México, em relação aos astecas, maias e outros povos originários.

            Coricancha era um local sagrado, onde se faziam oferendas ao deus Sol. Ali só podiam ingressar o imperador, o sacerdote e as virgens autorizadas para participar dos rituais. Contam que suas paredes eram cobertas lâminas de ouro sólido e os pátios eram decorados por estátuas douradas. Estes tesouros foram saqueados pelos espanhóis, durante a conquista do império inca.

            Do mosteiro, podemos apreciar os belos jardins, as sacadas e os corredores cobertos de telas de pintores europeus. A igreja exibe um belíssimo altar coberto de ouro.

 

            Cusco é tombada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco desde 1983. Seu centro histórico é marcado por importantes edifícios coloniais, cujas varandas de madeira são algumas de suas características mais marcantes.

            Dentre os atrativos, vale ressaltar o Museu Inka, que ocupa a residência do corregedor Francisco Aldrete Maldonado (?-1643), apelidado de Almirante, que foi construída no século XVII. O acervo é composto por vasos cerimoniais, tecidos, múmias e ídolos em ouro maciço e prata, armas, ferramentas e cerâmicas incas. O local abriga uma detalhada maquete de Machu Picchu, ladeada por fotos de sua descoberta, no início do século XX.

            Apesar do nome, o museu deixou a desejar, principalmente porque o prédio e parte de seu acervo não está bem conservado. Recentemente, no
Brasil, o Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) realizou uma exposição dedicada aos tesouros ancestrais do Peru, com peças muito mais suntuosas e belas do que vimos nesse espaço.

            O Museu Histórico Regional, que é mais bem elaborado e organizado, traz muitas obras de arte e objetos do período colonial e pré-colonial. Na visita que fizemos, destaco a exposição temporária “El arte de burilar los mates”, do artista plástico Angel Alfaro Nuñes, que utiliza cabaças para criar peças maravilhosas, com pinturas e desenhos super detalhados. Um trabalho fenomenal!

            No pátio principal da Escola de Belas Artes existem alguns murais, telas e esculturas bem interessantes, demonstrando a criatividade dos artistas locais.

            Há uma grande tradição cusquenha em relação às artes plásticas, proveniente do período colonial. Artistas locais, a maioria anônimos, criaram obras encantadoras, com um estilo bastante peculiar. Alguns pintores e escultores espanhóis e italianos, como Francisco de Zurbarán e Bernardo Bitti, serviram de inspiração para o surgimento de vários talentos locais, como Diego Quispe Tito (1611-1681) e Marcos Zapata (1710-1773), que pintou a célebre “Última Ceia”, exposta na catedral de Cusco.

            A inspiração surgiu, inicialmente, de obras renascentistas trazidas da Europa. Mas, com o tempo, os artistas locais foram desenvolvendo uma técnica e estilo específicos, criando uma escola bastante distinta e que, atualmente, é muito valorizada nos principais leilões de arte internacionais. Cenas mostrando a Sagrada Família, anjos e santos eram elaboradas com o requinte de roupas extravagantes, à moda europeia, com douramentos e joias, distante das figuras tradicionalmente humildes descritas na Bíblia.

            Outras obras mostram cenas da vida cotidiana, muitas delas retratando a realidade dos povos locais, submetidos aos atos religiosos católicos ou às violências impostas pelos colonizadores. Há, ainda, interessantes retratos de líderes incas e personagens da realeza dos povos originários.

 

            Conhecemos, também, o bairro de San Blas, um conjunto de pequenas ruas com casas coloniais coloridas, em cima de muros incas. São construções pintadas de branco, decoradas com floreiras. A maioria delas é ocupada por ateliês de artesãos e artistas plásticos cusquenhos.
            Caminhando em direção à praça principal, está a pedra de 12 ângulos, incrustrada em um muro inca, famosa pelo seu encaixe perfeito. O local é uma das principais atrações da cidade.
            Na rua há também muitas joalherias. Cusco é famosa pela lapidação de joias, em especial aquelas feitas em prata e pedras preciosas. Há criações para todos os gostos e bolsos.

 

            A visita termina na principal construção de Cusco, a catedral. Infelizmente, por motivos de direitos autorais, são proibidas as fotos no local. Mas, basta uma busca no Google para observar a riqueza e a suntuosidade do interior da edificação.

            O altar principal, criado em entre 1792 e 1802, foi elaborado com aproximadamente 400 kg de prata boliviana. O coro, datado do século XVII, foi todo esculpido em cedro. Em um dos altares, está a imagem do Cristo “El Negrito”, chamado de “El Señor de los Temblores”, por sua fama milagrosa de acalmar os terremotos. Sua tonalidade escura é creditada à fumaça das velas. Por fim, a famosa “Última Ceia”, já citada neste texto, que coloca Cristo e os discípulos em volta de uma mesa tipicamente peruana, servindo o porquinho-da-índia, ao invés do cordeiro; e tomando cerveja de milho, ao invés do vinho, em taças incas.

            Neste dia, foi crucial a presença do guia Rossel, um dos mais bem informados da nossa viagem, que nos deu uma aula completa sobre a história da cidade. Tivemos, inclusive, a oportunidade de conversar com ele em particular, à parte do grupo, quando pudemos extrair um pouco mais de seu amplo conhecimento.

            Cusco merecia alguns dias a mais na viagem, principalmente para conhecermos mais profundamente os restaurantes estrelados, os seus deliciosos cafés e lojas. No entanto, era hora de prosseguir na viagem, rumo a novos sítios do Vale Sagrado.

O mapa original de Cusco tinha o formato de um

Centro Histórico

Igreja da Companhia de Jesus

Catedral

Varandas de madeira



Arco de Santa Clara



Praça das Armas


Desfile de estudantes


Ensaio de casamento na praça







Boleto Turístico

Sacsayhuaman










Vista de Cusco a partir do sítio

Muralhas com pedras de até 350 toneladas

Q'enqo


Mesa de rituais

Puka Pukara






Tambomachay










Mirante de San Cristóbal

Procissão

Wagner e mulheres com vestes típicas

Centro histórico a partir do mirante

Praça de Armas


Mercado de San Pedro








Com Wagner e Regina experimentando os deliciosos sucos

Feira do Livro

Bandeira de Cusco

Mosteiro Santo Domingo e Templo de Coricancha




Construção de Coricancha ainda de pé

Encaixe perfeito das pedras

Parede levemente tombada para suportar os terremotos


Pedras lapidadas pelos incas

Jardins do mosteiro

Artefato com símbolos da cultura inca

Altar principal

San Blas



Joalheria




Muro de pedra em San Blas

Pedra de 12 ângulos: maestria inca

Museu Inka


Fachada




Fotos da descoberta de Machu Picchu

Maquete de Machu Picchu

Foto tirada no início do século XX

Foto da época da descoberta do Machu Picchu

Tela com princesa inca

Teto e mobiliário do museu





Pátio central

Regina observa os arcos da construção

Museu Regional












Nuñes e suas cabaças artísticas



Detalhe de pintura da escola cusquenha

Dossel do século XVII

Pintura mostra tortura de líder inca na época da colonização

San Tiago mata incas: santo era invocado na matança 
dos povos originários


Imagem de Maria amamentando

Escola de Belas Artes








Hossel, o guia que nos ensinou muito a respeito de Cusco

Interior da catedral (foto internet)

Artesanato feito com lã de vicunha













Artesãs locais



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