segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Brasil Profundo 16 – Rio de Contas e o retorno para BH

Em frente ao teatro de Rio de Contas (foto de Wagner Cosse)


            Estamos aos últimos dias da nossa rota pelo Brasil Profundo, que começou no dia 15 de dezembro de 2016 e terminou no dia 20 de janeiro de 2017. Trinta e sete dias intensos, de carro, pelos Estados de Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Maranhão, Belém, Piauí, Pernambuco e Bahia, perfazendo quase 8.700 km.
            Depois de passarmos por Petrolina e Juazeiro, descemos a BR-407 em direção ao Parque Nacional da Chapada Diamantina, em especial na cidade de Mucugê (BA). Já conhecemos (eu e meu companheiro de viagem, Wagner Cosse), o parque e a cidade. Inclusive fiz postagem sobre a região neste blog. Portanto, Mucugê foi apenas uma escolha de pernoite agradável, para fugir do circuito Feira de Santana / Teófilo Ottoni / Governador Valadares para retornar a Belo Horizonte. Fizemos isto por dois motivos. Primeiro, porque é uma área de intenso tráfego de caminhões e, também, por causa do surto de febre amarela que incidiu sobre essa região no início de 2017.
            De Mucugê não temos muitas novidades, além de uma pequena volta pelo centro da cidade, revendo o belo casario colonial. Jantamos numa pizzaria muito legal, com interessantes opções de massa. Pernoitamos na Pousada Nossa Senhora Aparecida, sem muitos recursos, mas com bom atendimento. Surpreendentemente, o café da manhã foi divino, com opções deliciosas, o que fez valer a hospedagem.
            Bem alimentados, saímos cedo de Mucugê em direção a Rio de Contas, pequena cidade histórica baiana, que fica próxima ao circuito da Chapada. O velocímetro apontava 7.589 km de viagem. A temperatura estava amena: 23 graus. Para chegar lá, passamos por boas rodovias. Somente em um pequeno trecho, próximo a Jussiape, pegamos estrada de terra.
            É até covardia conhecer uma cidade tão linda como Rio de Contas em apenas algumas horas. Planejamos chegar lá por volta de 11h e ficamos até 15h. Rodamos o centro histórico, que fica em torno de uma pracinha encantadora, e almoçamos no restaurante Esquina do Sabor. Além da comida deliciosa, a trilha sonora era fantástica, composta por canções tranquilas, a maioria instrumental, entre violinos, pianos e violoncelos. Tomamos a liberdade e pedimos para gravar as canções em um pen drive, que fomos ao ouvindo ao longo da estrada.
            Conhecemos alguns edifícios históricos, como a igreja de pedra, o grupo escolar, o teatro municipal, a prefeitura municipal, dentre outros, e o centro de artesanato. Boa parte estava fechada no horário de almoço, quando boa parte do Nordeste fecha as portas para descansar do forte calor. Mesmo assim, ficamos impressionados com a limpeza das ruas e das casas, todas bem conservadas e pintadas. Um dos prédios que mais chamou a atenção foi a Pousada Rio de Contas, na qual fomos convidados a fazer uma pequena visita. A decoração e o pátio interno são maravilhosos. Do artesanato, adquirimos duas belas peças – uma toalha e um caminho de mesa – em crivo, bordado típico do local.
            Nos arredores de Rio de Contas as paisagens são de tirar o fôlego. Altas montanhas, com cachoeiras e uma densa arborização criam um espetáculo deslumbrante. Várias vezes paramos na estrada para fotografar.

            Rio de Contas marcou (em alto estilo, diga-se de passagem) uma espécie de despedida da viagem pelo Brasil Profundo. Dali, voltamos para Belo Horizonte, com uma pequena pernoite em Janaúba (MG), somente para descansar. O retorno foi tranquilo, sem percalços. A única ressalva que pode ser feita é o péssimo estado do asfaltamento na divisa de Minas com Bahia e na região próxima a Montes Claros, em especial na inacreditável BR-251. Nesse trecho, há centenas de caminhões com cargas pesadíssimas que deixam o trânsito muito lento e fazem marcas profundas no piso da rodovia, transformando-a em um dos pontos mais perigosos de toda a jornada.
            No mais, a viagem também nos marcou profundamente pela urgente necessidade de se traçar um plano ambiental para o Brasil. Vimos muitas situações aterradoras, como lixões à beira das rodovias, cidades sem esgotamento sanitário, rios secos ou intermitentes, grandes desmatamentos, ocupações territoriais desordenadas.  
            Fiquei, também, incomodado com o poder da mídia, em especial da Rede Globo, em todos os lugares. Até nos mais simples muquifos, onde às vezes parávamos para tomar um cafezinho ou ir ao banheiro, a TV estava ligada na emissora, transmitindo um modo de vida que pretende “unificar” o país em uma cultura do Sul/Sudeste. As manifestações locais ficam à margem desse universo midiático.
Sonho com esse Brasil mais plural, rico em manifestações como a Marujada, a Cavalhada, as festas folclóricas ricas em cantos e danças. Sonho com as praias cristalinas, com os papos agradáveis do povo, contando seus casos e maneiras. As características de cada localidade sendo transmitidas por sua arte e seu modo de vida. Isso está se perdendo ou se diluindo em uma geração focada nas telas do celular e dominada por uma música de péssima qualidade, imposta por grandes conglomerados de comunicação e marketing.
Que essas delicadas linhas cheguem aos corações dos brasileiros e de todos que entendem a Língua Portuguesa, para que esse gigante emerja de sua placidez e se transforme no grande país que queremos e sonhamos.

Até a próxima viagem! 

Pousada Rio de Contas

Interior da pousada

 Rio de Contas - Centro Histórico












Grupo escolar





Prefeitura

O teatro municipal (amarelo e verde)

Wagner na praça da prefeitura



Peça em crivo

Peça em crivo
Esquina do Sabor
Duster em Rio de Contas

Centro de artesanato


 Arredores de Rio de Contas




 Estrada entre Bahia e Minas Gerais




Retorno ao lar: Belo Horizonte no fim de tarde do 20 de janeiro de 2017

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Brasil Profundo 15 – Petrolina e Juazeiro

João Gilberto e eu, em Juazeiro (BA) (foto de Wagner Cosse)


Dorme o sol à flor do Chico, meio-dia
Tudo esbarra embriagado de seu lume
Dorme ponte, Pernambuco, Rio, Bahia
Só vigia um ponto negro: o meu ciúme

O ciúme lançou sua flecha preta
E se viu ferido justo na garganta
Quem nem alegre, nem triste, nem poeta
Entre Petrolina e Juazeiro canta

Velho Chico vens de Minas
De onde o oculto do mistério se escondeu
Sei que o levas todo em ti, não me ensinas
E eu sou só eu, só eu só, eu

Juazeiro, nem te lembras dessa tarde
Petrolina, nem chegaste a perceber
Mas na voz que canta tudo ainda arde
Tudo é perda, tudo quer buscar, cadê?

Tanta gente canta, tanta gente cala
Tantas almas esticadas no curtume
Sobre toda estrada, sobre toda sala
Paira, monstruosa, a sombra do ciúme

Clique nas fotos para ampliá-las. Fotos de Thelmo Lins

            A belíssima canção “Ciúme”, de Caetano Veloso, embalava este momento especial de nossa jornada pelo Brasil Profundo. Estávamos (eu e meu companheiro de viagem, Wagner Cosse) chegando a Petrolina e Juazeiro, duas importantes cidades de Pernambuco e Bahia, divididas pelo rio São Francisco. Tudo ali parecia épico.
            Chegamos à noitinha em Petrolina, onde nos hospedamos. A escolha foi ótima: o Orla Guest House, que reservamos pelo Booking. Um hotel bem próximo ao rio, com uma boa vista da região. Seu proprietário é um norte-americano que se encantou pelo Nordeste e deu, aos quartos, nomes de frutos regionais. O nosso era o Pitanga que, por sinal, era muito confortável.
            Recuperamos da viagem cansativa dos dias anteriores com uma boa noite de sono. É bom lembrar que nem sempre conseguimos uma cama agradável nos hotéis em que pernoitamos. Mas, em Petrolina, coloquei meu corpo em dia.
            Depois do café da manhã, fizemos um roteiro para conhecer um pouco de Petrolina e Juazeiro. Tivemos apenas um dia para visitar as duas cidades, um tempo pequeno, considerando que, juntas, elas se transformam em uma conglomerado de mais de quase 600 mil habitantes. Por isso, era necessário aproveitá-lo da melhor maneira possível. Já cedo fomos ao centro de artesanato para conhecer os produtos locais. Encontramos muitas carrancas, dentre outras peças. Alguns escultores ganharam fama recentemente com a novela Velho Chico, da Rede Globo. Comprei peças menores, mais fáceis de carregar. Mas registre tudo que me autorizaram.
            Logo em seguida, caminhamos pelo centro de Petrolina. Visitamos a matriz e caminhamos até o porto. Antes, conhecemos o sebo Rebuliço, do escritor Maurício Ferreira. Ele nos indicou uns livros interessantes sobre a cidade e ainda nos contou algumas histórias locais. Comprei a antologia poética de Chico Pedrosa, um paraibano que viveu em várias cidades nordestinas.
            O próximo passo seria o Bodódromo, área de restaurantes especializada na carne de bode, mas que também oferecia outros pratos regionais. Almoçamos lá e, depois, cruzamos a ponte para conhecer Juazeiro.
            Muita coisa estava fechada nesse início de ano. Principalmente os museus e centros culturais, tanto em Juazeiro quanto Petrolina e em outras cidades que visitamos nessa jornada. Fruto, segundo disseram, da troca de prefeitos. Então, nos contentamos com uma volta pelo centro de Juazeiro, cidade onde encontramos mais edifícios históricos – Petrolina é mais moderna.
            Fizemos uma pequena pausa para o sorvete, pois o calor estava de amargar. Para se ter uma ideia, logo de manhã a temperatura já acusava 34 graus. Na parte da tarde, alcançava aqueles 40 graus que nos fazem derreter à sombra.
            Juazeiro também é a terra de João Gilberto e Ivete Sangalo. Para o cantor bossanovista, foram construídas duas belas estátuas. Uma, de pé, fica em frente ao antigo terminal ferroviário, atualmente desativado. A outra, sentado, tocando violão, fica em uma pracinha à beira do Rio São Francisco, ao lado de uma antiga chalana. Esta embarcação, do século 19, foi adquirida pelo imperador D. Pedro II e serviu, durante muitos anos, na Amazônia, até ser trazida para Juazeiro, onde cumpriu longos anos de passeios turísticos. Aposentada, virou monumento cultural.
            Quando o dia terminava, cruzamos novamente a ponte e fomos aguardar o pôr-do-sol na orla de Petrolina. E ele não nos decepcionou. Encantador, monumental. E exclamo: como o céu do sertão é belo, Vixe Maria! E a canção de Caetano ressoava mais uma vez em minha cabeça.
            No início da noite resolvemos ir ao supermercado local para comprar algumas garrafas do vinho produzido no Vale do São Francisco, com a intenção de trazermos para Minas Gerais. O local se tornou uma referência na produção de uvas e, agora, estão desenvolvendo safras de alta qualidade. Uma das marcas foi premiada, recentemente, como um dos dez melhores vinhos da América Latina.
            No dia seguinte, antes de darmos continuidade à viagem, fomos conhecer o atelier de Dona Ana das Carrancas (1923-2008). A famosa artesã, que criou as carrancas de barro tirado do Rio São Francisco, já faleceu. Mas as filhas e a neta continuam seu legado. Uma história de vida incrível, marcada pela pobreza. Adulta, se apaixonou por José Vicente, um homem cego, que pedia esmolas nas ruas. Casou-se com ele e, juntos, desenvolveram a técnica que hoje é tão apreciada em todo o país. Ainda viva, foi agraciada com a Ordem do Mérito Cultural, a mais importante comenda outorgada pelo Governo Federal para artistas brasileiros. E foi considerada Patrimônio Vivo de Pernambuco. Wagner foi às lágrimas com o relato de sua neta.
            É possível adquirir peças criadas pelas descendentes de Dona Ana, a preços bem razoáveis. As imagens seguem os modelos criados pela matriarca. A título de curiosidade, algumas peças originais estão no museu dedicado à artesã, no Ponto de Cultura que também é sede da oficina e escola de artesanato.
            Saímos de Petrolina, cruzamos a ponte sobre o Rio São Francisco, atravessamos Juazeiro e seguimos viagem. A próxima parada era Mucugê (BA), bem no meio da Chapada Diamantina.

Centro de Artesanato de Petrolina









Wagner com o artesão local

Centro Histórico e Porto de Petrolina












Juazeiro vista de Petrolina


Juazeiro vista de Petrolina




Que tal com coco?

Bodódromo

Ponte que separa Petrolina de Juazeiro, sobre o Rio São Francisco

Juazeiro




Que tal um sorvete para refrescar?



Petrolina vista de Juazeiro

Na orla de Juazeiro


Edifício na orla de Petrolina

Pôr-do-sol em Petrolina



Wagner em Petrolina





Ana das Carrancas






Dona Ana e seu marido José Vicente (foto do museu)

Obra da filha de Dona Ana, exibida na lojinha do museu

Peça à venda na lojinha

Ponto de Cultura Ana das Carrancas

Com as filha e a neta de Dona Ana (foto de Wagner Cosse)

De volta à estrada


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